Homem com carrinho e homem com moto nas ruas de Shenzhen, na China: país caminha em direção a um "novo normal" (Brent Lewin/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 27 de agosto de 2015 às 14h40.
São Paulo - Não está sendo fácil para a China.
Tudo indica que o país deve crescer menos de 7% já em 2015, a pior taxa dos últimos 25 anos, perdendo para a Índia o posto de estrela dos BRICS.
O modelo de economia baseado em exportações e investimento definha, mas a alternativa de mais consumo interno nasce lentamente - e a transição é dura.
Os mercados estão respondendo com medo e queda do preço das commodities, o que prejudica países como o Brasil. Mas a situação está longe de ser uma catástrofe no nível de uma crise financeira - pelo menos por enquanto.
"Não há derretimento ainda. A performance dos mercados de ações tem pouca importância na economia chinesa, que está desacelerando gradualmente, mas dentro da expectativa. Em algum ponto, contração demais significa risco sistêmico para o setor financeiro, porque os bancos estão expostos em algum grau. Mas as estimativas variam sobre qual ponto é esse", dizem Philippa Jones, Charles Horne e David Kelly, diretores da consultoria China Policy.
Além do mais, a queda se segue a um boom espetacular (e claramente insustentável) do mercado de ações chinês desde o final do ano passado.
Há certamente pontos de fragilidade - como uma dívida de quase 3 vezes o tamanho do PIB. Mas o governo chinês tem cartucho para gastar - os US$ 3,6 trilhões em reservas, por exemplo. O problema é que ele nem sempre acerta o alvo.
Atitudes
Na primeira onda do crash, o governo chinês proibiu vários tipos de operações para controlar a volatilidade, gesto que saiu caro e aumentou a ansiedade.
"A China mostrou ao mundo que o mecanismo de mercado explode se você o tentar controlar demais", diz Arturo Bris, professor de Finanças da escola de negócios IMD.
Depois, a China desvalorizou o yuan para aumentar a competitividade (o que também tem seus riscos) e agora cortou novamente os juros, além de outras medidas para aumentar a liquidez, como permitir a entrada de fundos de pensão no mercado.
Para Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, não adiantava mesmo tentar conter a queda artificialmente, e o foco deve ser agora em duas frentes:
"Do lado da demanda, um relaxamento monetário e fiscal modesto. Do lado da oferta, precisam continuar apertando a regulação do sistema bancário e financeiro para evitar que o relaxamento cause excessos e desequilíbrios no sistema".
O risco maior é que as dificuldades momentâneas empoderem aqueles dentro da China que estão bloqueando reformas necessárias, mas que mexem com seus interesses.
Um sinal de que isso está acontecendo aparece em um editorial reproduzido recentemente em vários veículos da mídia estatal chinesa:
"A reforma profunda toca a questão básica de reconfigurar a força vital desta economia enorme e tem o objetivo de a tornar mais saudável (...) A escala da resistência é além do que pode ser imaginado".
Caminho sem volta
Para Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia, a liderança chinesa sabe que deve focar no médio e longo prazo e que retroceder não é uma opção:
"A opção não é entre aquilo que se sabia como modelo que dá certo e o desconhecido. É entre as reformas e o desconhecido. Não dá pra regressar mais: a China ficou muito diferente. Se não tiver reformas, aí sim você pode levar a própria economia real a um menor vigor".
Os analistas do China Policy concordam que a turbulência momentânea pode ser um preço necessário para ganhos futuros:
"Continuar com a agenda de reformas é mais importante do que qualquer tentativa de travar a desaceleração do mercado, e isso vai provavelmente induzir algum nível de turbulência na economia real e no setor financeiro".
O Brasil tem pouco espaço para se defender desta turbulência. Em um evento nesta quarta-feira em São Paulo, o ministro de Assuntos Estratégicos Roberto Mangabeira Unger comentou o problema:
"A China tem um problema diferente do nosso: eles tem que passar de um desenvolvimento conduzido pelas exportações para um mais baseado no aprofundamento do mercado interno. Mas esta reorientação exige redistribuição entre setores, entre classes e entre regiões. É muito difícil fazer isso sem democracia e sem debate nacional".