O cobertor curto de Castro no BNDES
Letícia Toledo Em seu último discurso para funcionários à frente do IBGE, na segunda-feira, o economista Paulo Rabello de Castro adotou um tom dramático ao falar da novo cargo. “Largo aquilo que mais prezo, onde mais estava feliz e satisfeito. Parto para o sacrifício, queiram o bem e rezem por mim”, disse. Ele estava falando, […]
Letícia Toledo
Publicado em 30 de maio de 2017 às 17h23.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h08.
Letícia Toledo
Em seu último discurso para funcionários à frente do IBGE, na segunda-feira, o economista Paulo Rabello de Castro adotou um tom dramático ao falar da novo cargo. “Largo aquilo que mais prezo, onde mais estava feliz e satisfeito. Parto para o sacrifício, queiram o bem e rezem por mim”, disse. Ele estava falando, claro, da presidência do BNDES, o banco de fomento do governo federal, para a qual foi indicado na sexta-feira 26.
Castro não está exatamente partindo em direção à Normandia na Segunda Guerra, mas tem mesmo uma missão difícil pela frente. Precisa conciliar as demandas de empresários que querem sempre mais com funcionários que desejam um presidente que os defenda das mais diversas acusações. Também precisa ajudar no crescimento econômico que o governo desesperadamente precisa sem incorrer no gigantismo do governo Dilma Rousseff.
Durante coletiva de imprensa na segunda-feira o novo presidente deu pistas de como deve ser sua gestão e levantou algumas sobrancelhas de desconfiança entre analistas. Ele afirmou que o Brasil precisa, neste momento, de “mais ação do BNDES”. “O BNDES é um banco que, embora público, é casado com a iniciativa privada de modo absolutamente visceral. Se o país está com carência de desenvolvimento, está com carência de mais ação por parte do BNDES”, disse.
O discurso vem ao encontro de uma das principais críticas de empresários à gestão de Maria Silvia Bastos Marques, que pediu demissão na última sexta-feira. Maria Silvia vinha sendo muito criticada pela demora na liberação de créditos. No ano passado, os desembolsos do BNDES caíram 35%, para 88,3 bilhões de reais. No primeiro trimestre deste ano, sofreram mais um recuo, de 17%. Parte da queda obviamente é explicada pela crise econômica, que também diminuiu a demanda por crédito do banco. Mesmo assim, empresários afirmam que, quando a necessidade de crédito estava na mesa, o banco vinha adotando uma postura dura demais na concessão.
“Não é uma questão de controle de qualidade: o que ela fez foi fechar totalmente a torneira. Não conseguíamos nem dialogar com ela. Agora esperamos que o novo presidente nos ouça, que aceite um diálogo”, diz Alcides Braga, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários.
O destravamento dos créditos é uma demanda não só da indústria como também dos funcionários do banco, acostumados às práticas da gestão de Luciano Coutinho, presidente entre 2007 e 2016. Eles também esperam que Castro adote uma postura mais firme em defesa do BNDES e seus funcionários em um momento em que as investigações da polícia federal envolvendo o banco têm avançado.
“A gente espera um presidente que defenda mais o banco, para que se estabeleça alguma racionalidade nas investigações. Chamar os funcionários do banco para depor é válido, mas qual a necessidade de conduzir coercitivamente?”, diz Arthur Koblitz, vice-presidente da associação de funcionários do BNDES.
Koblitz faz referência à Operação Bullish, deflagrada no último dia 12 e que levou 37 funcionários para depor de forma coercitiva. A falta de posicionamento de Maria Silva em prol dos funcionários teria sido um dos fatores que culminaram em seu pedido de demissão.
A nova política de juros do banco também foi motivo de forte crítica dos funcionários. Em março, o banco anunciou a substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP), no intuito de eliminar gradualmente o subsídio aos empréstimos, aplicando juros equivalentes aos praticados por outras instituições. Os funcionários afirmam que não foram consultados e nunca viram um estudo que embase a mudança.
Apesar das críticas internas, economistas consideram a mudança na política de juros positiva. Castro também defendeu as mudanças durante coletiva de imprensa na segunda-feira. “Eu acho que nós temos que começar a fazer o exercício do desapego a esse conceito de subsídio. Quer dizer, nós temos que fazer o Brasil convergir para a normalidade. O principal apoio que o BNDES pode dar ao mercado é a disponibilidade de recursos, não subsídio”, disse.
Diante dessa fala, também é possível imaginar que a participação do BNDES nos empréstimos com taxas subsidiadas continue seguindo a mesma linha adotada pela gestão de Maria Silvia. Sob sua gestão, o banco estipulou que sua participação nos empréstimos com taxas subsidiadas será de, no máximo, 80% do valor do projeto ou do bem a ser adquirido. Há gradações, dependendo do negócio — 80% é o teto para projetos considerados de bom retorno social ou ambiental.
“Os empresários estavam muito dependentes dos subsídios do BNDES e, ao mesmo tempo, o mercado de capitais não conseguia competir com os juros baixos do banco. As mudanças que Maria Silvia implementou fortalecem o mercado brasileiro e trazem a possibilidade de outros financiamentos competirem com o BNDES”, diz a economista Elena Landau, que foi diretora do BNDES no governo Fernando Henrique.
A economista também defende que o banco volte a financiar projetos com foco no longo prazo. “O papel do BNDES não é oferecer subsídio e nem financiar aquisições, como aconteceu com as campeãs nacionais. O que houve nos últimos anos foi um desvirtuamento do propósito do banco e o empresário brasileiro se acostumou com isso, mas o objetivo do banco nunca foi esse”, afirma Elena.
“Paulo Rabello é um economista muito respeitado no campo empresarial. E há a expectativas de ele tenha esse viés mais de empresário no sentido de saber que as coisas precisam sair mais rápido. Mas não imagino que a política estrutural vá mudar tanto. Diminuir o número de empréstimos e ser mais exigente foi uma diretriz do próprio governo. Isso deve continuar”, diz um empresário.
No comando do IBGE desde maio de 2016, Castro recebeu críticas de alguns analistas por mudar critérios das pesquisas para medir o desempenho dos setores de serviços e comércio. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, sua nomeação para o BNDES foi uma escolha pessoal do presidente e não contou com a simpatia do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que avalia como “fraco” o perfil do novo colega de equipe econômica. Castro é autor do livro O mito do governo grátis, sócio da RC Consultores e se notabilizou pela crítica à carga tributária.
Sua carreira contrasta bem com a de Maria Silvia, que é tida como uma das mais experientes executivas brasileiras. Além de ter sido a primeira mulher a comandar o BNDES, foi a primeira a presidir a siderúrgica CSN e já integrou o conselho da mineradora Vale e da Petrobras. Apesar das críticas, empresários, funcionários e economistas admitem que a executiva ficou com a complicada missão de fazer ajustes no banco diante da maior crise econômica da história do país. Agora, com a casa mais arrumada e a economia exibindo os primeiros sinais de retomada, fica mais fácil para Castro afrouxar os empréstimos.
O risco, ou a tentação, é soltar demais. A resposta começa a ser dada na quinta-feira, quando o novo presidente assume o comando do banco mais vigiado do país.