Economia

O que o 0,0001% tem a nos mostrar

Brazillionaires: Wealth, Power, Decadence, and Hope in an American Country Autor: Alex Cuadros. Editora: Spiegel & Grau. 368 páginas. ————————— Joel Pinheiro da Fonseca Quando falamos da sociedade brasileira, o mais normal é pensarmos nas classes baixas que amargam uma vida privada de oportunidades e condições básicas de educação, saneamento e saúde. Mas, se quisermos […]

EIKE BATISTA: símbolo maior da húbris que tomou conta do Brasil e produziu bilionários em diversas frentes / Reginaldo Teixeira

EIKE BATISTA: símbolo maior da húbris que tomou conta do Brasil e produziu bilionários em diversas frentes / Reginaldo Teixeira

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Da Redação

Publicado em 13 de agosto de 2016 às 08h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h18.

Brazillionaires: Wealth, Power, Decadence,
and Hope in an American Country
Autor: Alex Cuadros.
Editora: Spiegel & Grau. 368 páginas.

—————————

Joel Pinheiro da Fonseca

Quando falamos da sociedade brasileira, o mais normal é pensarmos nas classes baixas que amargam uma vida privada de oportunidades e condições básicas de educação, saneamento e saúde. Mas, se quisermos uma imagem perfeita da sociedade brasileira, da transição da húbris otimista que nos inspirou até quatro anos atrás e da verdadeira pane geral na qual caímos e da qual não sabemos sair, nossos bilionários — essa raça tão rara em um país tão desigual — podem ser um objeto ainda mais interessante.

Em Brazillionaires, o jornalista Alex Cuadros traça o perfil de diversos bilionários brasileiros, aproveitando cada um deles para descrever vários aspectos do Brasil e mesmo das pessoas das classes mais baixas. Seu foco central, contudo, e com bons motivos, é um ex-bilionário que simboliza o projeto de Brasil que muito prometeu e por fim naufragou: Eike Batista.

Os bilhões de Eike Batista foram, mais do que o resultado de uma criação de valor num mercado livre, o produto da política industrial dos anos Lula e Dilma. Prometendo o progresso econômico do Brasil por meio do crédito para consumo e para investimentos estratégicos em setores como o de petróleo, o governo brasileiro sob o PT elegeu campeões nacionais para capitanear nosso desenvolvimento. Eike e seu Império X foram o ápice dessa política. Juntamente com ele havia banqueiros como André Esteves. Antes de ser preso pelo envolvimento com o Petrolão, o banqueiro era visto como epígono de ética e talento, um exemplo a ser seguido. Curiosamente, em sua conversa com ele Cuadros identifica um discurso um tanto anticapitalista, ao contrário de seu mentor Jorge Paulo Lemann. Seria a suposta virtude moral do discurso crítico ao egoísmo de mercado uma máscara para um egoísmo ainda maior, que não tem escrúpulos em quebrar as regras? Está aí uma pergunta que poderia nos levar para outros aspectos da elite brasileira.

Diversos aspectos do Brasil podem ser explorados tendo como ponto de partida os nossos bilionários. Com Roberto Marinho, Cuadros explora o papel da grande mídia no Brasil e sua maneira de lidar com a questão da raça. Com Edir Macedo, trata da transformação religiosa do Brasil, onde a expansão dos evangélicos capturou grandes fatias da população antes católica, prometendo muitas vezes sucesso e prosperidade fáceis aqui neste mundo, mais ou menos como fez a política das últimas décadas.

O panorama que Cuadros revela é preocupante: por trás do colapso econômico que implodiu fortunas e projetos, como os de Eike, está um sistema econômico que consiste antes de tudo na simbiose entre poder político e poder econômico. É quase impossível chegar ao topo da pirâmide econômica e ali permanecer sem o auxílio do poder político; e quem tem dinheiro, via de regra, tenta comprar para si os privilégios que a política oferece.

Vivemos inegavelmente um capitalismo de laços, no qual impera não a criação de valor para consumidores, e sim o estabelecimento de relações escusas com o poder político. A esquerda brasileira abandonou suas pretensões mais revolucionárias e quis transformar o Brasil por meio do sucesso empresarial e da geração de riqueza comandada e controlada pelo Estado. Por vias legais e ilegais, colocou toda a economia de mercado sob as asas do governo, viciando todo o sistema e produzindo riquezas artificiais, construídas sobre o nada. Ao invés de algoz dos ricos, Lula se revelou seu melhor amigo. E mais: fez com que a riqueza dependesse dessa amizade. Quem pagou a conta do colapso, no final das contas, foi todo o Brasil que não havia sido convidado para essa mesa farta: o trabalhador negro e pobre que Thor Batista, filho de Eike, atropelou e matou no início da derrocada econômica.

Felizmente, alguns exemplos mostram que é possível ser diferente. É o caso de Jorge Paulo Lemann, que aparece como exemplo de empresário sério e comprometido com uma visão de país melhor, ainda que Cuadros não se deixe convencer plenamente. Dotado de um discurso liberal e capitalista, esse filho de suíços, cuja fortuna não foi destroçada pela crise, oferece o vislumbre de um modelo alternativo, no qual a construção de valor e a dedicação real — para além do afã midiático e do glamour do poder — ditam as regras e as remunerações.

Às vezes uma visão já enviesada ideologicamente faz com que Cuadros distorça um pouco sua narrativa. Honestamente impressionado pelo perfil e pelo exemplo de Jorge Paulo Lemann, ainda assim pergunta a ele qual produto ele teria criado. A premissa implícita é que, para que uma fortuna seja justificada, ela tem de advir da criação de produtos para a indústria ou para os consumidores. Fora disso, não é meritocrática. O fato é que inovações na gestão e na estruturação de empresas são tão essenciais para a criação de valor numa sociedade quanto a criação de um iPhone, mas a birra ideológica de Cuadros com a própria noção de meritocracia — bandeira que é partilhada por todos os nossos empresários bem-sucedidos — o impede de considerar esse ponto.

De maneira geral, o livro prende a leitura e traz o tempero extra de abrir uma janela para vidas que jamais partilharemos, bem como a trajetória e as reflexões do próprio Cuadros pelos extremos da pirâmide social brasileira. O foco em Eike Batista talvez seja um pouco excessivo, mas funciona como símbolo das disfuncionalidades de nossa economia e de nossa relação entre riqueza e poder. Que os próximos bilionários brasileiros possam nos legar histórias diferentes.

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