Geraldo Alckmin: compromisso do governo é zerar déficit público (Leandro Fonseca/Exame)
Publicado em 10 de dezembro de 2024 às 06h01.
Última atualização em 10 de dezembro de 2024 às 07h12.
O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou, em entrevista exclusiva à EXAME, que “gosta” do duplo mandato do Federal Reserve (FED), o Banco Central dos Estados Unidos, que tem como missão controlar a inflação e garantir a geração de empregos no país.
Segundo ele, no combate à inflação, o FED, ao analisar o índice oficial, desconsidera preços de energia e alimento. Em sua visão, esses dois itens dependem de fatores externos, como o clima e o ambiente geopolítico, no caso do preço do petróleo.
“Não adianta aumentar juros, que não vai chover por causa disso ou parar de chover. A outra: energia, como petróleo. Isso é geopolítica, guerra. Não adianta aumentar juros, só vou atrapalhar a economia e não vai reduzir o preço do barril de petróleo por causa disso. É preciso aprimorar um pouco essa questão do controle inflacionário”, diz.
Zerar o déficit fiscal em 2025 e buscar superávits nos anos seguintes serão objetivos perseguidos pelo governo, afirma Alckmin.
"Sou totalmente favorável à responsabilidade fiscal. Temos que atingir o déficit zero. O que nós estamos discutindo nesse momento é se vai ser zero ou se vai ter um déficit de 0,25%. E eu defendo que seja zero. Para que depois, mais para frente, a gente possa começar a fazer superávit", disse.
Segundo ele, houve temor do mercado sobre os efeitos práticos da proposta do governo de isentar de Imposto de Renda (IR) pessoas que recebem salários de até R$ 5 mil. Alckmin diz que a proposta é neutra do ponto de vista fiscal e garante justiça tributária, ao reduzir a carga tributária de quem ganha menos e garantir o pagamento de tributos de quem ganha mais.
"Eu vou abrir mão de R$ 35 bilhões de arrecadação, e eu vou compensar com R$ 35 bilhões do outro lado. Então, não vai aumentar o déficit. Ela é neutra. E tem um sentido de justiça tributária. Quem ganha menos, isenta. Quem ganha mais, paga um pouco mais. Então, equilíbrio do ponto de vista fiscal. Neutralidade fiscal", diz.
A economia pode crescer até 3,5%, gera empregos, mas mercado segue pessimista com as contas públicas. O pessimismo é exagerado?
Primeiro, [é importante] destacar o crescimento da economia, a queda do desemprego, que é importante, e o aumento da massa salarial. Aliás, o melhor exemplo disso é o crescimento da indústria e dos bens de consumo durável. As vendas de geladeira, fogão, máquina de lavar roupa, linha branca, linha marrom e televisão aumentaram 25% neste ano. Então, aumentou o crescimento da economia neste ano, e o ano passado, [o crescimento foi de] 3,2%. E neste ano, [o crescimento] pode chegar a 3,5%. Sobre a questão fiscal, o governo aprovou o arcabouço fiscal. Ou seja, a meta é zerar o déficit primário e, para atingi-lo, encaminhou ao Congresso Nacional um conjunto de medidas pelo lado da despesa, procurando reduzir a despesa. Medidas imediatas, de curto prazo, e também de médio prazo. Então, acredito que, aprovado esse conjunto de projetos, antes do Natal -- quer dizer, ainda neste ano -- isso deve trazer mais segurança na área econômica.
Os juros devem subir nesta semana e parte do mercado já precifica taxa 15% em 2025 diante do que chamam de descontrole fiscal. Como o senhor recebe essas estimativas?
Gosto muito do modelo norte-americano, no qual o Federal Reserve (FED), o Banco Central americano, tem duas missões. Uma missão é emprego. A outra missão é controlar a inflação. Mas não considera nesse controle da inflação alimento e energia. Por quê? Porque alimento é clima. Se tenho uma seca muito grande, a safra cai e o preço sobe. Não adianta aumentar juros, que não vai chover por causa disso ou parar de chover. A outra: energia, como petróleo. Isso é geopolítica, guerra. Não adianta aumentar juros, só vou atrapalhar a economia e não vai reduzir o preço do barril de petróleo por causa disso. É preciso aprimorar um pouco essa questão do controle inflacionário.
E o controle fiscal?
