Esplanada dos Ministérios: Lula quer evitar paralisia de programas do governo 2024 com eventual mudança da meta fiscal (Marcelo Casal Jr/Agência Brasil)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 3 de agosto de 2024 às 06h00.
Além de não concordar tecnicamente com a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que transforma o Banco Central (BC) em empresa pública, o governo teme que a aprovação do texto desencadeará uma avalanche de projetos para mudar a natureza jurídica de outros órgãos públicos. A avaliação entre técnicos da equipe econômica é a de que os servidores da autoridade monetária encontraram na PEC uma forma de elevar os próprios salários. Caso aprovada, a mesma solução seria seguida por outras categorias do funcionalismo público.
A PEC, relatada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), transforma o BC —hoje, uma autarquia que goza de autonomia operacional — em empresa pública e amplia a autonomia da autoridade monetária para financeira, orçamentária e administrativa.
Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva capturaram um risco nessa mudança. Para eles, o temor é o de que possa haver um impacto fiscal significativo e, ainda, incalculável. Segundo eles, diversas categorias do funcionalismo têm buscado soluções legais para turbinar os próprios salários.
E esse processo de aumento dos salários dos servidores ganhou força após a aprovação das leis que criaram os honorários advocatícios de sucumbência para os advogados públicos que integram as carreiras da Advocacia Geral da União (AGU) e bônus de eficiência para os servidores da Receita Federal.
“Atualmente, como consequência dessas leis, mais de 50% dos advogados da União ganham salários que chegam ao teto constitucional e a outra parte tem vencimentos próximos do limite legal. O mesmo acontece com servidores da Receita. Aprovar a PEC do BC será o precedente para outros pedidos semelhantes ao Congresso, com impacto fiscal significativo e incalculável”, disse um técnico do governo.
Técnicos da equipe econômica e da ala política do governo afirmaram à EXAME que os servidores do BC, da Receita Federal e AGU compõem a elite do funcionalismo e possuem maior poder de organização associativa e de pressão legítima sobre os parlamentares no Congresso. Com isso, as propostas legais patrocinadas por essas categorias costumam caminhar no Legislativo
Além dos pleitos da elite do funcionalismo, a gestão petista tem enfrentado movimentos grevistas das demais categorias. Uma sinalização no caso do BC, avaliam técnicos do governo, poderia trazer mais reações de outras categorias.
O Sinagências, entidade que representa os servidores públicos das agências de regulação, realizou em 31 de julho e 1º de agosto, uma paralisação geral. Os profissionais das 11 agências reguladoras interromperam serviços essenciais para a economia, como fiscalizações em portos, aeroportos, energia elétrica, água e outros serviços regulados, que representam 60% do Produto Interno Bruto (PIB). O sindicato convocou um ato para 13 de agosto, no dia em que se reunirá com técnicos do governo para debater os pleitos salariais.
No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o s servidores estão de greve desde 10 de julho. No Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os servidores que estavam em greve foram obrigados pela Justiça a voltar ao trabalho. Entretanto, a categoria segue em operação padrão, com redução do ritmo de trabalho.
Em outra frente, os servidores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovaram na semana passada o “estado de greve”, o que indica que a qualquer momento a categoria pode cruzar os braços.
Além da contrariedade do governo, a proposta sobre o BC em tramitação no Congresso sofre resistência de parte dos servidores da própria autoridade monetária. O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) promoverá um ato contra a PEC no Senado em 14 de agosto.
Segundo a entidade, a transformação do BC em empresa pode resultar em uma independência total do BC, afastando-o do controle do Executivo, o que poderia favorecer "interesses do capital financeiro em detrimento do controle democrático e da transparência".
“Também seguem latentes os possíveis impactos negativos na vida dos cidadãos, com uma maior fragilidade nos controles, a possibilidade de terceirização de serviços típicos de Estado e a precarização de atividades”, informou o presidente do Sinal, Fabio Faiad.
Por outro lado, a Associação Nacional dos Analistas do BC (ANBCB) defende que a proposta em debate no Congresso representa uma evolução institucional relevante e, se aprovada, beneficiará todo o país.