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Macaé

A nova rica do petróleo

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h00.

Atenção, passageiros do vôo 84054, com destino a PCH-I e a PCH-II. Compareçam à sala de embarque." A frase que sai dos alto-falantes não é obra de nenhum filme de ficção que retrata o embarque de viajantes intergalácticos rumo a pontos remotos do universo. As chamadas vão se sucedendo. Agora, os vôos se destinam a PGP-I e a PVM-II. Por fim, são convocados os passageiros rumo à P-33. Num primeiro momento, quem chega de fora estranha as denominações alfanuméricas repetidas pelo sistema de som do pequeno e agitado aeroporto de Macaé, cidade de 140 000 habitantes no litoral norte do Rio de Janeiro, há 25 anos o maior centro de operações da Petrobras no país.

Outra cena inusitada já chamara a atenção do visitante pouco antes. Ao desembarcar de um turboélice da Ocean Air -- linha regional que liga a cidade ao Rio de Janeiro e a São Paulo --, ele deparou na pista com uma movimentação de helicópteros digna de um filme sobre a Guerra do Vietnã. Tratando-se de um aeroporto de instalações acanhadas como o de Macaé, o vaivém de aeronaves e passageiros é, de fato, surpreendente. Só os helicópteros contratados pela Petrobras transportam quase 41 000 passageiros por mês. Pelo aeroporto de Macaé -- em obras, para permitir o pouso de aviões de maior porte, inclusive cargueiros internacionais -- passa também boa parte das 20 000 pessoas que, a cada mês, chegam à cidade e saem dela.

No saguão, um grupo de trabalhadores amontoa-se nos minúsculos balcões de atendimento das empresas aéreas que prestam serviços na região. Ali estão Líder, BSH, Aeroleo, Atlas e Emar, entre outras. São delas os helicópteros que transportam geólogos, engenheiros, mergulhadores, psicólogos, mecânicos, soldadores, camareiros e cozinheiros que, contratados pela Petrobras ou por suas contratadas, se revezam entre o descanso em Macaé e o trabalho duro em alto-mar. O principal destino é o extraordinário paliteiro formado por 30 plataformas da Pet robras fincadas nas águas profundas e azuis da bacia de Campos. É nessa região, a 120 quilômetros da costa, de onde saem 82% do petróleo e 45% do gás produzidos no país, que se localizam aqueles destinos de nomes esquisitos do início desta reportagem -- as plataformas dos campos de Cherne (PCH-I e II), Garoupa (PGP-l) e Vermelho (PVM-I e II).

Previsivelmente, o impacto de toda essa movimentação tem sido brutal sobre Macaé. Até a chegada da Petrobras, em 1977, não passava de uma cidade pacata, que vivia da pesca no litoral e do cultivo da cana-de-açúcar nas encostas da região serrana. Desde então, a população dobrou de tamanho. O PIB municipal, de 1 bilhão de reais em 1999 -- o último dado disponível --, cresceu 600% desde 1995. A partir de 1977, instalaram-se em Macaé 5 000 empresas atraídas pelas oportunidades de uma indústria em crescimento. Entre elas, gigantes internacionais da área de exploração e produção, como a Halliburton, a Schlumberger e a Transocean. Mais recentemente, instalaram-se ali o McDonalds, a Vésper, a livraria Nobel e o supermercado Sendas. A hotelaria internacional também descobriu Macaé. Entre os cinco hotéis e apart-hotéis em construção, há um Sheraton quatro-estrelas, um Íbis e um Comfort Suites.

Na cidade, a taxa de criação de novos postos de trabalho, de 15,31%, é quase cinco vezes superior à média brasileira. São 56 000 empregos formais, o que significa que 40,7% da população exerce uma atividade com carteira assinada, número expressivo mesmo se comparado ao de regiões dinâmicas do Brasil, como Joinville, em Santa Catarina, com 23,6%; Ribeirão Preto, em São Paulo, com 22,5%; e Londrina, no Paraná, com 20,8%.

