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Como combater a pobreza? Enviando dinheiro pelo celular

Esta é a ideia por trás da GiveDirectly, ONG criada por estudantes de Harvard e do MIT e que venceu prêmio do Google em 2013; veja a entrevista com o fundador

Mulher mostra quantia que recebeu pelo telefone: tecnologia permite novas formas de doação (Divulgação/GiveDirectly)

João Pedro Caleiro

Publicado em 19 de fevereiro de 2014 às 15h49.

São Paulo – Como combater a pobreza na África ? Enviando dinheiro para o celular dos mais pobres.

Foi com esta ideia simples e radical que a GiveDirectly ganhou US$ 2,5 milhões do prêmio de Impacto Global do Google no ano passado.

O esquema funciona da seguinte forma: primeiro, a ONG identifica as vilas e famílias mais pobres do Quênia e Uganda e anota o número de telefone delas - até dando um aparelho, se necessário.

Depois, é feita uma transferência de até 800 dólares, uma fortuna para padrões locais. O destinatário recebe um aviso por SMS e só precisa retirar o dinheiro com o agente local da companhia telefônica.

Como a infraestrutura de bancos e da telefonia fixa é muito ruim, o sistema de pagamento via celular é surpreendentemente desenvolvido mesmo em regiões remotas da África.

Os resultados são animadores, com queda da fome, acumulação de ativos e aumento da renda mesmo anos depois da transferência.

A GiveDirectly foi fundada em 2008 por 4 colegas de Harvard e do MIT e conta hoje com 30 funcionários, a maioria na África. Do escritório central em Nova York, o fundador e presidente Michael Faye conversou por telefone com EXAME.com:

EXAME.com – De onde veio a ideia para a GiveDirectly?

Michael Faye – Estava fazendo um PhD em Desenvolvimento Econômico em Harvard quando comecei a conversar com colegas sobre para onde deveríamos mandar nossas doações. Acabamos percebendo duas coisas: a primeira era que as transferências diretas de dinheiro, que parecem contra-intuitivas para muita gente, são na verdade uma das intervenções com mais evidências de sucesso e uma década de experiência acumulada, incluindo o Oportunidades no México e o Bolsa Família no Brasil.

A segunda é que a tecnologia do pagamento mobile permitiu que esas transferências ganhassem escala, quando historicamente elas foram bastante difíceis. Não é fácil identificar os extremamente pobres, inscrevê-los no programa e garantir que o dinheiro chegue sem vazamentos. Muitos programas na África e na Ásia estavam mandando cédulas pelo correio, por exemplo. A tecnologia mudou isso.

Foi então que construímos um sistema que basicamente liga duas pontas para levar dinheiro de um doador – pode ser meus pais, o governo local, ou quem quer que seja – para os mais pobres.

EXAME.com – E qual foi a reação quando vocês começaram a sugerir esta ideia?

Faye – Muitas pessoas apoiaram, o que pode parecer surpreendente, mas é que uma boa parte já tinha boas referências dos programas de transferência. Nós não somos os primeiros a fazer isso: somos os primeiros a construir uma organização dedicada só para isso, e da forma mais eficiente, segura e transparente possível. Claro que também houveram preocupações: uma das mais comuns era que os pobres iriam simplesmente torrar o dinheiro com bebida.


EXAME.com – Vocês tem algum controle de como as pessoas estão usando o dinheiro?

Faye – Sim. Tivemos um avaliador externo, chamado Innovations for Poverty Action, que conduziu um estudo comparando áreas semelhantes com e sem intervenção. Nós anunciamos a avaliação antes dela ser feita – algo que foi motivo de orgulho entre nós, porque desse jeito seria impossível esconder os resultados mesmo que eles não fossem positivos.

EXAME.com – Você tem exemplos dos resultados práticos e do que as pessoas fizeram com o dinheiro?

Faye – A renda e a segurança alimentar aumentaram e houve uma queda também nos níveis de stress e de violência doméstica. Uma das coisas inesperadas que as pessoas fizeram foi comprar telhados de lata. Telhados de palha tendem a queimar, vazar e cair - e saem mais caros no longo prazo, porque você precisa trocá-los várias vezes por ano.

Já os telhados de lata duram de 20 a 30 anos e eliminam essa necessidade, além de permitirem às casas coletar água potável durante a estação chuvosa. Podem até ajudar a diminuir a malária. O mais curioso desse exemplo é que ninguém estava pensando em troca de tetos além dos próprios pobres.

EXAME.com – Como você compara esse tipo de intervenção com “tranferências condicionais”, como o Bolsa Família, com exigências de vacinação e de matrícula das crianças na escola?

