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Leia a íntegra da entrevista com o ministro do Trabalho

Luiz Marinho diz que como sindicalista defendia sonho dos trabalhadores, mas no governo trabalha com o possível

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h32.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, acaba de sair vitorioso da batalha para conceder um reajuste de salário mínimo inferior ao pretendido pelas centrais sindicais. Considerando sua trajetória política, o episódio teve uma grande dose de ironia. Até pouco tempo atrás, no papel de presidente da CUT, o mesmo Luiz Marinho pressionava o governo para dobrar o valor do mínimo.

Portal EXAME - O senhor sente algum constrangimento por ter brigado pelo mínimo de 350 reais?
Luiz Marinho - Não tive nenhuma crise de identidade. Como sindicalista, em 2003, até eu achava que dobrar o valor do mínimo era uma coisa um pouco salgada. Mas, no papel de sindicalista, você sempre pede um pouco mais alto para construir uma negociação. Foi o que as centrais sindicais fizeram agora, durante a discussão do novo valor do mínimo. Queriam 400 reais, acabamos fechando o acordo em 350 reais. O presidente sempre tem dito que não iremos cometer nenhuma irresponsabilidade. Não adianta concedermos um aumento fictício que vai gerar um baita problema para a economia logo na frente e o prejuízo será maior para os trabalhadores

EXAME - É sempre assim: pede-se alto para depois conversar? Não dá para conduzir de outra forma uma negociação dessas?
Marinho - Evidente que se deseja conquistar os 400 reais. Uma entidade sindical tem de defender o sonho dos trabalhadores. Vamos supor que na campanha do mínimo as centrais reivindicassem um aumento de 10% e o governo dissesse que havia espaço para chegar a 350 reais. Ficaria ruim para os sindicalistas, né? Evidentemente que a tendência é a reivindicação estar acima da realidade real para construir uma negociação.

EXAME - O sindicalista da CUT Luiz Marinho teria aprovado o acordo recente proposto pelo ministro Luiz Marinho?
Marinho -
Eu teria trabalhado para chegar a um acordo que valorizasse o salário mínimo. Um ajuste de 300 para 350 reais representa 13% de aumento real. É o que é possível.

EXAME - É uma visão diferente daquele que o senhor tinha em dezembro de 2004, quando mesmo depois da negociação com o governo, chegou a anunciar que tentaria mudar no Congresso o aumento anunciado de 300 reais.
Marinho -
Para chegar aos 300 reais foi um processo de negociação e cheguei a dizer que foi uma conquista da marcha do salário mínimo que promovemos na época. Se falei mais alguma coisa (de ir ao Congresso) foi no calor de posicionamento político do que no mundo real.

EXAME - E como o ministro Luiz Marinho vê o sindicalista Luiz Marinho?
Marinho - Eu tenho aqui a obrigação de buscar responder a expectativa que eu criei como sindicalista. Evidentemente respeitando a realidade do país e do orçamento. Assim como o presidente Lula. Ele tem consciência da expectativa que gerou ao chegar à presidência da República e a impossibilidade de atender essa expectativa em quatro anos.

EXAME - Considerando sua mudança de comportamento, dá para concluir que ser do governo é mais difícil do que atuar como sindicalista?
Marinho - Ser governo é mais difícil. No poder público você tem uma série de limitações, como o Orçamento. Temos programas que são muito bons, sendo aplicados no Brasil inteiro. Tem a máquina burocrática. No poder público, se você vai comprar um papel se não tomar cuidado pode ser desvio ou distorção. As centrais sindicais pediram mais alto no episódio do salário mínimo, mas o governo não pode fazer loucuras.