Sou totalmente favorável à responsabilidade fiscal. Temos que atingir o déficit zero. E é bom lembrar também do passado. Em 2020, o déficit primário do governo [de Jair] Bolsonaro e do Paulo Guedes [ex-ministro da Economia] foi de quase 10% do PIB. O PIB era em torno de R$ 8 trilhões. Hoje é R$ 11,5 trilhões. E o déficit foi quase R$ 800 bilhões. Você vai dizer [que o resultado] foi [em decorrência da] covid-19. Covid teve no mundo inteiro. O México fez 0,5% de déficit [em relação ao PIB]. Nós fizemos 10%. O que nós estamos discutindo nesse momento é se vai ser zero ou se vai ter um déficit de 0,25%. E eu defendo que seja zero. Para que depois, mais para frente, a gente possa começar a fazer superávit. Houve um temor do mercado com a isenção do imposto de renda [para quem tem rendimentos] de até R$ 5 mil por mês. Não tem razão para isso. Por quê? Porque, do seu ponto de vista fiscal, vai ser neutro. Eu vou abrir mão de R$ 35 bilhões de arrecadação, e eu vou compensar com R$ 35 bilhões do outro lado. Então, não vai aumentar o déficit. Ela é neutra. E tem um sentido de justiça tributária. Quem ganha menos, isenta. Quem ganha mais, paga um pouco mais. Então, equilíbrio do ponto de vista fiscal. Neutralidade fiscal.
Depois de 25 anos, o acordo do Mercosul com a União Europeia está saindo do papel. Qual a expectativa do senhor para que esse processo seja finalizado e quando ele deve começar a vigorar?
Esse é um acordo histórico. Faz um quarto de século. É estratégico. Vai ter um acordo de parceria, de complementariedade econômica, exportação, importação, com 27 países dos mais ricos do mundo. O Mercosul abriu mais: no começo do ano, foi com Singapura. Agora, União Europeia. Está com energia para a gente caminhar para o EFTA [Associação Europeia de Livre Comércio, que reúne Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça], Emirados Árabes. Isso é um ganha-ganha. Aumenta o PIB, aumenta emprego. À medida que você tem mais competitividade, reduz a inflação. E é um bom exemplo para o mundo. Num mundo tenso e fragmentado, mostra que o diálogo tem caminho para abrir mercado, fazer parceria. E estamos falando de um bloco que tem mais de 718 milhões de pessoas e US$ 22 trilhões. É o maior acordo entre blocos econômicos.
Mas os senhores estão em contato com, por exemplo, diplomatas franceses para ficar pacificado dentro da cúpula do governo de que esse acordo será aprovado?
Estou otimista. Precisa aprovar no Conselho e depois no Parlamento Europeu. E aqui precisa internalizar nos quatro países, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Estou otimista porque você não tem um acordo que todo mundo [concorda desde o princípio]. O próprio Mercosul, lá atrás, quando começou, não era unanimidade. Agora, é inegável que tem um avanço muito significativo. A Ursula von der Leyen definiu bem: é um acordo win-win. É um ganha-ganha. Bom para o mundo.
O que a nossa indústria pode ganhar com o acordo? Que setores podem se beneficiar?
Todos os setores, uns mais, outros menos, podem se beneficiar. O receio da França é exagerado porque, no caso da agricultura, não é uma abertura de 100%. Você tem cotas, você tem limites, você tem regras. Isso é gradual. O Brasil tem, em números redondos, 2% do PIB do mundo [no comércio exterior]; 98% do comércio está fora do país. Então, o comércio exterior hoje é fundamental. E queria destacar aqui o trabalho da Secex [Secretaria de Comércio Exterior], da Tatiana Prazeres. Estamos fazendo um Portal Único de Exportação e Importação. Isso pode reduzir o custo do Brasil em R$ 24 bilhões por ano. Porque com o Portal Único você desburocratiza, reduz em quatro dias o desembaraço das cargas. E destacar também a reforma tributária, que acaba com a cumulatividade de crédito. Ela desonera totalmente investimento e desonera totalmente exportação.
O senhor tem feito um trabalho de abertura de mercados, mas temos visto de vários setores da indústria brasileira questionamentos sobre o que chamam de competição desleal da China. E a China é o nosso maior parceiro comercial. Como o senhor tem conciliado todos esses interesses e debates?
Acreditamos na abertura comercial. Mais comércio exterior é positivo. Ganha a população. Quando tem mais competitividade, vantagem comparativa, que o outro tem lá, é um ganho para o coletivo. Agora, estamos acionando a chamada defesa comercial. Se há caso de dumping comprovado, você abre um processo e comprova que tem um dumping, você faz um anti-dumping. Isso temos feito. Então, de um lado, defesa comercial para garantir uma concorrência leal para evitar que as empresas brasileiras sofram com o dumping. De outro, havia especificamente o caso dos veículos elétricos. É autorizada a importação de um carro da Europa, dos Estados Unidos, só que o interessado vai pagar 35% [de imposto de importação]. É a regra da OMC, até 35%. Só que o elétrico, lá atrás, foi reduzido a zero. Tem razão. Ainda mais que nós já passamos a ter produção nacional de híbridos. Então, nós estabelecemos um aumento. Eu vou chegar a 35% de imposto em 2026. Então, em 2024, já passou para 10%, em média. Varia de 9% a 11%. Agora, 1º de julho, foi para 20%, de 18% a 21%. No ano que vem, vai para 28%, e depois chegará a 35%. E para quem está investindo no Brasil, ele tem cota. Você pode importar 30 mil carros. O ano que vem, baixa para 20 mil. No outro, baixa para 10 mil. E em 2026, zerou. Então, dá previsibilidade, mas trazendo o tributo. Não tinha razão para excepcionalizar [de imposto] o elétrico e o híbrido se tenho fabricação nacional. Isso tanto deu certo que aumentaram os investimentos no Brasil. Foram anunciados R$ 130 bilhões na indústria automotiva. As de fora e as de dentro investindo.