Faye – Incluir uma condição em um programa desses custa mais caro, porque você precisa monitorar se ela está sendo cumprida. Então a pergunta é: estes custos adicionais valem a pena? Ainda precisamos de mais pesquisas, mas alguns trabalhos recentes apontam que o impacto de programas sem condições é muito similar ao dos programas com condições. Em outras palavras: com condições, você consegue um impacto similar com custos bem mais altos.

Por outro lado, programas condicionais tem a vantagem de serem mais palatáveis politicamente. Vimos casos em que os programas escolhiam critérios como matrícula na escola, por exemplo, que já eram cumpridos pela larga maioria da população.

EXAME.com – Você acha que essa questão da eficiência foi um ponto de interesse para os doadores? O esquema de ajuda internacional gera esta percepção de que o dinheiro se perde na estrutura e nem chega nos destinatários.

Faye – Sim. Não é que o dinheiro esteja sendo desperdiçado, e sim que é muito complicado acompanhar para onde ele vai. É difícil para uma ONG dizer: se você me der 100 dólares, 17 vão para esse programa de educação, 20 vão para a equipe, etc. Eles simplesmente não podem te dar este nível de transparência porque há muitos intermediários: a organização dá este dinheiro para outra organização, que dá para outra, até que fique impossível rastrear esse dinheiro.


EXAME.com – Como o esquema da GiveDirectly funciona? Vocês dão uma doação única maior ou várias de menores quantidades?

Faye – Tentamos das duas formas e descobrimos que os destinatários geralmente preferem as doações maiores, mas o impacto geral é similar. Atualmente, eles recebem duas doações grandes ao longo de um ano, e é isso. Não é para sempre. Mas vamos continuar experimentando e aprendendo. Por exemplo: e se nós mandássemos mais dinheiro por um período maior, mas para menos pessoas? Quanto dinheiro dar? Com que frequência? Quem decide o calendário? Há sempre mais perguntas e estaremos sempre inovando, como faria qualquer companhia de software.

EXAME.com – Isso não causa dependência? Como você responderia ao argumento de que isso não faz nada em relação às questões estruturais da pobreza?

Faye – Transferências de dinheiro foram avaliadas por um período mais longo do que a maioria das outras intervenções para o desenvolvimento, e a evidência mostra que ela causa o oposto da dependência. As pessoas não só continuam a ter um nível maior de renda, mas também parecem estar trabalhando mais e não menos do que estariam sem as transferências.

EXAME.com – A GiveDirectly está centrada em uma ideia simples mas controversa. Você considera que está fazendo algo radical ou que é apenas bom senso?

Faye – Os dois. É radical dado o ambiente atual, mas também é bom senso, que por si só é bom mas não serve de muita coisa sem a evidência. São os resultados concretos que fazem disso algo especial.

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São Paulo – Como combater a pobreza na África ? Enviando dinheiro para o celular dos mais pobres.

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Depois, é feita uma transferência de até 800 dólares, uma fortuna para padrões locais. O destinatário recebe um aviso por SMS e só precisa retirar o dinheiro com o agente local da companhia telefônica.

Como a infraestrutura de bancos e da telefonia fixa é muito ruim, o sistema de pagamento via celular é surpreendentemente desenvolvido mesmo em regiões remotas da África.

Os resultados são animadores, com queda da fome, acumulação de ativos e aumento da renda mesmo anos depois da transferência.

A GiveDirectly foi fundada em 2008 por 4 colegas de Harvard e do MIT e conta hoje com 30 funcionários, a maioria na África. Do escritório central em Nova York, o fundador e presidente Michael Faye conversou por telefone com EXAME.com:

EXAME.com – De onde veio a ideia para a GiveDirectly?

Michael Faye – Estava fazendo um PhD em Desenvolvimento Econômico em Harvard quando comecei a conversar com colegas sobre para onde deveríamos mandar nossas doações. Acabamos percebendo duas coisas: a primeira era que as transferências diretas de dinheiro, que parecem contra-intuitivas para muita gente, são na verdade uma das intervenções com mais evidências de sucesso e uma década de experiência acumulada, incluindo o Oportunidades no México e o Bolsa Família no Brasil.

A segunda é que a tecnologia do pagamento mobile permitiu que esas transferências ganhassem escala, quando historicamente elas foram bastante difíceis. Não é fácil identificar os extremamente pobres, inscrevê-los no programa e garantir que o dinheiro chegue sem vazamentos. Muitos programas na África e na Ásia estavam mandando cédulas pelo correio, por exemplo. A tecnologia mudou isso.

Foi então que construímos um sistema que basicamente liga duas pontas para levar dinheiro de um doador – pode ser meus pais, o governo local, ou quem quer que seja – para os mais pobres.