EXAME - Na campanha, o presidente Lula também falava em dobrar o valor do mínimo. Ele estava agindo como sindicalista?
Marinho - Na campanha você olha o que Brasil necessita, vai discutir e vamos trabalhar para chegar lá. Muitas vezes é uma meta que você quer alcançar e não consegue. Por isso tem de planejar. Acabou vingando a história de dobrar o valor do salário mínimo, pois tinha lá o Garotinho falando em 400 reais. Havia várias promessas de outros candidatos e Lula falava em dobrar o poder de compra, o que é uma coisa bem diferente. Não se falava em aumento nominal, pois ele podia não valer nada. Em 2003, antes do primeiro reajuste do mínimo concedido pelo presidente, um salário comprava 1,3 cesta básica. Agora vai comprar 2,2.

EXAME - A discussão sobre o mínimo parece que ainda não acabou. Agora, o PFL fala em defender no Congresso um mínimo de 375 reais. Qual sua opinião sobre essa proposta?
Marinho - É como as reivindicações das centrais sindicais: elas pedem, mas sabem que é impraticável atender. Se isso for aprovado, o dinheiro vai ter de ser tirado de algum lugar. Caso contrário, a conta não fecha. Há várias fontes de despesa que se tem de atender. Se os 350 reais representam uma satisfação para as centrais sindicais, se o impacto é para aqueles que ganham o salário mínimo, para que vai aumentar e desagradar outro eventual segmento, como as prefeituras, que já estão chiando com os 350 reais?

EXAME - Faz sentido ainda perder tanto tempo assim discutindo questões como esse aumento? O Brasil ainda precisa de um salário mínimo?
Marinho - Precisa. O mínimo funciona como um grande piso nacional das categorias não organizadas. Se deixássemos tudo por conta da livre negociação, essas categorias correriam o risco de ter seus rendimentos achatados, o que aumentaria ainda mais o fosso social que há no Brasil. A grande política salarial do país é o salário mínimo.

EXAME - A polêmica anual em torno do salário mínimo não faz mais mal do que bem ao país?
Marinho - Conseguimos nos últimos anos mudar um pouco. Todo ano era uma polêmica, que eu chamei de hipocrisia nacional, porque fazia-se de conta que se debatia o salário mínimo. Na verdade não tinha debate, pois o orçamento entrava em vigor em janeiro, com tudo definido e não tinha espaço para mais nada. As reivindicações das centrais sindicais e as pressões de parlamentares que pediam aumento eram uma grande farsa. É preciso fazer uma política de valorização do salário mínimo, que não deve ser meramente uma política de governo, mas uma política de Estado. E estamos buscando construir isso. O governo já tem uma política estabelecida de ganho real mínimo a cada ano. Outro governo vai manter essa política de valorização? Não se sabe. Por isso queremos manter uma política por um determinado período de tempo. Ou seja, institucionalizar.

EXAME - O salário mínimo é a principal bandeira da sua gestão?
Marinho -
Se eu conseguisse, no final da gestão, deixar estipulado uma política de Estado para o salário mínimo já estaria satisfeito. Mas outro tema que monitoramos com todo carinho é a questão do emprego e qualificação, dirigida especialmente para a juventude. A escolaridade faz parte do processo de qualificação, é uma necessidade, e o governo tem programas importantíssimos para combinar elevação escolar, com qualificação. Estamos trabalhando de forma integrada com o Ministério da Educação. O mercado de trabalho está cada vez mais competitivo. Estamos fazendo programas dirigidos para a demanda. Nesse momento em que a economia está em expansão, é preciso identificar quais as funções que demandam processos de qualificação.

EXAME - O senhor teme que o crescimento da China retire empregos do Brasil?
Marinho -
Evidentemente que nos preocupa, a China é um gigante. Mas o que tenho ouvido dos especialistas é que a China disputa aquele mercado de baixa tecnologia e se nos preparamos bem, podemos disputar empregos de alta tecnologia, de valor mais agregado. O Brasil precisa potencializar o seu crescimento do mercado interno, para se colocar melhor frente essa disputa global. Temos condições para isso, mas antes precisamos de distribuir nossa renda, que é muito desigual.

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