Economia

Essencial, mas substituível: como economistas veem situação de Guedes

Novo programa da Exame Research, Questão Macro vai ao ar todas as quartas-feiras, às 13h30; assista ao primeiro episódio

Paulo Guedes (Mauro Pimentel/AFP/AFP)

Paulo Guedes (Mauro Pimentel/AFP/AFP)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 26 de agosto de 2020 às 14h41.

Última atualização em 27 de agosto de 2020 às 20h51.

Os rumos que as políticas sociais e fiscais vem tomando no governo Bolsonaro esbarram com frequência numa pergunta ainda sem resposta: o ministro da Economia, Paulo Guedes, sai ou fica?

Para além das dificuldades que Guedes deve ter tido para deixar de lado sua cartilha liberal em meio à pandemia, o grande desafio que se impõe é a falta de harmonia com algo que talvez seja o "novo normal" dentro do governo.

O ministro vem perdendo força dentro de seu ministério, enquanto outras pastas, como é o caso da liderada pelo ministro do desenvolvimento, Rogério Marinho, ganharam mais importância, na avaliação de Álvaro Frasson, economista do BTG Pactual digital:

"Guedes ainda é um nome forte, mas seu status saiu de insubstituível para talvez substituível. O próprio presidente já combate algumas de suas ideias", diz o economista no primeiro episódio do Questão Macro, novo programa da Exame Research

"Ha uma semana, essa dúvida parecia ter sido resolvida, agora, volta a aparecer. Então, a probabilidade de ele não ficar até o fim existe. Mas por quanto tempo? As discussões sobre orçamento só devem piorar no ano que vem", diz Arthur Mota, economista da casa de análise.

O nome do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de quem o mercado gosta, foi aventado como possível substituto do posto Ipiranga de Bolsonaro nos últimos dias para testar a reação dos agentes, segundo ele. Neto chegou a se posicionar, dizendo que não havia recebido convite algum.

No entanto, o movimento provou um ponto: "O mercado trata o Guedes como essencial, mas não indispensável", diz Frasson. 

Os especialistas farão parte do Questão Macro todas as quartas-feiras, ao lado da jornalista Fabiane Stefano. As conversas são transmitidas ao vivo pelo Youtube, às 13h30.

Os desentendimentos dento do governo começaram a vir a tona em abril, quando uma versão inicial do Pró-Brasil, plano do governo para a retomada da economia, foi apresentado.

O pacote era todo voltado a obras de infraestrutura, respeitando a visão de uma ala governista a favor de estimular o crescimento a partir de gastos públicos. Guedes chegou a dizer queo projeto lembrava o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado durante a gestão Dilma Rousseff.

O dilema do presidente

Vivendo seu melhor momento de popularidade, Bolsonaro tem consciência da influência do auxílio emergencial de R$ 600 nas pesquisas de opinião. Desta forma, vai tentar continuar colhendo esses frutos com o Renda Brasil, substituto do Bolsa Família que passa por um imbróglio para ser lançado.

Inicialmente, seria anunciado na terça-feira, dentro de um pacote maior, o Pró-Brasil reformulado, com medidas de estímulo e ferramentas de controle fiscal. Mas desentendimentos em relação ao valor das parcelas e aos programas que seriam extintos para dar lugar ao novo estão atrasando sua conclusão.

"O presidente está vivendo um dilema. O corona voucher foi muito bom politicamente, e, agora, ele quer o Renda Brasil, mas como ele vai implementar um novo programa, sem abrir mão de outros?", diz Frasson. 

A proposta da equipe econômica para viabilizar o Renda Brasil passa pela extinção do abono salarial, do salário-família e do seguro defeso, pago a pescadores no período de reprodução dos peixes.

Só o abono custa por ano R$ 17,6 bilhões aos cofres públicos, diferentemente do seguro-defeso, com custo de R$ 2,5 bilhões, lembra Frasson.

Bolsonaro quer que o valor das parcelas fique próximo a R$ 300 e não quer a abrir mão do abono salarial. O valor sugerido por Guedes é fica mais próximo dos R$ 250. "O desejo do presidente tem um custo alto. Essa conta não fecha", diz Mota.

"Considerando o aumento de beneficiários dos atuais 14 milhões para 20 milhões, mais as parcelas maiores, o programa pode chega a R$ 72 bilhões ao ano, R$ 40 bilhões acima do Bolsa Família atual. Se juntássemos todos os programas sociais que estão sendo considerados, essa conta ficaria próxima de fechar, mas ainda ficaria faltando", diz.

Se por um lado, o plano pró-gasto faz crescer a popularidade do presidente, de outro, preocupa investidores e aumenta as incertezas sobre o cenário fiscal no médio prazo.

O aumento do risco fiscal é visto com mais clareza desde o início de agosto, tanto na ponta mais longa da curva de juros, quanto na Bolsa de Valores, destacam os economistas. "Se o caminho escolhido para o Renda Brasil for ampliação sem contrapartidas, acabou o teto de gastos", diz Frasson.

O risco não se concentra nesse projeto, segundo o economista. Há também a desoneraçao da folha para trabaçhadores de baixa renda, que Guedes prometeu ao setor de serviços, que terá um aumento de carga tributária considerável com a reforma. "Uma eventual desoneração custaria R$ 80 bilhões ao ano. A criação de um imposto sobre pagamentos, sozinha, resolveria? O mercado está olhando com muita tensão tanto para a questão fiscal quando para a política", diz Frasson. 

Assista ao vídeo completo:

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Sobre os apresentadores:

Álvaro Frasson é economista do BTG Pactual digital, mestre em economia aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bacharel em economia pela Universidade do Estado de Santa Catarina e analista de investimentos certificado pela Apimec/CNPI. Possui mais de dez anos de experiência, tanto em análise macro quanto em análise de mercados e ações.

Arthur Mota tem mais de oito anos de experiência em macroeconomia, tendo acompanhado e avaliado a evolução da política econômica brasileira e dos principais países do mundo desde a última grande crise. Atuou no setor bancário e em instituição de classe, com foco no acompanhamento diário da atividade econômica e na construção de cenários. É mestre em economia aplicada pela Universidade de São Paulo e bacharel em economia pela Universidade Federal de São Paulo.

Fabiane Stefano é editora de macroeconomia da Exame. Com mais de 15 anos de experiência em jornalismo, cobre temas como economia, política, gestão pública e negócios. Graduada pela Universidade Estadual Paulista e com mestrado pela Universidade Estadual de Campinas, foi pesquisadora visitante da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

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