Economia

Estado de bem-estar após 1989 levou a problema fiscal

A implementação de crescente estado de bem-estar social após a redemocratização, em 1989, pode explicar o ritmo crescimento do gasto público.


	Segundo especialistas, nos anos 2000, as consequências deste desequilíbrio foram atenuadas em decorrência dos efeitos positivos do boom de commodities.
 (Carlos Barria/Reuters)

Segundo especialistas, nos anos 2000, as consequências deste desequilíbrio foram atenuadas em decorrência dos efeitos positivos do boom de commodities. (Carlos Barria/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 18 de outubro de 2015 às 16h35.

São Paulo - A implementação de um amplo e crescente estado de bem-estar social após a redemocratização, em 1989, é o fator que explica o ritmo de crescimento do gasto público ter superado a expansão da economia brasileira nas duas últimas décadas.

Segundo especialistas, nos anos 2000, as consequências deste desequilíbrio foram atenuadas em decorrência dos efeitos positivos do boom de commodities e, quando houve a reversão do cenário externo, a partir da crise de 2009, o governo optou por criar artifícios para esconder os problemas estruturais, o que só fez com que estes crescessem ainda mais e atingissem o ponto crítico em que se encontram atualmente.

Os especialistas em contas públicas Mansueto Almeida, Samuel Pessoa e Raul Velloso traçaram este panorama durante um workshop sobre finanças públicas e políticas econômicas promovido pela Escola de Direito do Instituto Internacional de Ciências Sociais, em São Paulo, na última quinta-feira, 15, em homenagem aos 80 anos do jurista Ives Gandra Martins.

Para Pessoa, houve um desejo na Constituição de 1988 de se construir um 'welfare state' brasileiro de padrão europeu continental. Já Velloso definiu este processo como "populismo estrutural", defendendo que motivos políticos e eleitorais estão por trás da explosão do gasto público, concentrado principalmente em rubricas de salários, aposentadorias e benefícios sociais.

Dados citados por Pessoa, com base em tabelas elaborados por Mansueto, revelam que o gasto não financeiro do governo central praticamente dobrou entre 1991 e 2014, passando de 11% para 20% do PIB.

"E os gastos sociais explicam cerca de 80% desta elevação", comentou. Já segundo cálculos de Velloso, os gastos com pagamentos de pessoal e benefícios previdenciários e assistenciais representaram, em 2012, 73,7% do gasto público, enquanto em 1987 eram de apenas 39%. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), este tipo de gasto, definido pro Velloso como "grande folha", estava em 14,5% do PIB em 2012.

"Esta é a armadilha que nos criaram: temos boa parte da população pendurada no Orçamento da União e políticos ficam pensando em o que fazer para conquistar estes votos", afirmou.

No mesmo sentido, Mansueto Almeida avalia que uma das dificuldades da implementação do ajuste fiscal é o fato de ser difícil conseguir aprovação política para adotar medidas impopulares.

"O dilema é que as pessoas querem mais serviço público, com mais qualidade. Mas, na prática, isso significa mais gastos", explicou. Por isso, a parte do ajuste fiscal que o governo conseguiu implementar até o momento é concentrada especificamente sobre os investimentos.

Sistema tributário

Na mesma linha, o secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Renato Villela, também presente ao evento, afirmou que só é possível avançar de maneira eficiente na redução da carga fiscal e no sentido da organização do sistema tributário se houver redução do gasto público não financeiro do Estado brasileiro.

"Nosso setor público foi desenhado ao longo das décadas para gastar muito, gastar mal e gerar oportunidades de ações corruptas, como as que estamos vendo no noticiário todos os dias", afirmou.

Segundo ele, o Estado arrecada o que é necessário para cumprir com os direitos garantidos pela Constituição de 1988. "A carga tributária no Brasil é apenas sintoma de um mal maior, que é o tamanho do Estado que se tem", disse.

