Economia

Entrevista completa com Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobras

Leia a entrevista completa que Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobras, concedeu a EXAME: EXAME: Quais são os maiores problemas hoje do setor elétrico? Luiz Pinguelli Rosa: O setor está muito pior do que eu pensava. A questão macro já era conhecida - problemas elétricos-energéticos que levaram ao apagão de 2001 e depois ao paradoxal […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h53.

Leia a entrevista completa que Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobras, concedeu a EXAME:

EXAME: Quais são os maiores problemas hoje do setor elétrico?

Luiz Pinguelli Rosa: O setor está muito pior do que eu pensava. A questão macro já era conhecida - problemas elétricos-energéticos que levaram ao apagão de 2001 e depois ao paradoxal excesso de energia que nós temos hoje. O sistema está desequilibrado, mal regulado. Não há planejamento. Um país hidrelétrico tem que levar em conta os caprichos da natureza, que tem de ser bem utilizada. O modelo que está aí desmantelou tudo. Sabíamos que o planejamento da parte elétrica e energética havia sido deixado de lado. O que a gente descobriu agora é que a situação micro econômica de várias empresas elétricas também é muito grave. O caso pior é o da controladora da Eletropaulo, que deu calote no BNDES. Mas também há o caso da Cemar, a companhia do Maranhão que está sob intervenção da Aneel, fora o caso de tantas outras distribuidoras com graves problemas financeiros. Isso tudo reflete no setor estatal que é o responsável pela geração e transmissão.

EXAME: E o que fazer?

Rosa: A situação micro econômica tem de mudar radicalmente. Nosso papel na Eletrobras hoje - do ponto de vista empresarial - é fazer um diagnóstico para sanear o setor. O setor está comprometido não só fisicamente, mas também financeiramente. Nossa idéia é criar um novo modelo.

EXAME: E o caso da Eletropaulo, controlada pela americana AES, que entrou em default técnico, como será tratado?

Rosa: Este é um caso diferente. A AES é a única empresa que não se enquadra nos planos do governo de renegociação da dívida. A empresa deve 1,2 bilhão de dólares ao BNDES e tem até o dia 3 de março para pagar parte da dívida. Seus executivos nos Estados Unidos afirmaram, durante o anúncio do balanço, no começo de fevereiro, que não colocariam mais dinheiro na Eletropaulo para pagar as dívidas gigantescas. Então, o governo brasileiro decidiu endurecer nesse caso.

EXAME: E o que se pretende fazer?

Rosa: Não seremos condescendentes com a AES. Se a empresa não pagar o que deve dentro do prazo legal, o banco irá executar as garantias. Isso significa que, a partir desta data, a empresa pode ser retomada pelo governo e passar para a responsabilidade da Eletrobras até que seja encontrada uma saída.

EXAME: E de que forma seria essa retomada? Uma intervenção ou a federalização da empresa?

Rosa: Isto ainda não está definido. Mas não há mais o que negociar com a AES. Eles têm de pagar o que devem. A AES simplesmente se recusa a pagar a dívida. Seus executivos já colocaram no balanço da holding americana que não destinarão um centavo para pagar a dívida brasileira. Isso é inaceitável. Esse problema está acontecendo porque o governo passado fez contratos muito frágeis, que dão margem às empresas de postergarem suas dívidas já que a execução é muito difícil. Principalmente porque a dona da Eletropaulo no Brasil não é exatamente a AES, mas uma empresa de propósito específico, cuja sede fica em um paraíso fiscal. Quem assinou esses contratos do lado do Brasil se colocou contra o país, contra o Tesouro, contra o bem público.

EXAME: Não há o risco de os investidores temerem que, a partir daí, todo o setor possa ser reestatizado?

