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Governo mira R$ 1 tri da previdência para empréstimo mais barato que consignado

Crédito com garantia de cota de fundos abertos pode ter juro mais baixo que consignado, diz secretário do Ministério da Fazenda

(Ministério da Fazenda/Exame)
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 2 de agosto de 2023 às 07h00.

Última atualização em 2 de agosto de 2023 às 08h18.

Os empréstimos com garantia de cotas de fundos de previdência têm potencial para ter juros mais baixos que as taxas ofertadas no crédito consignado, afirmou o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, em entrevista exclusiva à EXAME. O projeto de lei que cria essa nova modalidade de garantia foi aprovado nesta terça-feira, 1, no Senado e segue para sanção presidencial.

Segundo Pinto, esses fundos têm R$ 1 trilhão em ativos, que poderiam ser convertidos em operações de crédito. O potencial dessa linha de crédito, entretanto, dependerá da oferta dos bancos e da demanda dos clientes, afirmou o secretário.

“Em tese, todos esses recursos dos fundos podem virar operações de crédito, mas isso depende da demanda e das linhas criadas. Mas as taxas desses tipos de empréstimos devem ser menores que as do consignado. A garantia dessas operações é equivalente a dinheiro. Há espaço para concessão de crédito barato”, disse.

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Pinto também afirmou que o governo está empenhando em fazer uma revolução no mercado de dívida privada. Segundo ele, a redução da burocracia e dos custos para emissão de debêntures, além do fim do direcionamento dos investidores institucionais para compra de títulos públicos, têm potencial para alavancar o mercado de crédito fora do sistema bancário.

“O nosso arcabouço regulatório e contábil direciona os investidores institucionais para títulos públicos. A gente quer rever esse arcabouço. Não queremos incentivar e direcionar. A gente quer acabar com o direcionamento para o setor público. Queremos permitir que os gestores possam alocar os recursos da forma que acharem melhor. Queremos acabar com incentivos regulatórios, tributários e contábeis. A gente quer tornar o sistema mais neutro para alocação de capitais em títulos de dívida privados”, disse.

O secretário também afirmou que o processo de execução precisa passar por mudanças profundas no Brasil. Segundo ele, somente no Brasil a execução é feita pelo Judiciário, que não deveria participar desse processo.

"No Brasil é no Judiciário que faz a execução e no resto do mundo é fora do Judiciário. A execução é feita por agentes. As execuções são metade dos processos no Brasil. Entopem os tribunais e os juízes não estão bem equipados para isso. É um processo administrativo, encontrar um bem, determinar a penhora e usar o saldo para quitar a dívida. Não é atividade típica do Judiciário. Tem um projeto no Senado sobre esse tema. Durante o debate do marco das garantias a gente tentou inclui-lo no projeto, mas os senadores decidiram ter uma discussão específica sobre o assunto e queremos discutir isso no segundo semestre. Tem impacto na inadimplência. Isso ajuda a reduzir inadimplência e o custo de crédito", disse.

Por fim, Pinto afirmou que o conjunto de reformas microeconômicas têm potencial para tornar o Brasil um país mais atrativo e competitivo.

"Historicamente, a gente se encantou com projetos que eram a bala de prata. Cadastro positivo, lei de falências. Todos contribuíram. A verdade é que a bala de prata não existe. Essa é a dificuldade e beleza de reformas micro", disse.

Leia abaixo a íntegra da entrevista

Qual é o último balanço disponível do Desenrola?

O desenrola está superando bastante as expectativas nesse começo. Temos três medidas principais. Duas em funcionamento e outra que começa em setembro. A desnegativação teve uma adesão incrível. A gente estimava que 1,5 milhão de CPFs seriam desnegativados. Hoje o número de dívidas desnegativadas passou de 7 milhões. Ainda não conseguimos saber o número de CPFs, mas já passamos da nossa meta 1,5 milhão.

A pressão dos clientes ajudou?

O Desenrola foi desenhado considerando a adesão dos maiores bancos do país. Outros bancos começaram a desnegativar por pressão dos clientes. Além disso, os varejistas que não estão nessa fase do Desenrola perceberam que os bancos estão “pegando” a renda disponível dos clientes. Eles também começaram a oferecer planos voluntários junto com os bancos. A gente vê procura dos dois lados.

Quais são as prioridades do Ministério da Fazenda na agenda microeconômica no segundo semestre?

Nós anunciamos no início do ano 13 propostas entre decretos, portarias e projetos de leis. Vários desses projetos estão tramitando no Congresso. A gente gostaria de aprovar toda a agenda até o fim do ano. Tivemos uma recepção muito boa do Legislativo. Essa é uma agenda consensual, sem discussão ideológica. Um bom exemplo é do projeto que autoriza o uso das cotas de fundos de previdência para garantia em operações de crédito. Tem R$ 1 trilhão nesses fundos. Essa garantia é muito boa. É praticamente dinheiro no banco. O texto já foi aprovado na Câmara, hoje [ontem] foi aprovado no Senado e segue para sanção presidencial. A gente está seguindo assim com outros. O marco das garantias, por exemplo, já foi aprovado na Câmara, aprovado no Senado com alterações e passará por nova votação na Câmara. Os senadores e deputados conversaram sobre o tema e o texto deve ser aprovado nas próximas semanas.

Qual o impacto da garantia das cotas de fundos de previdência no mercado de crédito?