Enquanto o Brasil se esfalfa para fechar o ano com crescimento em torno de 1%, a economia de Macaé desliza acelerada a um ritmo de 14%. Parte fundamental desse empuxo se deve à quebra do monopólio do petróleo detido pela Petrobras até 1996. A partir da abertura do setor, as grandes empresas operadoras de petróleo no mundo voltaram os olhos para a bacia de Campos. Caso de grandes conglomerados, como British Petroleum, Shell, Total/Elf, Pan Canadian, Agip Repsol, Chevron Texaco e Ameralda Hess. Até o momento, com exceção da Shell, que descobriu óleo num bloco próximo da costa do Espírito Santo, nenhuma delas anunciou grandes descobertas. Todas, porém, ajudaram a esquentar a demanda por serviços especializados em sísmica, perfuração, transportes, desembaraço aduaneiro, hotelaria, entre outros. "Muitos imaginavam que, com a vinda delas, o Rio de Janeiro se converteria numa espécie de centro nervoso do petróleo", diz Jorge Siqueira, um ex-funcionário da Petrobras hoje no cargo de secretário da Indústria e Comércio da prefeitura de Macaé. "Erraram feio. É aqui que tudo acontece." De 1997 a 2001, exatas 2 566 novas empresas instalaram-se em Macaé.

O motivo de toda essa movimentação? Uma economia regada a altas doses de investimento e a confiança de que as oportunidades à frente serão ainda maiores. Com 7 000 funcionários, a unidade da Petrobras em Macaé absorve 80% de todos os investimentos destinados pela estatal às atividades de exploração e produção de petróleo no país. "Brincamos aqui que, como a Petrobras é a maior empresa do Brasil, a nossa unidade de negócios deve ser a segunda", diz Arisio Stanzani França, gerente de suporte operacional da bacia de Campos, em Macaé.

França mostra alguns gráficos coloridos em seu laptop e faz uma projeção bombástica. A seu ver, por mais espetacular que tenha sido até agora a expansão dos negócios em Macaé, nada poderá se comparar à explosão que está por vir. "Levamos 25 anos para produzir 1,3 milhão de barris de petróleo por dia", afirma. "Em apenas quatro anos, iremos praticamente dobrar essa marca, atingindo 2,2 milhões de barris diários." Segundo o planejamento estratégico da companhia, para alcançar, até 2007, a meta da auto-suficiência na produção de petróleo, a estatal vai investir 17 bilhões de dólares na bacia de Campos. A partir de agora, a ordem na Petrobras é fazer a produção crescer 8% ao ano. Nesse meio tempo, acredita-se que esses investimentos poderão gerar cerca de 141 000 empregos.

Dobrar a capacidade de produção significa também multiplicar por 2 as operações da empresa em Macaé. De um lado, trata-se de um excelente estímulo para todo tipo de negócio que, direta ou indiretamente, vem prosperando no vácuo da indústria de petróleo. A busca da auto-suficiência deve injetar um grande volume de recursos em indústrias de equipamento, fornecedores de sondas de perfuração, serviços de rebocadores e construtoras em geral -- de galpões industriais e residências a prédios comerciais. A própria Petrobras tem planos de construir uma sede moderna para abrigar seus escritórios em Macaé, hoje espalhados num conjunto de pequenos prédios.

Outro ramo que deve pegar carona no embalo da Petrobras é o das empresas que prestam serviços de hotelaria flutuante. Uma plataforma em produção tem lotação média de 200 pessoas por dia. É gente que precisa comer, be ber e dormir. Em Macaé, existem cerca de 20 empresas que se dedicam à tarefa de facilitar a vida de quem passa 14 dias seguidos trabalhando em alto-mar. Encarregam-se do serviço completo de hotelaria a bordo: alimentação, cama arrumada, ambientes limpos e entretenimento. A América, adquirida há três anos pelo grupo português Catermar, cuida do abastecimento de 12 plataformas da Petrobras, com um total de 1 500 pessoas a bordo. O preço de cada diária varia de 35 a 50 reais. "Esse é um negócio muito trabalhoso e de margens reduzidas", diz José Pedro Cabral, diretor da Catermar. "Para preparar esse volume de refeições, precisamos de 450 funcionários."

