Loja no mercado do Saara, no Rio de Janeiro (Mario Tama/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 1 de setembro de 2017 às 12h11.
Última atualização em 1 de setembro de 2017 às 13h40.
São Paulo - 17 de maio foi o dia em que se tornou pública a delação premiada da JBS que envolveu o presidente Michel Temer em denúncias de corrupção e fragilizou o governo.
Mas isso não causou um descarrilamento da retomada da economia brasileira, como mostram os números de crescimento no 2º trimestre divulgados nesta sexta-feira (01) pelo IBGE.
O Produto Interno Bruto (PIB) teve alta de 0,3% em relação ao mesmo período do ano passado, o primeiro resultado positivo nessa medida após 12 trimestres de queda.
“O PIB foi dentro do esperado e significa que continua a tendência de recuperação. O mais interessante é que teve uma crise política que não foi pequena bem no meio desse trimestre, e mesmo assim o PIB continuou no rumo”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
O crescimento em relação ao 1º trimestre foi de 0,2%. A má notícia é que ele foi menor do que no trimestre anterior (1%), mas a boa notícia é que ele foi mais espalhado.
"As dinâmicas de suporte do crescimento melhoraram e se ampliaram no 2º trimestre, já que o crescimento no 1º trimestre havia sido baseado em bases estreitas", diz a nota de Alberto Ramos, chefe de pesquisa de América Latina do Goldman Sachs.
O banco revisou sua expectativa de crescimento em 2017 de 0,7% para 0,9% após os números de hoje, enquanto a MB revisou seu número de 0,3% para 0,7%.
A agropecuária cresceu tanto no começo do ano, puxada pelo clima bom e por uma safra excepcional, que a expectativa era que haveria uma forte correção que puxaria o PIB para baixo. Mas ela ficou no zero a zero no 2º trimestre, o que pode ser comemorado.
"A recuperação é difundida, espalhada e sólida. É importante pelo número e composição. A economia voltou a funcionar e estabilizou", diz Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), que revisou a previsão de crescimento em 2017 de 0,6% para 0,7%.
Consumo
É o resultado de uma dinâmica virtuosa de queda dos juros, inflação já abaixo do piso da meta e desemprego que finalmente começa a ceder, ainda que com base na informalidade.
Sérgio nota que os novos empregados tem salário mais baixo do que as pessoas demitidas, então ainda demora para a melhora no mercado de trabalho impulsionar o consumo mais fortemente.
Todos os analistas apontam também para o impacto do saque de R$ 44 bilhões das contas inativas do FGTS entre março e julho. O comércio, por exemplo, subiu 1,9% no trimestre.
Também houve quem usasse os recursos para pagar dívidas e quem preferisse guardar. De uma forma ou de outra, são pessoas que terão melhor perfil de crédito e poderão usar esse dinheiro no futuro.
"O FGTS deu uma bombada no número. O consumo vai continuar crescendo, mas em ritmo bem menor, pois não há espaço para novos anabolizantes", diz Silvia.
O consumo do governo, outro componente importante, vai em direção contrária com queda de 0,9% no trimestre e 2,4% na base anual, resultado do ajuste fiscal e da perda de receita e capacidade de investimento.
Investimento
A grande decepção continua sendo o investimento, que com a exceção de um soluço positivo no 3º trimestre de 2016, cai de forma consistente desde 2013.
A taxa de investimento ficou em 15,6% do PIB, mais de um ponto percentual abaixo do observado no mesmo período do ano anterior (16,8%).
Nesse caso, é a continuidade de uma tempestade perfeita de fatores como um Estado sem capacidade de investir e efeitos da Operação Lava Jato sobre construtoras.
Também há reorientação de rumo no crédito público, com mudança na taxa do BNDES, e um tempo necessário para digestão de investimentos exagerados em empresas como a Petrobras (que sozinha responde por 10% dos investimentos do país).
"Infelizmente, a desastrada experiência econômica heterodoxa do governo anterior deixou como herança sequelas que terão impactos por muitos anos", diz a nota do Banco Fibra.
As empresas não têm porque investir enquanto estiverem ocupando capacidade ociosa, e as famílias se alavancaram muito e não estão pedindo (nem conseguindo) crédito imobiliário.
A Indústria, que havia subido 0,9% no 1º trimestre, voltou a cair: -0,5%. Houve pequenas altas na indústria de transformação (0,1%) e extrativa (0,4%), mas com impacto negativo forte de uma queda de -2% na construção civil, um dos setores mais afetados pela crise.
"Casos essas questões evoluam mais favoravelmente nos próximos meses, a construção pode não somente deixar de atrapalhar a dinâmica do PIB como eventualmente reforçar a retomada – embora seu peso direto no PIB seja de pouco menos de 5%, pelo lado da oferta, seus efeitos indiretos são relevantes, por se tratar de um setor altamente intensivo em mão-de-obra", diz a nota da LCA Consultores.
Futuro
Os juros e inflação devem seguir caindo, mas passado o primeiro teste político, podemos afastar o temor de novas quedas trimestrais da economia brasileira?
"Uma nova queda é possível, mas não é o nosso cenário. As grandes turbulências já foram superadas por efeito econômico. Temos que comemorar porque saímos de uma profunda recessão, mas ainda temos que ficar vigilantes porque o caminhar das contas públicas pode gerar preocupações adicionais", diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings.
O governo reviu recentemente as previsões de déficit primário para 2017 e 2018, ampliando a perspectiva de rombo.
A reforma da Previdência, dada como muito provável antes da crise política, parece ter ficado para depois da eleição.
Como ela é central para garantir a sustentabilidade do Orçamento e do teto de gastos, os olhos se voltam para os candidatos para 2018 e seu comprometimento com a continuidade de reformas.
"Tivemos uma virada de confiança mas não há certeza de que isso será perene e de que o governo novo irá na mesma direção. A crise politica continua pairando e a incerteza do que vai acontecer dificulta investimentos mais arriscados", diz Silvia.