Economia

As muralhas no acesso à China

Exportadores brasileiros reclamam das dificuldades logísticas e do protecionismo no mercado mais acelerado do mundo

"A China é o único país que faz exigências de certificação sanitária totalmente desnecessária para artigos curtidos, configurando uma barreira não-tarifária", diz Luiz Bittencourt, presidente do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) (--- [])

"A China é o único país que faz exigências de certificação sanitária totalmente desnecessária para artigos curtidos, configurando uma barreira não-tarifária", diz Luiz Bittencourt, presidente do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) (--- [])

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

A consolidação da China como principal parceiro comercial do Brasil, à frente dos Estados Unidos, representa ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade. Dono da terceira maior economia do mundo, o país asiático, mesmo diante da crise econômica que abalou os norte-americanos e europeus, mantém forte crescimento, melhoria da renda e de sua distribuição e acelerada urbanização - fatores que saltam aos olhos de qualquer negociante.

Para os exportadores brasileiros, porém, o gigante asiático tem se mostrado um parceiro arisco. Na soma de fatores que dificultam as vendas para a China, pesam a manutenção do sistema de triangulação de importações via Hong Kong e o excessivo protecionismo à produção doméstica. Os empresários também apontam o descompasso entre o discurso diplomático e os interesses comerciais brasileiros, além de diferenças no perfil de consumo.

Apesar da abertura econômica, o grosso das exportações para a China continental continua a ter como porta de entrada o entreposto de Hong Kong. O sistema incomoda uma vez que reduz os preços médios pagos pelos produtos exportados e limita a inserção das mercadorias no território chinês como um todo.

O protecionismo, por sua vez, fica evidente no estabelecimento de barreiras apontadas como esdrúxulas pelos exportadores. "A China é o único país que faz exigências de certificação sanitária totalmente desnecessária para artigos curtidos, configurando uma barreira não-tarifária", diz o presidente do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), Luiz Bittencourt. Principal polo da produção de couros acabados e de manufaturados de couro, com uma participação no mercado mundial estimada ao redor de 60%, a China representa 50% do universo exportador do produto do Brasil.

Segundo o diretor-presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), Christian Lohbauer, embora a China tenha sido eleita como parceira estratégica do Brasil até agora não foi feito por parte do governo um esforço eficaz para conectar isso à agenda econômica. "Não foram adotadas ações efetivas para a abertura de mercado, transferência de tecnologia e diversificação da pauta de exportações".

Pauta atual

Enquanto o Brasil exporta commodities -- o grosso dos embarques está concentrado em minério de ferro e soja em grão --, os chineses mandam para cá uma diversificada gama de produtos manufaturados que vai de sapatos a eletroeletrônicos.

Nos últimos dez anos, os embarques nacionais para a China cresceram mais de 18 vezes (ou 1.700%) de 904 milhões e 900 mil dólares em 1998 para 16 bilhões e 403 milhões de dólares em 2008. No primeiro semestre de 2009, auge da desaceleração mundial, as vendas para o gigante asiático avançaram 41,13% e alcançaram 10 bilhões e 454 milhões de dólares contra 7 bilhões e 407 milhões de dólares, segundo dados da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

Apesar do avanço em participação, o Brasil ainda está fora da lista dos principais exportadores para o gigante asiático composta por Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Estados Unidos. Além disso, em 2008, os produtos primários responderam por 77,33% do total exportado, contra 10,64% dos manufaturados. Há cinco anos, em 2003, a pauta era composta por 49,81% de produtos primários contra 32,52% de manufaturados. Com isso, o avanço em receita das importações de produtos chineses pelo Brasil superou o das exportações, nos últimos dez anos. Em 1998, as importações somaram 1 bilhão de dólares contra 20 bilhões de dólares em 2008. (Continua)


A cadeia do couro ilustra bem esse dilema. Os calçados chineses têm incomodado cada vez mais a produção nacional. Além de matéria-prima, recai sobre o segmento o ônus de exportar mão-de-obra para o país asiático. No entanto, segundo dados do segmento, mais de dois terços dos couros exportados para a China são destinados para produção de móveis e de estofados automotivos. "A cadeia produtiva do couro e seus manufaturados está empenhada em programas para diminuir, cada vez mais, a exportação de produtos considerados commodities, substituindo-os por produtos acabados e manufaturados, diminuindo o êxodo da mão-de-obra especializada e a importação de manufaturados de couro", afirma Bittencourt.

As exportações de couro do Brasil para a China responderam em 2008 por 46,6% do total. No primeiro semestre deste ano o percentual, em valor, caiu para 35,8%, devido a maior participação de couro wet blue, de menor preço. De janeiro a junho de 2009, os embarques somaram 487 milhões e 800 mil dólares contra pouco mais de 1 bilhão de dólares em igual período do ano passado.
 

Frango e suco

Os embarques de frangos e suco de laranja, embora incipientes, representam vitórias importantes para o Brasil no sentido de diversificação da atual pauta de comércio exterior que mantém com a China. Após várias tratativas - em novembro de 2004, o Brasil fechou os primeiros acordos para exportações de carnes bovina in natura e de frango para a China continental -, só em dezembro de 2008 foi dado o sinal verde para os embarques do produto. No entanto, as primeiras licenças só foram liberadas este ano durante visita do presidente Lula ao país.

Atualmente, 24 estabelecimentos estão credenciados a exportar frango congelado e alguns cortes (asa, pé, coxa e sobrecoxa) para a China. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef), entre as empresas que já embarcaram seus produtos para o destino estão Perdigão e Doux Frangosul.