De olho na meta da auto-suficiência, a Petrobras já começou a agir. Uma das providências foi mapear empresas de bens e serviços para integrar seu seleto grupo de fornecedores. Até 2007, destinará cerca de 5,6 bilhões de dólares para compras necessárias à operação na bacia de Campos. Só entra no clube quem garantir padrão de excelência. Não só do serviço prestado mas também de atitude responsável diante de seus funcionários. Pelo contrato, as empresas obrigam-se a certificar a qualificação de sua força de trabalho. "Queremos gerar emprego de qualidade", diz França. "Quem está embarcado precisa de sossego."

O gaúcho Milton dos Santos, ex-plantador de fumo para a Souza Cruz, de 55 anos, segue à risca as novas regras da estatal. Fundador da Prosenge, empresa especializada na construção e na montagem de equipamentos, ele foi o primeiro a se matricular num curso de aceleração de ensino que a empresa passou a oferecer a 65 de seus 230 funcionários. Santos, que chegou a Macaé em 1997, espera concluir o ensino fundamental até o fim do próximo ano. A falta de estudos não o impediu de criar um negócio que fatura 17 milhões de reais com serviços prestados a empresas como Petrobras, Halliburton e Transocean. Nos próximos dois anos, deve investir 9 milhões de dólares na compra de equipamentos e na conclusão de uma nova base, de 9 000 metros quadrados de área construída, no distrito industrial de Novo Cavaleiros. "Não preciso mais de um diploma, mas desejo reforçar em meus funcionários a certeza de que, sem capacitação, nunca terão um emprego de qualidade", diz.

Isso é sobretudo verdadeiro em Macaé, onde a exploração de petróleo, agora em águas superprofundas -- com lâmina dágua superior a 3 000 metros --, sempre trabalhou na vanguarda da tecnologia. Tome-se o exemplo da Cooper Cameron, fabricante de equipamentos de perfuração, com sede em Houston, no Texas. Empresas como ela precisam obedecer a normas técnicas rígidas. Há três anos em Macaé, onde investiu 7 milhões de dólares, a Cameron contratou boa parte de seus 98 funcionários fora. Cerca de 30% dos operadores de máquinas possuem nível superior.

Na Halliburton, outra empresa de Houston instalada em Macaé, metade dos funcionários é formada por engenheiros. O nível educacional mínimo para ingresso na companhia é o ensino médio. Além disso, cada funcionário passa por programa de treinamento contínuo de pelo menos 200 horas anuais. A empresa ainda repassa a seus terceirizados todas as exigências que recebe da Petrobras nos contratos de prestação de serviços. "Há empregos na indústria", diz Reinaldo César Rezende, gerente de desenvolvimento de negócios da Halliburton. "Mas só para quem tem qualificação." Não é por outra razão o crescente número de instituições de ensino abertas em Macaé. São quatro faculdades, duas universidades, uma escola técnica federal -- o Cefet -- e o Laboratório de Engenharia e Exploração de Petróleo (Lenep), da Universidade Estadual do Norte Fluminense, o único na América Latina.

Macaé está preparada para administrar esse período de crescimento acelerado? O que significa para uma cidade ainda hoje carente de boa infra-estrutura urbana receber investimentos equivalentes a uma segunda Petrobras? "Também a cidade terá de se antecipar à explosão", diz França. "Não há nenhum exagero nisso. A curva do crescimento é assustadora." Os investimentos aplicados pela prefeitura local com base nos royalties do petróleo -- 194 milhões de reais só no ano passado -- estão mudando as feições da cidade. Mas muito mais terá de ser feito para torná-la mais eficiente do ponto de vista do investidor.

