Reforma tributária: Executivo e Legislativo concordam que a lógica atual da cobrança sobre o consumo precisa ser revista no Brasil (Valter Campanato/Agência Brasil)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 10 de março de 2023 às 06h03.
Última atualização em 10 de março de 2023 às 13h13.
A discussão sobre a reforma tributária está em um momento de rara convergência entre governo federal e Congresso, com os dois aparentemente dispostos a aprovar o texto ainda este ano. O Executivo e o Legislativo concordam que a lógica atual da cobrança sobre o consumo precisa ser revista no Brasil.
A maior dificuldade é definir quais serão exatamente as novas regras -- além de como e quando passarão a valer. A reforma só será colocada em votação se houver o mínimo de consenso entre os parlamentares. É o mesmo desafio que permeou o debate por décadas. A diferença é que, agora, os envolvidos no assunto acreditam que há vontade política para avançar.
Chegar à "reforma possível" é a tarefa de um grupo de trabalho instalado em fevereiro na Câmara, que começou as atividades no início de março e pretende concluí-las em 16 de maio. A intenção é deixar o texto pronto para ser votado no plenário ainda no primeiro semestre.
Os 12 deputados do GT analisam duas propostas de emenda à Constituição que tratam do assunto: a PEC 45/2019, da Câmara, e a PEC 110/2019, do Senado. O relator é o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que foi relator da comissão mista que discutiu a reforma tributária entre 2020 e 2021, com base nessas duas PECs.
O relatório final apresentado por Aguinaldo à comissão mista em maio de 2021 é o mais próximo que o Congresso chegou de um consenso entre os dois textos. É ele o ponto de partida da discussão atual.
O secretário do Ministério da Fazenda responsável pela reforma tributária, Bernard Appy, acredita que a diferença entre as duas PECs, hoje,"é minúscula". Em audiência pública do GT, em 8 de março, ele ressaltou que "as convergências são muito maiores".
Apesar das várias dúvidas apontadas durante a reunião, ficou claro que, pelo menos hoje, a visão do governo coincide com a dos deputados em relação a pelo menos dez pontos:
A ideia é unificar a cobrança de cinco tributos que hoje incidem sobre o consumo -- IPI, PIS, Cofins, ICMS (estadual) e ISS (municipal). Inicialmente, a PEC 110 incluía outros na lista, como IOF e salário educação, mas a visão que predomina hoje é de que a lista deve se restringir aos cinco previstos na PEC 45. Os parlamentares ainda discutem se eles serão substituídos por um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ou se o IVA será dual, com uma cobrança federal e uma estabelecida pelos estados e municípios.
A regra geral é que o novo imposto incida sobre todos os bens e serviços, tangíveis e intangíveis. A ideia seria acabar com benefícios fiscais, mas haverá exceções. As hipóteses de tratamento diferenciado serão discutidas na PEC ou por lei complementar.
A reforma deve estabelecer uma alíquota de referência do IVA, que deve ser adotada por todos os estados e municípios, mas os entes poderão decidir se a cobrança será maior ou menor. A sugestão precisaria ser aprovada pela Assembleia Legislativa ou pela Câmara Municipal. O entendimento é que fixar uma alíquota igual para todos os entes seria ineficiente, porque as necessidades de gasto e de arrecadação variam.
A reforma pretende acabar com os "resíduos tributários" acumulados no processo de produção, impostos que são pagos ao longo da cadeia e depois não são ressarcidos, o que onera os investimentos. Tudo o que for adquirido pelas empresas no processo de produção vai gerar créditos que serão repostos na venda do produto.
O IVA será pago ao estado e ao município de destino das operações, não de origem. Ou seja, o imposto pago pelo consumidor será revertido para políticas públicas no local onde ele comprou aquele produto, não onde ele foi produzido.
Seguindo a lógica de tributar o consumo e não a produção, a reforma deve desonerar por completo as exportações. O imposto será cobrado sobre o produto vendido ou serviço prestado, não sobre o investimento.
No mesmo sentido, o IVA será cobrado sobre o produto importado da mesma forma que sobre o produto produzido no Brasil.
Além do IVA, a reforma deve criar um Imposto Seletivo extrafiscal (com fins não arrecadatórios), que incidirá sobre produtos que afetam de forma negativa a saúde ou o meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas. A União poderá aumentar e reduzir a alíquota do IS como faz hoje com o IPI, que deixará de existir;
A ideia discutida hoje é manter o Simples Nacional, com a possibilidade de que as empresas possam optar pelo regime normal de tributação do IVA. Para uma empresa que está no meio da cadeia de produção, que compra insumos e vende para uma empresa que recupera o crédito, a regra geral pode ser melhor. Para a que está na ponta, vende para o consumidor final, o sistema atual tende a ser melhor.
Os projetos preveem que o valor do imposto seja descrito na nota fiscal de todas as compras. O objetivo é que o consumidor saiba quanto paga para financiar políticas públicas e consiga avaliar melhor o retorno em termos de saúde, segurança, infraestrutura etc.