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Indústria naval já demitiu 14 mil neste ano

Tido como vitrine da política industrial do governo, o setor revive o cenário de crise da década de 80

Com o fluxo de caixa comprometido, muitos estaleiros ficaram sem recursos para tocar as operações (C.A.Müller/ Wikimedia Commons)
DR

Da Redação

Publicado em 25 de julho de 2015 às 10h35.

Rio de Janeiro - O ex-supervisor de solda do estaleiro Rio Nave, no Caju (região central do Rio de Janeiro ), Edno dos Santos, completaria 40 anos de trabalho na indústria naval em 2015. A crise que atinge o setor, no entanto, fez com que Santos interrompesse as suas atividades antes do planejado.

Como ele, outros 14 mil funcionários foram demitidos dessa indústria somente neste ano, de acordo com estimativas do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). Tido como vitrine da política industrial do governo, o setor naval revive o cenário de crise da década de 80, com dificuldade de financiamento, cortes de encomendas e falta de competitividade no mercado internacional.

"É a segunda grande crise da indústria naval que vivencio, mas dessa vez é pior. Na anterior, não fui diretamente afetado, mas agora estou vendo diversos colegas desempregados. Eu, que nunca tinha parado de trabalhar, estou em casa sem perspectiva de conseguir uma vaga", lamenta Santos. Aos 59 anos, ele busca há meses um novo emprego, mas os estaleiros que procurou "ou estão fechando as portas ou em processo de demissão em massa".

No último mês, foi o estaleiro Eisa Petro Um, em Niterói, que encerrou as atividades e suspendeu o contrato de mais 2 mil trabalhadores. Agora, os contratos de construção de oito embarcações da Transpetro foram rescindidos e não há previsão de retomada. A situação pode piorar com o corte de 37% nos investimentos da Petrobrás, que suspendeu 9 plataformas e pode acarretar a redução de outros 90 navios de apoio, segundo estimativas do Sinaval.

"Estamos apenas no início do processo de crise", avalia Floriano Carlos Martins, professor de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ. Segundo ele, a indústria repetiu erros da década de 80, quando tinha grande dependência de incentivos e financiamentos públicos, que agora serão reduzidos diante da crise fiscal no País.

"É uma situação previsível. Houve tempo para as empresa se estruturarem, melhorarem o desempenho e buscarem competitividade. O dever de casa não foi feito e já se sabia que a ideia de basear a indústria permanentemente em benefícios estatais era errada."

Entre os erros, Martins cita ainda a falta de "planejamento consistente" para a gestão dos estaleiros, desenvolvimento de tecnologia nacional e qualificação profissional. Por isso, muitos trabalhadores sofrem para reencontrar uma posição no mercado. Postos de baixo nível técnico ou altamente especializados são os mais atingidos.

É o que ocorre com Edno Santos, que hoje não consegue sustentar a família com sua aposentadoria. "Tenho saúde, preciso complementar a minha renda, mas não consigo encontrar nada. O pior é que como tinha uma renda boa, não consigo emprego com salários menores."

Benefícios

A crise da indústria naval foi agravada com a Operação Lava Jato , da Polícia Federal. Com o cerco às fornecedoras da Petrobrás, bancos e instituições de fomento reforçaram o controle sobre financiamentos, o que limitou o capital dos estaleiros.

Com o fluxo de caixa comprometido, gestão ineficaz e crédito restrito, muitos estaleiros ficaram sem recursos para tocar as operações e pagar até mesmo as indenizações trabalhistas.

Cleiton Freitas da Cruz, 36 anos, perdeu o emprego após cinco anos trabalhando em um estaleiro do Rio. Apostava em uma crise passageira, contraiu empréstimo de R$ 2,5 mil, mas a dívida já passa de R$ 8 mil. O ex-mecânico montador esperava a rescisão para quitar o débito, mas quase um ano depois ainda não recebeu nada.

Sua demissão nem sequer foi registrada na carteira de trabalho, o que impossibilita acesso ao FGTS e seguro-desemprego. "O departamento de recursos humanos diz que não tem dinheiro para pagar todos os demitidos, que estão quitando isso aos poucos." Desde quando foi dispensando, Cruz conseguiu apenas dois bicos, um como bombeiro hidráulico por 22 dias e o outro de pedreiro por cinco semanas.

Sindicalistas do setor estão mobilizados para superar a fase. Nesta semana, representantes dos trabalhadores foram a Brasília conversar com autoridades e articular uma reunião para a próxima semana com o presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine.