Os forasteiros que trabalham em Macaé -- cerca de 10% da população é constituída de estrangeiros -- reclamam da falta de bons hotéis, das pouquíssimas opções de lazer e da acanhada oferta de moradias, o que torna os aluguéis e o preço dos imóveis demasiadamente salgados. Uma casa de três quartos num terreno de 400 metros quadrados na praia de Cavaleiros -- faixa da orla reurbanizada com jardins e calçadão --, a Ipanema de Macaé, não sai por menos de 500 000 reais. O americano Ted Broadhead, gerente de aftermarket da Cooper Cameron, é um dos expatriados que, nos fins de semana, pega o carro e a família para dar suas tacadas no campo de golfe da vizinha Búzios. Quando fica na cidade, reúne-se com os amigos para comer churrasco ou tomar cerveja no Peters, um dos dois pubs da cidade.

Na praia do Pecado, um imenso cartaz anuncia a venda do primeiro apart-hotel de luxo da cidade, o San Diego Flat Services, empreendimento de 18 milhões de reais da Arco, tradicional construtora de Belo Horizonte. "Só existe um investimento com maior liquidez na cidade: o petróleo", diz o anúncio. Por muitos anos à frente, o produto extraído dos poços da bacia de Campos continuará a ser a principal referência econômica de Macaé. E quando as reservas se esgotarem? Está aí uma pergunta para a qual os macaenses têm uma resposta na ponta da língua. Quando esse dia chegar, dizem eles, esperam que a cidade já tenha sido capaz de transformar essa riqueza finita em benefícios perenes para seus moradores.

A BELEZA DOS ROYALTIES

Graças às receitas do petróleo, Macaé virou um canteiro de obras. Entre as novidades dos últimos três anos estão um novo distrito industrial, largas avenidas com canteiros centrais ajardinados, rede de esgoto e estações de tratamento -- em construção para atender 90% da população --, um hospital moderno e até o segundo maior centro de convenções do estado do Rio de Janeiro. Além de urbanizar parte da orla marítima, a prefeitura da cidade calçou ruas, asfaltou 76 quilômetros de estradas vicinais e implantou 90 quilômetros de rede de águas pluviais. Na região central, a avenida Rui Barbosa está em obras para se transformar num shopping center a céu aberto, semelhante à rua 24 horas de Curitiba. Da capital paranaense veio também a inspiração para o sistema integrado de transportes públicos, com bilhetes eletrônicos e terminais de ônibus feitos sob medida para facilitar o embarque. O projeto é uma das promessas para o próximo ano, junto com a construção de um ginásio poliesportivo, a conclusão de um anel viário e a implantação de um pólo universitário. Em seu terceiro mandato, o prefeito Sylvio Lopes, do PSDB, manifesta sua preocupação com o dia em que o petróleo acabar. "Precisamos usar os royalties para garantir nosso futuro", diz. A idéia de Lopes é que todos os sete municípios vizinhos do norte fluminense beneficiados pelos royalties se reúnam para discutir um plano de desenvolvimento regional. A seu ver, além de grande potencial turístico -- com praias e ilhas no litoral e cachoeiras e corredeiras na região serrana, Macaé tem outro trunfo. "Ela tem tudo para se tornar um pólo de excelência tecnológica na área de petróleo", afirma Lopes.

MACAÉ EM NÚMEROS
Área geográfica: 1 215 km2
População: 140 000 habitantes
Potencial de consumo per capita*: 2 420 dólares
Expectativa de vida: 67,6 anos
Mortalidade infantil: 23,5 por 1 000 nascimentos
IDH: 0,790 (é o 792º do Brasil)
Lei de Responsabilidade Fiscal: o município compromete 29,6% de
suas receitas com a folha do funcionalismo
Principais atividades: extração de petróleo o município é o centro de
operações da bacia de Campos, de onde saem 80% do petróleo e 45%
do gás natural produzido no país)
*Em 2002
Fontes: IBGE/Atlas do Desenvolvimento Humano/Prefeitura de Macaé/Simonsen
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