De acordo com o secretário, economistas fazem diagnósticos precisos e corretos sobre o problema da estrutura do Fisco no País. Porém, ele ressaltou, é necessário conhecer também as causas que levam o sistema brasileiro a ser um "Frankenstein", com várias distorções. "A causa é um disfunção da nossa Federação e do setor público brasileiro", resumiu.

Na avaliação de Bernard Appy, diretor de políticas públicas e tributação da LCA Consultores, para quem o Brasil tem uma das piores legislações tributárias do mundo, estas distorções têm relação também com a enorme complexidade da carga tributária, especialmente de tributos indiretos sobre bens e serviços, além da falta de transparência sobre incidência dos impostos. "Acho que no Brasil há motivo suficiente para reformar o sistema tributário em geral, não só no caso de impostos indiretos. Vamos precisar de mudanças significativas neste sentido para a economia poder crescer", afirmou.

O analista da LCA destacou ainda que a lógica tributária brasileira faz a estrutura produtiva se organizar de forma completamente irracional, devido a incentivos da guerra fiscal travada entre os Estados. "As perdas com a menor produtividade chegam a 5% a 10% do PIB (Produto Interno Bruto)", afirmou. Segundo ele, o que incentiva o ambiente de competição entre os Estados por oferecer benefícios fiscais para atrair empresas é o fato de a cobrança do ICMS ser feita na origem, transformando-o em um imposto sobre tributação de produção.

O especialista ressaltou ainda que o momento econômico atual é ruim para se realizar uma reforma tributaria. "Uma mudança ideal deveria ser feita em um momento com espaço fiscal para que, no agregado, haja redução da carga tributária", disse. Outro ponto negativo do atual período para uma mudança na cobrança de impostos é a falta de recursos por parte da União para honrar a compensação aos Estados. Além disso, ponderou, há o risco de boas propostas serem distorcidas durante os debates no Congresso.

Já Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e consultor tributário, avalia que entre os erros recorrentes ao se pensar na reforma tributária está a prática de grupos buscarem mudanças para atender determinados interesses, em vez de privilegiar soluções estratégicas mais abrangentes. "Outro erro recorrente é se fazer a transposição acrítica de modelos estrangeiros, o que reflete um pouco a síndrome de vira-lata no Brasil", opinou. O especialista afirmou ainda que reforma tributaria é um processo permanente, porque os modelos tributários são, todos, imperfeitos, exatamente por se tratarem de jogos de interesse.

Repatriação de recursos

Uma das alternativas defendidas por tributaristas para elevar a arrecadação via cobrança de impostos é a repatriação de recursos do exterior, ação que já foi proposta pela equipe econômica. Os professores de direito tributário da USP Luís Eduardo Schoueri e Heleno Tôrres, também presentes ao evento, destacaram o fato de a atual proposta em discussão só permitir que sejam regularizados recursos obtidos legalmente, e não aqueles relacionados a corrupção, narcotráfico ou terrorismo, por exemplo. A proposta prevê ainda o pagamento de taxa e multa equivalentes a 35% o total repatriado.

Schoueri destacou que é necessário haver a anistia dos crimes financeiros que foram cometidos por quem tem contas irregulares no exterior para viabilizar a repatriação de tais recursos de maneira voluntária. "Há muitos recursos lá fora que não são de lavagem de dinheiro, de corrupção, de nada disso. Então, essa situação precisa ser regularizada", afirmou.

Tôrres citou ainda o fato de que, até 2018, a maioria dos países integrará um programa internacional de compartilhamento de dados bancários de seus habitantes. Desta forma, será possível identificar quem tem quantias no exterior de maneira ilegal. Segundo ele, os próprios bancos internacionais estão aderindo à iniciativa e avaliam que será feito uma espécie de "regularização forçada" neste horizonte de tempo. "Com essa regularização, estes recursos passariam a fazer parte da base tributária brasileira, independentemente de onde o montante foi movimentado. A arrecadação não será só na taxação de 35%", afirmou.

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