EXAME.com – E qual foi a reação quando vocês começaram a sugerir esta ideia?

Faye – Muitas pessoas apoiaram, o que pode parecer surpreendente, mas é que uma boa parte já tinha boas referências dos programas de transferência. Nós não somos os primeiros a fazer isso: somos os primeiros a construir uma organização dedicada só para isso, e da forma mais eficiente, segura e transparente possível. Claro que também houveram preocupações: uma das mais comuns era que os pobres iriam simplesmente torrar o dinheiro com bebida.


EXAME.com – Vocês tem algum controle de como as pessoas estão usando o dinheiro?

Faye – Sim. Tivemos um avaliador externo, chamado Innovations for Poverty Action, que conduziu um estudo comparando áreas semelhantes com e sem intervenção. Nós anunciamos a avaliação antes dela ser feita – algo que foi motivo de orgulho entre nós, porque desse jeito seria impossível esconder os resultados mesmo que eles não fossem positivos.

EXAME.com – Você tem exemplos dos resultados práticos e do que as pessoas fizeram com o dinheiro?

Faye – A renda e a segurança alimentar aumentaram e houve uma queda também nos níveis de stress e de violência doméstica. Uma das coisas inesperadas que as pessoas fizeram foi comprar telhados de lata. Telhados de palha tendem a queimar, vazar e cair - e saem mais caros no longo prazo, porque você precisa trocá-los várias vezes por ano.

Já os telhados de lata duram de 20 a 30 anos e eliminam essa necessidade, além de permitirem às casas coletar água potável durante a estação chuvosa. Podem até ajudar a diminuir a malária. O mais curioso desse exemplo é que ninguém estava pensando em troca de tetos além dos próprios pobres.

EXAME.com – Como você compara esse tipo de intervenção com “tranferências condicionais”, como o Bolsa Família, com exigências de vacinação e de matrícula das crianças na escola?

Faye – Incluir uma condição em um programa desses custa mais caro, porque você precisa monitorar se ela está sendo cumprida. Então a pergunta é: estes custos adicionais valem a pena? Ainda precisamos de mais pesquisas, mas alguns trabalhos recentes apontam que o impacto de programas sem condições é muito similar ao dos programas com condições. Em outras palavras: com condições, você consegue um impacto similar com custos bem mais altos.

Por outro lado, programas condicionais tem a vantagem de serem mais palatáveis politicamente. Vimos casos em que os programas escolhiam critérios como matrícula na escola, por exemplo, que já eram cumpridos pela larga maioria da população.

EXAME.com – Você acha que essa questão da eficiência foi um ponto de interesse para os doadores? O esquema de ajuda internacional gera esta percepção de que o dinheiro se perde na estrutura e nem chega nos destinatários.

Faye – Sim. Não é que o dinheiro esteja sendo desperdiçado, e sim que é muito complicado acompanhar para onde ele vai. É difícil para uma ONG dizer: se você me der 100 dólares, 17 vão para esse programa de educação, 20 vão para a equipe, etc. Eles simplesmente não podem te dar este nível de transparência porque há muitos intermediários: a organização dá este dinheiro para outra organização, que dá para outra, até que fique impossível rastrear esse dinheiro.


EXAME.com – Como o esquema da GiveDirectly funciona? Vocês dão uma doação única maior ou várias de menores quantidades?

Faye – Tentamos das duas formas e descobrimos que os destinatários geralmente preferem as doações maiores, mas o impacto geral é similar. Atualmente, eles recebem duas doações grandes ao longo de um ano, e é isso. Não é para sempre. Mas vamos continuar experimentando e aprendendo. Por exemplo: e se nós mandássemos mais dinheiro por um período maior, mas para menos pessoas? Quanto dinheiro dar? Com que frequência? Quem decide o calendário? Há sempre mais perguntas e estaremos sempre inovando, como faria qualquer companhia de software.

EXAME.com – Isso não causa dependência? Como você responderia ao argumento de que isso não faz nada em relação às questões estruturais da pobreza?

Faye – Transferências de dinheiro foram avaliadas por um período mais longo do que a maioria das outras intervenções para o desenvolvimento, e a evidência mostra que ela causa o oposto da dependência. As pessoas não só continuam a ter um nível maior de renda, mas também parecem estar trabalhando mais e não menos do que estariam sem as transferências.

EXAME.com – A GiveDirectly está centrada em uma ideia simples mas controversa. Você considera que está fazendo algo radical ou que é apenas bom senso?

Faye – Os dois. É radical dado o ambiente atual, mas também é bom senso, que por si só é bom mas não serve de muita coisa sem a evidência. São os resultados concretos que fazem disso algo especial.

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