Em tese, todos esses recursos dos fundos podem virar operações de crédito, mas isso depende da demanda e das linhas criadas. Mas as taxas desses tipos de empréstimos devem ser menores que as do consignado. A garantia dessas operações é equivalente a dinheiro. Há espaço para concessão de crédito barato.

E quais são as demais prioridades para 2024?

A agenda de reformas financeiras que estamos construindo é a prioridade. Começamos um outro processo de construção de reformas com a sociedade e com o mercado. Aprovamos 17 temas que a gente vai discutir ao longo do semestre. Desses 17, eu destacaria dois. Há uma discussão grande sobre diminuir spreads e aumentar a concorrência no mercado bancário. Isso é importante e temos medidas para tomar para reduzir a inadimplência e aumentar a concorrência. Mas fora do Brasil a grande maioria do crédito de longo prazo está fora do sistema bancário e é concedido por meio do mercado de capitais. Nos Estados Unidos, o crédito fora do sistema financeiro é cinco vezes maior. Aqui no Brasil é a metade do crédito do sistema bancário. A gente tem que atuar no lado da oferta e da demanda para aumentar esse mercado. Primeiro, o grande financiador das empresas nos Estados Unidos são investidores institucionais, que são basicamente fundos de pensões e seguradoras. No Brasil, esse grupo investe atualmente em títulos do governo e pouco em títulos privados. O nosso arcabouço regulatório e contábil direciona os investidores institucionais para títulos públicos. A gente quer rever esse arcabouço. Não queremos incentivar e direcionar. A gente quer acabar com o direcionamento para o setor público. Queremos permitir que os gestores possam alocar os recursos de forma que acharem melhor. Queremos acabar com incentivos regulatórios, tributários e contábeis. A gente quer tornar o sistema mais neutro para alocação de capitais em títulos de dívida privados.

Qual é o outro fator importante?

Do lado da demanda dos tomadores dos recursos, o mercado de capitais caminhou para grandes empresas e precisa descer um degrau nessa área. Quantos mais degraus descer, melhor. Essas empresas precisam tomar crédito de maneira mais barata e menos burocrática por meio do mercado de emissão de dívida. Precisamos reduzir custos de transação. O efeito disso é maior oferta de crédito e crédito mais barato. Esse é um crédito que não está sujeito aos custos do sistema bancário, com taxas e burocracias. A gente inseriu no marco de garantias uma simplificação da emissão de debêntures. Emitir uma debênture no Brasil demora e em 30 dias uma janela de mercado pode estar fechada. Quem ia captar via debênture tem que pegar empréstimo bancário na sequência. Esse tipo de coisa que a gente quer fazer do lado das empresas. Agilizar o processo e tornar mais barato. Se conseguirmos fazer essas duas coisas a gente pode fazer uma revolução no mercado de crédito no Brasil. Destravar o crédito fora do sistema e com isso tem um potencial gigantesco.

E há uma agenda importante para redução da inadimplência no Brasil?

A gente tem várias alavancas para mexer nesse assunto. Uma delas é o marco das garantias com ativos reais. Sobretudo o crédito de veículos vai melhorar. O vice-presidente [Geraldo] Alckmin disse que esse projeto tem um impacto sobre indústria automotiva maior que o programa lançado para estimular a compra de veículos. Carro é comprado com financiamento no Brasil. Melhorar a qualidade da garantia e a recuperação vai diminuir o custo. A mesma coisa com a garantia de imóveis. Será possível dar o imóvel em garantia de mais de uma dívida. Existem outras coisas que a gente pode e deve fazer. As normas de falência não foram aperfeiçoadas tanto quanto as da recuperação judicial. Diagnóstico do Banco Mundial mostra que as falências não acabam no Brasil e não se recupera nada. A falência atrapalha a recuperação judicial. Credores aceitam a recuperação judicial porque a falência é terrível para todo mundo. Essa é outra alavanca que a gente quer trabalhar.

Existem outras medidas importantes nesse sentido?

Outra alavanca é a execução. No Brasil é no Judiciário que faz a execução e no resto do mundo é fora do Judiciário. A execução é feita por agentes. As execuções são metade dos processos no Brasil. Entopem os tribunais e os juízes não estão bem equipados para isso. É um processo administrativo, encontrar um bem, determinar a penhora e usar o saldo para quitar a dívida. Não é atividade típica do Judiciário. Tem um projeto no Senado sobre esse tema. Durante o debate do marco das garantias a gente tentou inclui-lo no projeto, mas os senadores decidiram ter uma discussão específica sobre o assunto e queremos discutir isso no segundo semestre. Tem impacto na inadimplência. Isso ajuda a reduzir inadimplência e o custo de crédito.

Qual dessas propostas é a que enche os seus olhos?

Historicamente, a gente se encantou com projetos que eram a bala de prata. Cadastro positivo, lei de falências. Todos contribuíram. A verdade é que a bala de prata não existe. Essa é a dificuldade e beleza de reformas micro. Todas são positivas, terão impacto positivo e é difícil calcular impacto de cada uma delas. O grande impacto é avançar na maioria e conseguirmos uma transformação no mercado. Em 2003 o volume de emissões do mercado de capitais foi de R$ 20 bilhões. A gente chegou em 2021 com R$ 750 bilhões em emissões. Eu queria uma transformação dessa magnitude no mercado de dívidas. Essa transformação do mercado de capitais foi feita com várias medidas. A gente precisa fazer outra revolução desse tamanho e isso será feito com várias medidas e sem bala de prata. O que me empolga é o conjunto e não uma delas.

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