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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h26.
É bem possível que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tenha percebido, secretamente, que o "time de craques" que prometeu montar para ajudá-lo a governar o Brasil era uma coisa no papel e se transformou em outra, bem diferente e bem pior, na hora de jogar bola de verdade. Fica cada vez mais claro, a cada dia, que foram escalados no time alguns dos maiores cabeças-de-bagre que já passaram por Brasília, e que não há treino, bate-papo com o técnico nem palestra de psicólogo capazes de dar jeito nisso. É, apenas, um problema de ruindade. Anunciou-se um Santos dos tempos de Pelé. O que saiu na vida real foi um Madureira. E, com toda a simpatia que merece a brava agremiação suburbana, não dá, realmente, para ganhar campeonato nenhum com o time do Madureira.
No fundo do seu coração, Lula sabe disso. Pode não falar para ninguém, mas já sabe -- até porque todo mundo sabe, inclusive o presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoino, e outros dirigentes do partido, a quem foi entregue o mico de explicar que não há nada de mais em distribuir aos aliados políticos 70% dos 22 000 cargos públicos cujos titulares são nomeados pelo Palácio do Planalto. Como isso é um completo disparate, o resultado é que Genoino e a cúpula do PT acabam se vendo na situação de convencer o público de que é perfeitamente normal, por exemplo, o presidente do Instituto Nacional do Câncer (Inca) chamar a prima para gerir um dos principais hospitais do país. A experiência da prima, até então, se limitava a uma passagem pela direção do departamento de parques e jardins do Rio de Janeiro, mas fazer o quê? É isso mesmo o que acontece, em qualquer circunstância, quando quem manda começa a achar que pode tudo.
Naturalmente, esse tipo de coisa não foi inventado por Lula nem pelo PT. Tratar o governo do país como propriedade particular de quem está nele faz parte do DNA da política brasileira desde o governador-geral Thomé de Souza. Da mesma forma, se há alguma situação que não varia no Brasil é a maciça incompetência na gestão da máquina pública, tanto fazendo o tipo de governo que se tenha: monarquia ou república, civil ou militar, direita ou esquerda. É verdade que o PT passou anos a fio (e toda a última campanha eleitoral) jurando que iria mudar tudo quando chegasse lá, mas é preciso ser mesmo muito bobo para acreditar numa conversa dessas. O verbo "mudar", no dicionário político brasileiro, quer dizer apenas trocar os adversários pelos amigos. Entende-se, assim, a sincera surpresa do chefe da Casa Civil, José Dirceu, quando diz não compreender por que estão fazendo tanto barulho com essa história de loteamento dos cargos públicos entre o PT e seus aliados. "Queriam o quê?", parece se perguntar o ministro. (Dirceu, por sinal, forma, ao lado dos ministros Antônio Pallocci, da Fazenda, e Luis Gushiken, da Comunicação, o trio de talentos que vêm garantindo um mínimo de profissionalismo à equipe de Lula.)
Certo, mas não é bem assim -- ou, mais exatamente, não é nada assim. A diferença em relação ao passado, e no caso se trata de uma diferença e tanto, é a overdose de ganância com que o PT se atirou à ocupação dos cargos. É precisamente aí que está a alma do problema todo, pois esse exagero provocou pelo menos dois efeitos imediatos. O primeiro foi chamar atenção demais. Fica difícil, francamente, nomear para empregos públicos em Brasília as mulheres dos ministros da Fazenda, da Previdência e da Casa Civil, para ficar só num exemplo, e esperar que ninguém perceba. (Imagine-se, a título de mera curiosidade, o que o PT faria se Fernando Henrique nomeasse para um cargo desses a mulher do ministro Pedro Malan. Até hoje a gente ainda estaria ouvindo falar no assunto.) O segundo efeito da overdose foi turbinar, de maneira explosiva, a média geral de inépcia na máquina federal. Em circunstâncias normais ela já é alta. Entregando-se 70% dos postos-chave a gente desprovida de talento, experiência profissional e conhecimento técnico nas áreas que lhes foram entregues, o que sempre foi ruim ficou pior.
A conseqüência de transformar a administração pública do país num "aparelho" destinado a servir o PT é que o desastre gerencial do atual governo, inevitavelmente, começou a aparecer muito cedo. O episódio do Inca, de tão grosseiro, não pode ser empurrado para debaixo do tapete, da mesma forma como não foi possível esconder outros casos explícitos de gestão ruinosa no Ministério da Saúde. A completa entrega do Incra a militantes de esquerda, que dirigem 26 de suas 29 repartições regionais, fez explodir os casos de invasão de terras, envenenar as perspectivas do setor mais produtivo da economia e multiplicar os conflitos no campo sem gerar um único fato positivo. No BNDES, que deveria estar à frente do "espetáculo do crescimento", a briga pelos empregos e para decidir quem manda impede qualquer trabalho útil. O Ministério da Ciência e Tecnologia, do qual normalmente pouco se fala, virou um picadeiro de problemas, com a patente desqualificação técnica de seus novos gestores e a fabricação constante de confusões gratuitas. O "aparelhamento" atingiu a Petrobras, os Correios e outras empresas do governo. A chamada "área social", na avaliação do próprio Planalto, é uma lástima.
Estando as coisas desse jeito, o que realmente interessa para efeitos práticos, no momento, é saber como o governo estará funcionando daqui a seis meses ou um ano. Se Lula optar pela obtenção de resultados e trocar os piores do time atual por gente -- do PT ou não -- capaz de dar soluções concretas a problemas concretos, o que está acontecendo hoje deixará de ter importância. Se continuar insistindo em governar para os interesses do partido e de seus aliados, não haverá meio de chegar bem ao fim do mandato. As pistas existentes até agora ainda não permitem um prognóstico razoável. O presidente do Inca e a prima já foram para a rua, mas o ministro da Saúde continua lá. O presidente do Incra também foi demitido, mas para seu lugar veio uma cópia carbono. Há uma reforma ministerial no ar, mas não se sabe se ela vai ficar na mera troca de seis por meia dúzia ou se vai mostrar uma real determinação de mudar critérios. De certo, mesmo, há o fato de que, cada dia a mais que ministros como o da Saúde, da Ciência e Tecnologia e outros tantos passam em seus cargos, mais tempo continuará a se perder.
Outra informação relevante, além e acima das mudanças na equipe, está na comparação entre o que se diz e o que acontece. O novo presidente do Incra, por exemplo, é contra a atual regra que dificulta a desapropriação de terras invadidas. O que importa, porém, é ver se a regra permanece ou não. O PT sempre se colocou contra a liberação dos produtos transgênicos. Logo se verá o que vai acontecer com eles na vida real. No fim das contas, para essas e outras questões, fatos sempre vão valer mais que palavras. Cabe ao governo decidir quais serão os fatos -- é isso, e só isso, que vai determinar o resultado do jogo.