Economia

Miopia urbana

Por que falta lógica ao novo Plano Diretor

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h54.

Era enorme, há um ano, a expectativa em torno da nova gestão na metrópole paulistana. Um código de obras super-restritivo, que leva à corrupção ou à clandestinidade, aliado a uma anacrônica lei de zoneamento transformaram São Paulo num mar de pobreza com algumas ilhas de riqueza. A esperança estava depositada num novo Plano Diretor, cuja proposta foi apresentada recentemente. Esse potente instrumento de planejamento público permite transformar, criar, restringir, orientar o uso e a ocupação da cidade, além de colaborar com o crescimento socioeconômico.

Mas confesso minha decepção com o que foi divulgado até agora. Na proposta do novo Plano Diretor, o coeficiente básico de construção passa a ser de uma vez a área do lote (hoje varia de 1 a 4), com possibilidade de atingir 2,5. Cabem algumas observações:

Coeficiente 1 é regime para cidades de países ricos. Motivo: quanto menos adensada a área, maior o custo para levar a infra-estrutura, em decorrência da distância.

Mantida a proposta, o valor da terra diminuiria para seu proprietário, mas não o custo da habitação para o consumidor. Pelo projeto, o construtor do imóvel pagaria uma sobretaxa à prefeitura quando quisesse se utilizar de coeficiente superior a 1.

O Plano omite ou vai contra a lógica da economia. Propõe estimular o desenvolvimento dos centros de bairros por meio de aglomerados de comércio, serviços e lazer. É preciso lembrar aos planejadores que isso só se obtém com um mínimo de condições. Não espere por padarias, açougues e cinemas antes da implantação de posto de saúde e serviços públicos como segurança e transporte. Mercado e bem-estar, ao contrário de impostos e taxas, não são criados por decreto. O Plano pretende também atrair para São Paulo indústrias com tecnologia de ponta. Ora, essas indústrias com produtos de alto valor agregado já estão instaladas em pólos que oferecem maiores benefícios, como Manaus e a região de Campinas, no interior paulista. Além disso, outros municípios cortados pelo Rodoanel apresentam mais vantagens competitivas. A taxa do ISS em São Paulo (5%) é de cinco a dez vezes superior à de Barueri ou Cotia -- apenas para citar dois municípios da Grande São Paulo. Essa discrepância decorre da não-implantação de uma reforma tributária. É assim que São Paulo perde arrecadação.

Todo plano para a cidade deveria contemplar ao menos dois pontos. Primeiro: a população apresenta tendência de estabilização. Segundo: a participação do emprego industrial cai velozmente, enquanto cresce o de serviços. São duas variáveis que se entrelaçam. Nas áreas mais centrais, também as mais ricas, a população diminui, a habitação se verticaliza e surgem prédios utilizados para escritórios, flats e consultórios. Quanto mais periférica a área, menor é a renda e maiores a população e a carência de serviços (públicos ou privados) e de empregos.

Entre essas duas regiões, desponta uma enorme ferradura industrial (veja quadro). Fruto de um zoneamento que jamais foi alterado, ela está enferrujada e abandonada. Dotada de boa infra-estrutura (transporte, saneamento, telecomunicações), essa antiga área industrial poderia abrigar novos bairros, prédios, escolas técnicas, universidades, parques e outros grandes equipamentos, como um megacentro de convenções de que São Paulo e o Brasil precisam. Mecanismos existem. O Plano Diretor até se refere à possibilidade de 11 operações urbanas. Melhor seria, porém, se contivesse, em vez de medidas pontuais, uma visão abrangente e estruturada social e economicamente de recuperação da cidade.

Tadeu Masano, doutor em planejamento urbano pela FAU-USP, é professor na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e presidente da consultoria Geografia de Mercado

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