Reforma tributária de Guedes deve elevar carga em alguns setores; entenda
A proposta de reforma tributária mantém a carga tributária como porcentagem do PIB, mas, num primeiro momento, uns vão sentir mais que outros
Ligia Tuon
Publicado em 21 de julho de 2020 às 12h43.
Última atualização em 21 de julho de 2020 às 13h58.
Embora o ministro da Economia, Paulo Guedes , defenda que não há espaço para altas de impostos, alguns setores reclamam que o modelo de reforma tributária defendida tanto pelo governo quanto pelo Congresso trará um aumento da carga tributária.
Não deixa de ser verdade, mas em alguns casos. A proposta de reforma tributária promete manter a carga tributária como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), mas há uma redistribuição desse ônus entre os diferentes setores da economia.
O texto que já tramita no Congresso e que recebe nesta terça-feira, após um ano de promessas, a contribuição do Executivo, cria um imposto único que incide sobre bens e serviços, aos moldes dos praticados em países desenvolvidos.
No plano dos parlamentares, ele substituiria cinco tributos já existentes: os federais PIS, Cofins, IPI e os estaduais ICMS e ISS. Já o plano do governo federal, num primeiro momento, deve incluir apenas a unificação de PIS e Cofins.
O setor de serviços, por exemplo, reclama que terá, de cara, um aumento de 30% e há várias associações da área que fazem lobby ativo contra a proposta.
"Esses precisarão ser convencidos de que o efeito sobre o crescimento do PIB vai compensar [suas perdas", diz Pedro Nery, economista e consultor do Senado.
O economista explica que é natural que haja uma perda para alguns num primeiro momento, sobretudo para o setor de serviços, pouco tributado hoje em dia:
"(O fato de ser pouco tributado) é bom para o rico, que consome mais serviços (um exemplo extremo é o spa, o hotel). E os prestadores ricos também são subtributados (o advogado, o consultor financeiro)", diz.
Os autores do projeto sabem que nem todo mundo ficará feliz com as mudanças num primeiro momento, mas defendem que isso mudaria com o tempo, com a simplicação do sistema de impostos e com o fim das distorções alocativas do atual sistema:
"Com o impacto positivo da reforma sobre o crescimento, mesmo a maioria dos setores que têm aumento de preço relativo tende a ser beneficiada", diz Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e um dos mentores da proposta em análise pelos parlamentares.
Appy explica que o impacto sobre os diversos setores ocorre ao longo da transição. Na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, que tramitava na Câmara antes da união com o projeto do Senado, e para a qual o economista colaborou, essa transição seria de dez anos:
"O impacto positivo sobre o crescimento aparece com alguma defasagem, mas o efeito começa a aparecer de forma mais relevante após uns três ou quatro anos", diz.
A insatisfação pode ser ilustrada pela reclamação do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, em seu Twitter, no qual diz que a reforma é "simples aumento de carga tributária".
Cruz alega que a carga irá dobrar para a pessoa jurídica. Categorias de profissionais liberais, como advogados e médicos, hoje costumam receber através de suas empresas, e com isso são objeto de tributação mais baixa do que alguém que receba o mesmo valor como pessoa física.
"Quem presta serviço para empresa (como advogado) vai ser beneficiado, pois vai pagar mais imposto, mas o tomador do serviço vai recuperar todo imposto pago na forma de crédito", diz Appy.
Para evitar a cumulatividade de cobrança ao longo das cadeias produtivas, a proposta encampada pelo economista prevê um sistema de créditos para compensar quem pagou um imposto mais de uma vez.