Economia

Pauta-bomba no Congresso pode custar R$ 93 bilhões adicionais para o governo em 2024

Medidas em apreciação na Câmara e no Senado podem atrapalhar ainda mais os planos de zerar o déficit fiscal no próximo ano

 (Leandro Fonseca/Exame)

(Leandro Fonseca/Exame)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 6 de outubro de 2023 às 15h25.

Última atualização em 6 de outubro de 2023 às 15h56.

Enquanto o governo busca mais de R$ 168 bilhões em receitas para zerar o déficit primário em 2024, alguns projetos em tramitação no Congresso ameaçam aumentar as despesas públicas ou representam renúncia fiscal. Levantamento da EXAME mapeou que somente cinco propostas têm potencial de impactar o Orçamento do próximo ano em pelo menos R$ 92,8 bilhões.

O avanço dessas proposições, que estão em diferentes graus de tramitação no Legislativo, já preocupa a equipe econômica, especialmente pelo potencial de minar a busca por zerar o déficit fiscal no próximo ano. Se todas as propostas forem aprovadas, o esforço fiscal necessário para equilibrar as contas públicas chegaria a quase R$ 268 bilhões.

O temor dos técnicos da equipe econômica é de que os líderes partidários usem esses projetos para pressionar o governo por espaço na Esplanada dos Ministérios, por cargos em estatais e fundações, o que pode desencadear uma crise política e econômica.

Como mostrou a EXAME, técnicos do Ministério da Fazenda e do Ministério do Planejamento também estão preocupados com a  demora para a aprovação das medidas necessárias para recompor as receitas e zerar o déficit fiscal — ou chegar o mais perto possível desse resultado. 

Após um primeiro semestre de lua de mel, a relação entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) azedou, relatam pessoas próximas aos dois. Lira não gostou da declaração de Haddad de que a Câmara tem muitos poderes. Com isso, a boa relação que resultou na aprovação de diversos projetos na Câmara no primeiro semestre foi por água abaixo e as conversas e costuras entre os dois se tornaram reuniões protocolares

Simples Nacional

A principal fonte de preocupação do governo e maior renúncia fiscal, de mais de R$ 60 bilhões, pode ocorrer com a aprovação do projeto de lei complementar nº 181 de 2021, que aumenta de R$ 4,8 milhões para R$ 8,7 milhões o limite de faturamento de empresas que podem se enquadrar no Simples Nacional.

A proposta já foi aprovada pelo Senado, passou por todas as comissões da Câmara e já pode ser apreciada pelo plenário da Casa. Empresas enquadradas nesse regime têm benefícios fiscais e pagam menos impostos que as médias e grandes empresas. Atualmente, a União já deixa de arrecadar R$ 88,5 bilhões anualmente em razão do Simples, segundo cálculos da Receita Federal.

Desoneração da folha de pagamentos

Outro projeto com impacto fiscal significativo é o projeto de lei nº 334 de 2023, que trata da desoneração da folha de pagamentos. Pela proposta, empresas de 17 setores podem pagar alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta a título de contribuição previdenciária, em vez de 20% sobre a folha de salários. A medida, caso aprovada, representaria uma renúncia fiscal anual de R$ 9,4 bilhões.

A proposta já foi aprovada no Senado, na Câmara e precisa ser apreciada novamente pelos senadores após alterações feitas no texto pelos deputados. Uma emenda acrescentada ao projeto das desonerações também garante que municípios com população inferior a 142.000 habitantes tenham uma redução de alíquota previdenciária de 20% para até 8%, de forma permanente. Somente essa proposta pode reduzir a arrecadação em até R$ 9 bilhões por ano.

Em outra frente, o projeto de decreto legislativo nº 365 de 2022 pode mudar a forma de cobrança de tarifas de transmissão e alterar o valor do bônus de outorga que a Copel deve pagar à União em R$ 1,2 bilhão pela prorrogação dos contratos de concessão de três usinas hidrelétricas. Esses recursos estão previstos como receitas no orçamento de 2024.

A proposta já foi aprovada pela Câmara e aguarda deliberação do Senado.

Reintegração de servidores

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada pelo Senado e que aguarda deliberação da Câmara reintegra servidores dos ex-territórios do Amapá, Rondônia e Roraima aos quadros da União e pode custar R$ 6,5 bilhões ao ano aos cofres públicos. A estimativa é de que 50 mil pessoas seriam contempladas com a medida.

Outra proposição, a PEC nº 15 de 2021, cria um Refis (um programa de renegociação) para dívidas previdenciárias municipais, com desconto de 60% em multas, 80% em juros e 50% em honorários, além de permitir o parcelamento por 20 anos.

Especialistas de mercado estimam que as perdas anuais podem chegar a R$ 6,7 bilhões por ano.

Consultorias questionam estimativas do governo

Além das pautas bombas, o problema orçamentário pode ser ainda maior. Como mostrou a EXAME, nota técnica divulgada na última quarta-feira, 4, pelas consultorias orçamentárias da Câmara e do Senado questionou as estimativas de receitas e despesas apresentadas pelo governo no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2024. Segundo o documento, cinco pontos são fonte de preocupação e podem não se concretizar.

Os cinco pontos são:

  1. Estimativa de 2,3% de alta do PIB pode se frustrar e receita esperada pode ser menor;
  2. Estimativa de receitas condicionadas de R$ 168,5 bilhões que podem não se concretizar;
  3. Renúncia fiscal referente à desoneração da folha de pagamento não foi considerada;
  4. Estimativa de gastos com benefícios previdenciários estão subestimados;
  5. Reajuste para servidores em 2024 demandaria cortes em dotações do Ploa de 2024.

Na prática, os consultores do Congresso afirmaram que pode ser necessário revisar as projeções de receitas e despesas ainda durante a tramitação ou durante a execução dos orçamento.

Disputa pela meta de déficit zero

A equipe econômica também tem enfrentado resistência de parte do Partido dos Trabalhadores, que defende que mudar a meta fiscal para assumir um rombo nas contas públicas em 2024.

Segundo parlamentares e técnicos petistas, para cumprir a meta de zerar o déficit será necessário gastos públicos, programas sociais e sacrificar investimentos. Na avaliação dessa ala do PT, essas medidas trariam prejuízos para a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e afetariam a estratégia do partido para as eleições municipais de 2024.

Por enquanto, os argumentos dos petistas não têm sensibilizado Lula, que tem se mantido afastado publicamente dessa discussão e respaldado as medidas tomadas por Haddad. Entretanto, ministros palacianos, reservadamente, defendem a mudança da meta. Resta saber se o chefe da equipe econômica continuará vencedor nessa queda de braço.

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