Bolsonaro reafirma compromisso fiscal ao lado de Alcolumbre e Maia, em 12 de agosto de 2020 (Andressa Anholete/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 18 de agosto de 2020 às 18h15.
Última atualização em 19 de agosto de 2020 às 08h50.
As previsões mais pessimistas para a economia brasileira com os efeitos da pandemia, que chegaram a indicar contração de 10% neste ano, acabaram por não se confirmar. Para o segundo semestre, porém, outros impeditivos podem barrar a recuperação de longo prazo.
Um dos riscos centrais no cenário macroeconômico envolve a agenda fiscal, fortemente degradada pela crise sanitária e social imposta pelo coronavírus, e que pode piorar com a pressão crescente dentro e fora do governo para ampliação de gastos públicos.
Por mais que o governo tenha se preocupado em alinhar publicamente seu discurso em relação à importância do teto de gastos — medida que restringe desde 2017 os gastos públicos de um ano à variação da inflação do ano anterior —, a avaliação de economistas de gestoras e casas de análise é de que os sinais de Brasília são negativos quanto à sustentabilidade fiscal:
"Não será difícil ver a pressão crescer por parte do presidente, do Centrão e dos militares em cima do Ministério da Economia para ser mais condescendente com gasto público", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados em carta quinzenal divulgada nesta terça-feira, 18.
"Esse discurso lembra em tom nada saudosista o velho mote da ex-presidente Dilma de que 'gasto é vida'. Ao seguir essa toada, o governo conseguirá juntar o pior da economia dos governos militares e petistas em uma situação fiscal muito pior do que nos últimos anos", diz. O motivo que levou ao impeachment da ex-presidente foi crime de responsabilidade, pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com a onda expansionista ganhando força, aumentaram os rumores sobre a possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, principal defensor do ajuste fiscal e do teto de gastos. O temor do mercado foi refletido na queda de quase 1,73% na bolsa na segunda-feira, mas as perdas foram revertidas hoje, após Guedes reiterar que fica no governo.
Por ora, Guedes continua no cargo, mas a confiança na condução firme no controle de gastos do governo está fragilizada. "O maior desafio do governo ainda está por vir, segundo a Garde, e demandará uma grande articulação, principalmente por parte do Ministério da Economia. "Deverá girar em torno do Orçamento Federal para 2021", diz a gestora.
O governo tem até o final de agosto para enviar ao Congresso seu plano de gastos para o ano que vem. Mas, em meio a sinais contraditórios emitidos por diferentes alas da administração Bolsonaro, fica difícil saber o que de fato poderá entrar.
"A falta de convicção do presidente na agenda liberal do ministro, a baixa probabilidade de uma guinada significativa na direção de uma agenda de reformas e a ausência de saídas para o abismo fiscal que nos espera à frente nos fazem reduzir a confiança nos fundamentos econômicos do Brasil", diz a gestora Blueline em carta da semana passada.
"Quando o mercado internalizar essas dificuldades fiscais de longo prazo em um governo politicamente fraco e apenas com visão eleitoral e sem projeto coerente para o país, o resultado será o que sempre se viu: piora nos preços de ativos, especialmente na taxa de câmbio, curva de juros ascendentes e crescimento baixo. Essa parece ser a receita que o governo Bolsonaro quer manter", diz Vale.
Economistas esperam uma piora no mercado de trabalho até o fim do ano, ocasionando uma piora na taxa de desemprego, hoje ao redor de 13%, a 17%. O movimento é esperado, pois muitos trabalhadores que pararam de procurar por uma vaga durante a pandemia devem voltar às ruas.
Outro agravante do cenário pode ser o fim do auxílio emergencial. "O segundo semestre ainda deverá ter queda do PIB, com potencialmente o quarto trimestre tendo uma piora nos números do comércio e consumo, a depender da diminuição do auxílio emergencial", diz Vale.
Ainda não está totalmente claro para economistas quanto do avanço na recuperação dos setores de comércio e serviços está ligada a esses recursos. Embora o governo estude uma extensão do socorro até dezembro, é provável que o valor não ultrapasse nem a metade dos 600 reais pagos atualmente, de forma que o ritmo do consumo não deverá ser o mesmo.
"Apesar das pesquisas mostrarem que o consumo, em sua maior parte, está indo para alimentos, os resultados aparentes de crescimento de outros segmentos são positivos, mas colocam um sinal de risco à frente se de fato estiverem sendo financiados pelos recursos do auxílio emergencial", diz Vale.
Dentro do governo, o assunto sobre o ajuste fiscal está longe de chegar a um consenso.
Há duas correntes que seguem em direções opostas: a equipe liderada pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, defende a ampliação de obras públicas como motor da retomada pós-pandemia. Na outra ponta há o time de Guedes, que pressiona pela preservação do teto de gastos. Guedes tem chamado a outra ala de “os fura-teto”.
O presidente Jair Bolsonaro tem flertado com os dois lados e não deixou claro ainda como deve encaminhar a questão. Na quarta feira, 12, Bolsonaro veio a público ao lado dos presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, para dizer que respeitará o teto de gastos.
Já na noite da quinta-feira, 13, em sua live semanal pelo Facebook, Bolsonaro reclamou que “o teto é o teto. O piso sobe anualmente. Cada vez mais tem menos recurso para fazer alguma coisa”, disse, após reivindicar 0,1% de poder de veto sobre decisões na economia.