A ideia é saber como ficará a situação dos estaleiros com a revisão do plano de investimentos da petroleira. "Precisamos ter uma perspectiva de como será o comportamento do setor nos próximos meses", afirmou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio, Jesus Cardoso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Rio de Janeiro - O ex-supervisor de solda do estaleiro Rio Nave, no Caju (região central do Rio de Janeiro ), Edno dos Santos, completaria 40 anos de trabalho na indústria naval em 2015. A crise que atinge o setor, no entanto, fez com que Santos interrompesse as suas atividades antes do planejado.

Como ele, outros 14 mil funcionários foram demitidos dessa indústria somente neste ano, de acordo com estimativas do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). Tido como vitrine da política industrial do governo, o setor naval revive o cenário de crise da década de 80, com dificuldade de financiamento, cortes de encomendas e falta de competitividade no mercado internacional.

"É a segunda grande crise da indústria naval que vivencio, mas dessa vez é pior. Na anterior, não fui diretamente afetado, mas agora estou vendo diversos colegas desempregados. Eu, que nunca tinha parado de trabalhar, estou em casa sem perspectiva de conseguir uma vaga", lamenta Santos. Aos 59 anos, ele busca há meses um novo emprego, mas os estaleiros que procurou "ou estão fechando as portas ou em processo de demissão em massa".

No último mês, foi o estaleiro Eisa Petro Um, em Niterói, que encerrou as atividades e suspendeu o contrato de mais 2 mil trabalhadores. Agora, os contratos de construção de oito embarcações da Transpetro foram rescindidos e não há previsão de retomada. A situação pode piorar com o corte de 37% nos investimentos da Petrobrás, que suspendeu 9 plataformas e pode acarretar a redução de outros 90 navios de apoio, segundo estimativas do Sinaval.

"Estamos apenas no início do processo de crise", avalia Floriano Carlos Martins, professor de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ. Segundo ele, a indústria repetiu erros da década de 80, quando tinha grande dependência de incentivos e financiamentos públicos, que agora serão reduzidos diante da crise fiscal no País.

"É uma situação previsível. Houve tempo para as empresa se estruturarem, melhorarem o desempenho e buscarem competitividade. O dever de casa não foi feito e já se sabia que a ideia de basear a indústria permanentemente em benefícios estatais era errada."

Entre os erros, Martins cita ainda a falta de "planejamento consistente" para a gestão dos estaleiros, desenvolvimento de tecnologia nacional e qualificação profissional. Por isso, muitos trabalhadores sofrem para reencontrar uma posição no mercado. Postos de baixo nível técnico ou altamente especializados são os mais atingidos.

É o que ocorre com Edno Santos, que hoje não consegue sustentar a família com sua aposentadoria. "Tenho saúde, preciso complementar a minha renda, mas não consigo encontrar nada. O pior é que como tinha uma renda boa, não consigo emprego com salários menores."

Benefícios

A crise da indústria naval foi agravada com a Operação Lava Jato , da Polícia Federal. Com o cerco às fornecedoras da Petrobrás, bancos e instituições de fomento reforçaram o controle sobre financiamentos, o que limitou o capital dos estaleiros.

Com o fluxo de caixa comprometido, gestão ineficaz e crédito restrito, muitos estaleiros ficaram sem recursos para tocar as operações e pagar até mesmo as indenizações trabalhistas.

Cleiton Freitas da Cruz, 36 anos, perdeu o emprego após cinco anos trabalhando em um estaleiro do Rio. Apostava em uma crise passageira, contraiu empréstimo de R$ 2,5 mil, mas a dívida já passa de R$ 8 mil. O ex-mecânico montador esperava a rescisão para quitar o débito, mas quase um ano depois ainda não recebeu nada.

Sua demissão nem sequer foi registrada na carteira de trabalho, o que impossibilita acesso ao FGTS e seguro-desemprego. "O departamento de recursos humanos diz que não tem dinheiro para pagar todos os demitidos, que estão quitando isso aos poucos." Desde quando foi dispensando, Cruz conseguiu apenas dois bicos, um como bombeiro hidráulico por 22 dias e o outro de pedreiro por cinco semanas.

Sindicalistas do setor estão mobilizados para superar a fase. Nesta semana, representantes dos trabalhadores foram a Brasília conversar com autoridades e articular uma reunião para a próxima semana com o presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine.

A ideia é saber como ficará a situação dos estaleiros com a revisão do plano de investimentos da petroleira. "Precisamos ter uma perspectiva de como será o comportamento do setor nos próximos meses", afirmou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio, Jesus Cardoso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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