Qual é o outro setor que a gente pode esperar que haja anúncios de investimentos para o setor industrial?
Chegamos a R$ 1,8 trilhão [em investimentos anunciados], incluindo [o setor] automotivo. [No setor de] celulose e papel, [os investimentos anunciados] passam de R$ 100 bilhões. [No setor] siderúrgico, se aproxima de R$ 100 bilhões. Na indústria de alimentos, [os investimentos anunciados] passam de R$ 120 bilhões. Na construção, na infraestrutura, nas rodovias, no Minha Casa, Minha Vida, toda a parte de construção, são mais de mais de 600 bilhões.
Um estudo do Mdic mostra que só 1% das empresas brasileiras exportam. Como é que a gente consegue aumentar o número de brasileiras exportadoras?
Precisamos fortalecer a cultura exportadora. E esse evento de parceria entre Apex e a revista EXAME é um bom exemplo. A empresa que exporta tem upgrade, paga melhor, tem contrato a mais, salários mais altos, ela muda de patamar. São mais empresas exportando. [Então, precisamos] desburocratizar, reduzir custo, fazer acordos comerciais, competitividade e o presidente Lula mandou para o Congresso um projeto de lei para fazer o Acelera Exportação. Quando chegar em 2032, não tem mais cumulatividade de crédito. Aí, vai estar totalmente implantada a reforma tributária. Só que até lá tem um caminho. Então, o que estamos fazendo? Um reintegra de transição para as pequenas empresas. Vou devolver 3% do valor da sua exportação imediatamente. Isso está no Congresso. Espero que essa semana já vote o regime de urgência [de tramitação no Congresso]. Vamos dar um impulso para a pequena empresa exportar. Um bom exemplo é a Itália, onde tem muita pequena empresa que exporta.
O presidente Lula tem sinalizado que o governo tem errado na sua comunicação. E não tem conseguido levar as informações corretas para a população, para os empresários. Como o senhor avalia a comunicação do governo nesse momento? Precisa melhorar?
A popularidade em queda foi de um setor, o mercado. O mercado é uma coisa... Não é o povo, né? É uma coisa menor. Mas entendo que prestar contas é dever. Vida pública é isso. Você tem que estar permanentemente prestando contas à sociedade, explicando as coisas. Bem explicadas, a população entende. Até medidas mais austeras. É dever do governo permanentemente prestar contas. Diferente de publicidade. Sou muito mais da comunicação do que só publicidade. Acho que o governo pode melhorar a sua comunicação sempre. Quando fui governador, também criticava. Dizia: 'olha, a gente podia ter aqui uma estratégia de comunicação melhor'. E essa tarefa é de todos. Dos ministros, dos secretários, dos partidos, dos parlamentares. Você tem que estar permanentemente prestando contas à sociedade. Sou fã da democracia. E a democracia significa você estar permanentemente ouvindo e dialogando.
O senhor foi elogiado pelo ex-ministro José Dirceu recentemente, que defendeu a continuidade da parceria com Lula em 2026. O senhor será candidato?
Olha, primeiro dizer que ele [José Dirceu] é generoso. A outra, em relação ao futuro, o presidente Lula é o candidato natural à Presidência da República. Primeiro, saúde ótima. Segundo, num sistema de reeleição, é natural que o titular dispute a reeleição. É da natureza. Então, eu diria que é um candidato, um candidato forte. Melhorou a democracia. O presidente Lula salvou a democracia. Melhorou a educação. Pé de meia, escola em tempo integral, creche, a expansão dos institutos federais. Melhorou a saúde, SUS, investimentos. Infraestrutura melhorou. [Houve] crescimento da economia, queda do desemprego. Eu diria que você tem um resultado. A população está vivendo melhor. Não devemos nos acomodar com isso. Pelo contrário: reformas, reformas, competitividade, reduzir custo Brasil. Estamos fazendo um trabalho muito bom de redução do custo Brasil. Isso é fundamental. Estou otimista. [Poucas horas após a entrevista de Alckmin à EXAME, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sentiu fortes dores de cabeça na noite de segunda, 9, e após exames realizados no hospital Sírio Libanês, em Brasília, foi transferido para São Paulo, onde realizou uma cirurgia de emergência. Lula foi submetido a uma craniotomia para drenagem de hematoma, que foi bem sucedida, segundo boletim médico divulgado pela instituição. Ele foi atendido pelos médicos Roberto Kalil Filho e o neurocirurgião Marcos Stavale.]