Política monetária ainda depende de redução do risco fiscal
OPINIÃO | Embora envio do arcabouço tenha trazido algum alívio, risco no equilíbrio das contas públicas deve permanecer como um fator relevante nas próximas decisões de política monetária
Redação Exame
Publicado em 20 de maio de 2023 às 08h30.
Por Silvio Campos Neto, da Tendências*
A ata da última reunião do Comitê e Política Monetária do Banco Central (Copom) manteve o tom cauteloso exposto no comunicado da decisão ao final do encontro de maio – em que a taxa básica de juros (Selic) foi mantida em 13,75% –, sem abrir espaço para mudanças da política monetária no curto prazo. Apesar de reiterar uma redução de incertezas devido à apresentação das novas regras fiscais, o Banco Central enfatizou a necessidade de impactos desse tema via canal de expectativas de inflação, algo que ainda não foi observado.
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Nesse sentido, o Comitê reforçou que a desancoragem de expectativas eleva o custo da desinflação na direção das metas, o que contribui para a atual fase mais lenta do processo de queda da inflação. Por ora, a Tendências Consultoria mantém a expectativa de corte da Selic a partir de agosto, e taxa em 12,5% ao final deste ano e de 10,5% ao término de 2024.
Persistem elementos de cautela à condução da política monetária. Do ponto de vista externo, a ata apontou que "os dados de crescimento e inflação globais se mantêm resilientes, exigindo empenho e determinação das autoridades monetárias".
Internamente, foi observada uma "pequena deterioração na margem" das expectativas de inflação, e a autoridade monetária reforça que "o comportamento das expectativas é um aspecto fundamental do processo inflacionário". De acordo com o BC, o País está em um estágio mais lento da dinâmica de desinflação, e os núcleos cedem em menor velocidade, afetados pelo hiato do produto mais apertado e pelas expectativas de inflação elevadas.
De acordo com a Pesquisa Focus, a mediana das expectativas de mercado para o IPCA em 2023 está em 6,03%, em linha com o IPCA de abril acima do esperado e a persistência de incertezas quanto à inflação de serviços. A mediana para 2024 tem mostrado recuo e se encontra em 4,15%, enquanto as expectativas para 2025 e 2026 se mantiveram em 4,0%, o que indica a dificuldade de convergência inflacionária à meta de 3,0%. As projeções de longo prazo refletem a expectativa de maior expansão fiscal, a incorporação da elevação das metas de inflação nos próximos anos e o efeito de uma maior inércia inflacionária.
A ata reitera, portanto, a linha cautelosa que o Banco Central tem seguido, o que mantém uma redução da Selic na reunião de junho fora do jogo. Até a reunião de agosto, contemplamos em nosso cenário a aprovação do novo arcabouço fiscal, a continuidade da perda de fôlego da atividade e da melhora qualitativa gradual da inflação, além do aumento das metas de inflação para os próximos anos, que se ajustariam à piora já observada nas expectativas. Com tais elementos, e tendo em vista o nível bastante contracionista da política monetária, consideramos o início da flexibilização em agosto, com um movimento de 25 bps de corte da Selic. Ainda que exista o risco de postergação da redução inicial, isso não impõe viés à projeção de 12,5% ao final do ano.
Arcabouço fiscal
Embora o envio ao Congresso da proposta de nova regra fiscal tenha trazido algum alívio às incertezas, o risco relacionado ao equilíbrio das contas públicas deve permanecer como um fator relevante para as próximas decisões de política monetária. A matéria ainda pode sofrer alterações durante sua tramitação nas duas casas legislativas e, o próprio desenho da proposta original, baseado em aumento das receitas, será testado.
Nesse sentido, o substitutivo do Projeto de Lei Complementar nº 93, que trata do novo arcabouço fiscal, apresentado pelo relator Cláudio Cajado (PP-BA) no dia 15 de maio, trouxe ajustes relevantes em relação à proposta inicial encaminhada pelo governo ao Congresso, ainda que não altere a essência das análises iniciais realizadas. Nesse sentido, apesar do predomínio de alterações positivas no texto, o substantivo não é capaz de reduzir o ceticismo com o alcance das metas previstas de resultado primário nos próximos anos. Adicionalmente, o novo texto não muda a avaliação de que a relação dívida/PIB seguirá trajetória de alta nos próximos anos, com perspectiva de estabilização por volta de 2030.
A proposta atende ao objetivo de reduzir os temores de descontrole de despesas e da dívida nos próximos anos. No entanto, não traz o rigor necessário que o momento impõe e que permita a melhora de resultados sem uma grande dependência de fortes ganhos de receitas, algo imprevisível, de modo que o cenário mais provável continua sendo de resultados primários fracos e aumento do endividamento. Se as regras permitem um alívio ao governo na gestão dos gastos ao longo do mandato, impondo um esforço reduzido, empurram para o futuro uma inevitável correção na estrutura de despesas obrigatórias do País.
*Silvio Campos Neto e economista sênior e sócio da Tendências Consultoria.