Em virtude da constituição da Brazil Foods, Perdigão e Sadia estão em período de silêncio. No entanto, muito antes da fusão, ambas nunca fizeram segredo que a China estava entre os mercados prioritários que compõem seus respectivos projetos de internacionalização. A Sadia inclusive chegou a inaugurar uma churrascaria no país asiático, em sociedade com a Sky Dragon Develop Company Ltd, em julho de 1994. O empreendimento foi fechado em dezembro de 2006 para dar lugar à ampliação da avenida principal de Beijing.

"A abertura do mercado chinês ao frango brasileiro foi um duro processo de idas e vindas. Houve vários retrocessos e os entraves nunca estavam relacionados a critérios sanitários ou justificativas usualmente envolvidos em negociações desse tipo", afirma o presidente da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef), Francisco Turra. O entrave principal nesse caso está na proteção ao mercado local uma vez que o Brasil é hoje o maior exportador mundial de frango, o que o torna bastante competitivo.

O fator determinante para a abertura das portas do frango brasileiro para a China continental teve relação com desentendimentos entre o país e os Estados Unidos, até então o maior fornecedor para o destino. Embora os chineses ocupem a vice-liderança em produção mundial, o déficit na oferta do produto está estimado de 700 mil a 1 milhão de toneladas/ano. Os exportadores avaliam que, embora os exportadores de frango brasileiros tenham conseguido colocar um pé na China continental, estão longe de ter pisado em terra firme.

No caso do suco de laranja, o que esvazia as possibilidades de embarques mais volumosos é o hábito de consumo local. "Os chineses preferem bebidas menos concentradas, o chamado néctar. Além disso, eles são fortes produtores da fruta o que estimula o consumo in natura", afirma o diretor-presidente da CitrusBR, Christian Lohbauer. Atualmente, a entidade já desenvolve um trabalho para popularizar o consumo do produto, mas há ainda outra barreira: o preço. O preço da tonelada de suco exportado varia de 700 a 2 mil dólares. Hoje, a China representa um mercado de 50 mil toneladas/ano para os embarques de suco cujas exportações somam 1 milhão e 200 mil toneladas/ano. (Continua)


Mercado promissor

Apesar de todos esses percalços, o fato é que ninguém quer dar as costas para o dragão chinês que responde por 8% do comércio internacional. Em um ano de crise, o Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu 7,9% no segundo trimestre de 2009 em relação a igual período de 2008 e superou a expectativa do mercado que apostava em um avanço de 7,5%.

Embora reconheça a necessidade de diversificação da pauta, o presidente da Apex, Alessandro Teixeira, avalia que o risco não está em exportar commodities, mas ficar de fora desse mercado. "A China é o futuro da exportação de alimentos e proteína animal. A migração da população rural para as cidades amplia o déficit local de oferta desse tipo de produto, o que é, sem dúvida uma grande oportunidade", afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Roberto Gianetti da Fonseca.

Segundo dados da Apex, estimativas apontam que o percentual de chineses que vive em núcleos urbanos passará de 40%, em 2005, para 49,2% em 2015. Isso significa que as cidades ganharão 152 milhões de novos habitantes em apenas uma década.

Além do avanço da urbanização, as famílias chinesas passaram por um processo de aumento de renda nos últimos cinco anos. Entre 2003 e 2008, o percentual de famílias chinesas que recebe de 2 mil e 500 quinhentos dólares a 10 mil dólares dobrou e hoje corrsponde a quase 54% do total.

Novas oportunidades

O plano do governo chinês para minimizar os efeitos da crise e manter o crescimento de 585 bilhões de dólares, aprovado em março, abre oportunidades. Além de incremento das importações de produtos ligados à construção civil -- aço, ferro e cobre -- que já fazem parte da lista de exportações brasileiras para a China, cimento, pedras de revestimento, calçados, moda de alto padrão, armas e munições também prometem chances de novos negócios.

Entre as estratégias da Apex para ampliar e diversificar a pauta de exportações para a China estão: seminários entre empresários dos dois países (desde 2008 foram realizados 53 em 33 províncias), a participação brasileira na Expo Xangai e a inauguração de um escritório próprio na cidade chinesa. "Será uma oportunidade ímpar de expor produtos de maior valor agregado do Brasil", disse Teixeira, citando o biodiesel como uma das marcas brasileiras a serem apresentadas durante a Expo Xangai.

No caso de combustíveis, este ano, a Petrobras assinou dois contratos de venda de petróleo com a Unipec Asia Co. Ltd., subsidiária da China Petrochemical Corporation -- Sinopec. Inicialmente foi acordado o fornecimento de 60 mil a 100 mil barris de petróleo por dia. Posteriormente, ficou estabelecido um novo contrato de longo prazo de exportação que prevê volumes de venda de 150 mil barris de petróleo por dia para o primeiro ano e de 200 mil barris de petróleo por dia nos nove anos subsequentes. Cabe destacar que no segundo contrato, não há obrigatoriedade de compra pela Unipec e que os preços serão negociados de acordo com os valores praticados no mercado a cada venda. Também foi assinado um memorando de entendimento com a PetroChina -- CNPC para promover a exportação de petróleo, com potencial de 40 mil a 60 mil barris de petróleo por dia.

Oportunidades novas à parte, o caminho para a China pode estar cada vez mais próximo dos exportadores brasileiros. Ser bem-sucedido nesse tipo de empreitada envolve atitudes simples como uma seleção criteriosa na escolha do tradutor que irá acompanhar as negociações e paciência, uma vez que faz parte da cultura chinesa prorrogar negociações. Mas, o grande segredo pode estar na estratégia adotada há milênios pelos próprios negociantes chineses: condicionar a importação de algum item à exportação de outro. Caso aprenda a lição, o Brasil se fortalece para brigar de igual para igual com o dragão chinês. Caso contrário, corre o risco de ser reduzido a um ouroboro, o dragão que morde a própria cauda.

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