Tayyp Erdogan: "agradeço a todos aqueles que contribuíram para este resultado" (Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 11 de agosto de 2014 às 13h50.
São Paulo - Primeiro, foram os protestos da praça Taksim. Depois, um escândalo de corrupção que levou à renúncia de três ministros.
Isso sem falar no acidente da mina de carvão, a guerra contra as redes sociais e um vice-primeiro ministro que pede para mulheres não sorrirem em público.
Nada foi suficiente para abalar Tayyp Erdogan, primeiro-ministro da Turquia e agora vencedor, com 52% dos votos, das primeiras eleições presidenciais diretas da história do país, poucos meses após seu partido ter dominado também as eleições locais.
Para entender sua resistência em meio a uma forte rejeição de parte da população, vale recuperar o slogan da reeleição de Bill Clinton em 1996: é a economia, estúpido.
Erdogan assumiu em 2003. Na época, a Turquia começava a emergir da crise bancária de 2001, causada por déficits acumulados através de duas décadas de instabilidade política, alta volatilidade e dependência externa. Sua postura pragmática e a possibilidade de entrada na União Europeia agradaram os mercados.
Desde então, o investimento estrangeiro em infraestrutura no país cresceu mais de 5 vezes. Projetos ambiciosos foram inaugurados, como a conexão entre Ásia e Europa pelo estreito de Bósforo, enquanto outros estão em andamento, como o do maior aeroporto do mundo em Istambul.
No processo, a economia do país triplicou de tamanho. O mesmo aconteceu com o PIB per capita, que é hoje de US$ 10.600, próximo do brasileiro. A pobreza, que afetava um em cada cinco turcos, foi praticamente eliminada.
Fragilidades
O primeiro problema é que o auge deste ciclo já passou. A taxa de crescimento, próxima de 9% em 2010 e 2011, caiu para 2,2% em 2012 e 4% em 2013. O segundo é que o boom pareceu bastante com uma bolha, sustentada por crédito fácil, endividamento e fortes altas nos preços de ativos - em especial no setor imobiliário.
Apesar de ter agora um sistema financeiro muito mais forte, a Turquia continua dependendo de um fluxo constante de recursos para financiar seu enorme déficit em conta corrente. O que era vantagem quando o banco central americano inundava o mundo com dólares virou maldição quando ele passou a sinalizar austeridade (um caso parecido com o brasileiro).
Em 2013, a lira perdeu 20% do seu valor, a maior queda entre as moedas emergentes, e o mercado de ações perdeu um terço . A inflação, que Erdogan conseguiu levar para patamares historicamente baixos, flutua por volta dos 9%, muito acima da meta oficial.
Para conter a sangria, o banco central turco praticamente dobrou a taxa de juros em janeiro, mas começou a recuar nos meses seguintes. Apesar do órgão ser teoricamente independente, o movimento foi visto por analistas como resultado de pressão do governo.
Erdogan defende que a taxa de juros real - a nominal menos inflação - deve beirar a zero não só para estimular a economia, mas também para honrar a proibição da usura definida pela sharia, a lei islâmica.
"Queremos cortar a taxa de juros real no longo prazo para que as pessoas aumentem sua renda através do trabalho, não dos juros", disse ele em 2011 em evento de uma associação comercial islâmica.
O medo agora é que um Erdogan fortalecido vá mexer demais com o frágil equilíbrio institucional do país. A agência de classificação de risco Fitch afirmou hoje que "o risco político vai pesar nos ratings da Turquia por meio de seus efeitos potenciais de desencorajar as entradas de capital e reduzir a previsibilidade das políticas".
Os mercados temem que a ambição declarada por Erdogan de tornar a economia turca uma das 10 maiores do mundo até 2023 leve a um aumento ainda maior nas fragilidades verificadas até agora.
"Com as políticas atuais, a Turquia só pode sustentar um alto crescimento às custas de crescentes desequilíbrios externos", escreveu o FMI em um relatório em dezembro do ano passado.