Economia

Para criador do Real, juro alto é problema e não solução

Em debate sobre seu polêmico novo livro, André Lara Resende diz que "homens práticos de negócios sempre intuíram que juros nominais são inflacionários”

Funcionário da Casa da Moeda verifica notas novas de 100 reais durante produção (Sérgio Moraes/Reuters)

Funcionário da Casa da Moeda verifica notas novas de 100 reais durante produção (Sérgio Moraes/Reuters)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 28 de junho de 2017 às 12h35.

Última atualização em 28 de junho de 2017 às 16h09.

São Paulo – Em 2013, o Banco Central baixou a taxa de juros para a sua mínima histórica e a inflação subiu.

Em 2015, os juros foram elevados, e agora as expectativas de inflação não param de cair.

Isso significa que juros e inflação andam em direção opostas, e que aumentar a Selic é uma forma efetiva de segurar os preços. Certo?

Errado, de acordo com André Lara Resende, ex-diretor do Banco Central e um dos criadores do Plano Real.

“Milhares de outras coisas aconteceram ao mesmo tempo. Não é que foi ou que não foi. Mas não é passível de ser dito nos modelos mais sofisticados de econometria, ainda menos no olhômetro”, disse ontem, em São Paulo, em debate sobre seu novo livro “Juros, Moeda e Ortodoxia” no Insper (leia trecho).

Entre os presentes no auditório lotado, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e economistas como Eduardo Giannetti e Fernão Brache.

A tese de Resende, que tem incendiado o debate desde a publicação de um artigo em janeiro, é que o país erra ao insistir em juros altos como forma de segurar preços.

Para ele, a inflação é pura expectativa e sobe quando há perspectiva de que o governo pode quebrar. Aumentar os juros é aumentar os gastos e endividar ainda mais o governo, retroalimentando o problema.

“Esse resultado é profundamente desconcertante, mas é lógico e irreversível (...) Todos os homens práticos de negócios sempre tiveram essa intuição, de que juros nominais são inflacionários”, ataca.

A situação tem nome: dominância fiscal, quando o fiscal perde tanto o controle que neutraliza apertos do Banco Central. Houve muito debate se o Brasil estava nessa situação no início de 2016.

Segundo Resende, a crise financeira de 2008 e a reação dos bancos centrais dos países desenvolvidos foram “quase uma coisa de laboratório”, mas tiveram um mérito: enterraram de vez a tese de que é a oferta de moeda no mercado que define o nível de preços.

“O Federal Reserve multiplicou por 60 vezes a base monetária e a inflação continuou estável”, ataca Resende.

O principal teórico da teoria fiscal no nível de preços, que Resende defende, é Chris Sims, prêmio Nobel de Economia e professor de Princeton, que conversou recentemente com EXAME.com.

Controvérsia

No debate no Insper, Resende não poupou críticas ao que considera uma formalização excessiva da economia. Ele disse que a macroeconomia é hoje uma “brincadeira perigosa”, usada para esconder escolhas políticas por trás de uma matemática inacessível à maioria:

“A gente pode desenhar o modelo que a gente quiser para qualquer resultado. Se os modelos são elegantes, mas não são realistas, dane-se a realidade”, ironizou.

Outros economistas presentes no debate discordaram. Marcos Lisboa, presidente do Insper, diz que “nunca houve uma ortodoxia dominante que todo mundo seguia” e que as políticas fiscal e monetária são no fundo a mesma coisa: só que uma mexe no curto prazo, e a outra no longo.

A grosso modo, todo tipo de fenômeno econômico, inclusive os mais absurdos e improváveis, pode acontecer em determinado local e em determinado momento da história. E os modelos acadêmicos permitem, por definição, uma infinidade de resultados possíveis.

Mas em meio a tanta incerteza, o que nos resta são os números, e eles mostram que a tese tradicional ainda se aplica para o caso brasileiro.

Samuel Pessôa, do Ibre/FGV, faz eco: “Não conheço evidência empírica de que o caso de dominância fiscal está se aplicando no Brasil”.

Ele diz que os casos de Brasil, Argentina e Venezuela mostram que “há uma enorme tolerância da heterodoxia latino-americana com a inflação” e que "seria ótimo se a macroeconomia tivesse acabado".

Foi uma referência ao primeiro governo do PT, quando políticas do governo anterior foram mantidas e a sua sensação era que o país havia chegado a um consenso na gestão econômica.

Lisboa aponta que se há algo que une todas essas visões, é de que a questão fiscal é o grande nó a ser desatado: “Se as contas públicas são insustentáveis, o resultado é o ajuste disso com a inflação”.

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