Palácio do Planato: ao desenhar a proposta de reforma, a equipe econômica buscou reduzir os riscos de judicialização (Paulo Whitaker/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 9 de setembro de 2020 às 12h53.
Última atualização em 9 de setembro de 2020 às 12h55.
O governo quer propor uma "proteção temporária" para os futuros servidores que, pela proposta de reforma administrativa, não terão mais estabilidade no cargo. O mecanismo seria semelhante ao do FGTS, o fundo de garantia para trabalhadores da iniciativa privada, mas seguiria regras específicas para o novo tipo de contrato por prazo indeterminado previsto na reforma.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Paes de Andrade, e seu adjunto, Gleisson Rubin, admitem ainda a possibilidade de fazer ajustes nas carreiras de servidores que já estão na ativa e que ficarão de fora das mudanças mais drásticas da reforma, como a flexibilização da estabilidade.
As alterações poderiam elevar o número de degraus da carreira e retardar o alcance dos maiores salários, mas ficam para um segundo momento, pois dependem de projeto de lei e o foco está na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criará o novo modelo para novos servidores.
Embora o envio da reforma tenha sido visto como um sinal positivo do compromisso do governo com o ajuste nas contas públicas, o foco nos futuros servidores e a ausência de medidas mais potentes para cortar gastos com funcionários já na ativa levantaram críticas de especialistas e dúvidas sobre o real impacto da reforma no curto prazo.
"(A reforma) Não é tímida. É uma discussão que passa pelo Congresso e pela sociedade com um todo. Vamos insistir que a PEC não é só uma PEC para cortar e melhorar a performance dos salários, do custo da folha de pagamentos. Ela também faz isso. Mas é um instrumento de gestão. Tem uma série de coisas que impactam como podemos melhorar a gestão do País. A PEC atinge Estados e municípios", defende Paes de Andrade.
Para ele, o envio da proposta é "um trunfo" e "uma vitória". "A última vez que foi enviada alguma coisa foi em 1998. Tem muito tempo", afirma. "Estamos botando para frente uma coisa que deve aglutinar. Nossas pesquisas de rede social mostram que tem gente a favor, e quem está contra é porque está reclamando do que a gente não mandou."
O FGTS foi criado em 1966 para proteger o trabalhador da iniciativa privada em caso de demissão sem justa causa. À época, a medida foi uma compensação pelo fim da estabilidade dos trabalhadores fora do setor público. Os empregadores recolhem 8% do salário em uma conta individual, e o dinheiro só pode ser usado em situações específicas, como na dispensa sem justa causa ou compra da casa própria.
Agora, o governo quer retirar a estabilidade de parte dos servidores, aqueles que estão fora das carreiras típicas de Estado (como auditores, diplomatas e outras funções sem paralelo na iniciativa privada), e estuda uma compensação semelhante.
"É razoável que se pense em um mecanismo de proteção temporária que cumpra papel equivalente ao do FGTS, mas talvez seja uma figura específica para o serviço público. A ideia é, sim, que essa relação tenha uma proximidade com contratações da iniciativa privada, mas sejam regradas por legislação específica", explica Rubin.
Segundo o secretário adjunto, os "contornos jurídicos" e o desenho final dessa proteção temporária ainda estão sendo definidos pelos técnicos. A tendência, porém, é que haja uma legislação específica para os contratos por prazo indeterminado, uma vez que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não vai ser o modelo usado para as contratações na administração pública sem a estabilidade. "FGTS e seguro desemprego são institutos específicos da CLT", diz.
O secretário adjunto também descarta o risco de servidores sem estabilidades serem demitidos como forma de retaliação por algum ato ou opinião contrária a de seus superiores. Segundo ele, a lei que será enviada no futuro vai prever situações específicas em que a dispensa será permitida, e a própria PEC proíbe decisões com motivação político-partidária.
Ao desenhar a proposta de reforma, a equipe econômica buscou reduzir os riscos de judicialização, que poderiam atrasar a aprovação do texto ou mesmo sua implementação, afirma Rubin. Segundo ele, é muito difícil quebrar a estabilidade de quem já ingressou na carreira sem esbarrar no debate do direito adquirido.
A mudança das carreiras, porém, é onde o governo tem maior margem de manobra. É possível, por exemplo, ampliar o número de estágios na carreira e fazer com que servidores mais jovens levem mais tempo até atingir o topo, onde os salários são maiores. "Cada carreira tem a sua lei, e nós vamos ter de fazer a revisão dessas carreiras atacando lei por lei", diz Rubin. "Vamos fazer isso no momento adequado, vamos ver onde é possível fazer esse tipo de ajuste."