Rosa: Não há qualquer intenção do governo em reestatizar empresas privatizadas. Foi isso que disse aos investidores estrangeiros em viagens à Europa e Estados Unidos, nas últimas semanas. Nós queremos que os investidores venham para o Brasil. No entanto, no caso da Eletropaulo, o governo não tem outra saída senão intervir na empresa, caso as dívidas não sejam pagas. Eles estão agindo de má fé. A reestatização nesse caso, se vier a ocorrer, será por moralidade. Uma coisa é uma empresa não ter condições de pagar mas se dispor a negociar. Nesses casos, o governo estará disposto a rever as dívidas. Outra é a empresa simplesmente se recusar a pagar.

EXAME: Quais as medidas que o governo pretende adotar para resolver o problema do setor elétrico como um todo? Qual seria o novo modelo para o setor?

Rosa: Há um grupo de trabalho no Ministério de Minas e Energia e na Eletrobras estudando esse novo modelo e temos um prazo de 150 dias para apresentar uma solução para o setor. Nosso papel aqui é o da empresa. Vemos do nosso ângulo porque geramos a energia do Brasil e temos a responsabilidade da expansão da oferta com o orçamento muito limitado. Esse é um ano em que há energia em excesso. Mas isso é momentâneo. Não se estrutura o setor elétrico contando com o fator sorte das chuvas. Da forma como está o setor, se não chover corremos o risco de novo racionamento.

EXAME: Isso poderia ocorrer ainda este ano?

Rosa: Não, mas já há problemas localizados. Manaus, por exemplo, já está com problemas. Mas no país como um todo, não.

EXAME: O que pode gerar esse racionamento?

Rosa:: Falta de investimentos novos. Eu estive com a EDF na França. Eles manifestaram dúvida de continuar os projetos termelétricos no país, entre os quais a usina de Paracambi. Os projetos termoelétricos são importantes porque eles suprem o país de energia quando a falta de chuvas afeta as usinas hidrelétricas. A questão é que os investidores em usinas térmicas precisam ser remunerados para tocar esses projetos. Da maneira como está hoje o setor, quando se desliga uma térmica - porque há excesso de chuvas e sobra de energia nas usinas hidrelétricas - o investimento deixa de ser remunerado. É preciso que haja investimentos em usinas térmicas porque elas são necessárias para a segurança do sistema. Seja para proteger o sistema ou para preparar para uma demanda que vai vir daqui a dois anos. Isso porque não há tempo para fazer uma usina em dois anos - mas a usina de hoje vai garantir que haja energia lá na frente. No entanto, a empresa não pode quebrar esperando pelo consumo de energia que se dará nos próximos dois anos.

EXAME: O que está dificultando esses investimentos em geração?

Rosa: Regras equivocadas. Para se ter uma idéia, o valor da energia no mercado atacadista hoje é de 4 reais o megawatt/hora. As geradoras estão vendendo energia a 4 reais megawatt/hora. Só que essa energia é gerada a um custo muito maior. Em 2001, a energia no MAE chegou a valer 680 reais. O mercado de energia não pode ficar à mercê da especulação. Isso afugenta os investidores.

EXAME: E já existe alguma proposta do governo para evitar essas oscilações no MAE?

Rosa: Uma das idéias é o pool que concentraria a compra de energia de todas as empresas. O pool é uma maneira de ter toda a energia a vários custos, vendida a um sistema. Esse sistema poderia ser controlado por uma empresa, como a Eletrobrás, ou uma organização, tipo NOS, que compraria ou venderia a energia para as distribuidoras a um preço médio. Haveria preços variados que o pool pudesse absorver e distribuir a um preço médio. Essa é uma maneira de fazer com que não haja uma usina não remunerada. É uma idéia em estudo.

EXAME: E não pode haver reclamação de empresas mais competitivas que se sintam prejudicadas nesse pool?

Rosa: O pool só faz sentido com planejamento. Não se pode remunerar uma usina inútil. Só entra no pool se for previsto um planejamento da demanda futura. Pretendemos usar um modelo desenvolvido na Coppe de previsão de mercado para esse fim.

EXAME: Por que atualmente há tanta distorção no MAE?

Rosa: O mercado atacadista de energia elétrica funciona como se comercializasse chuchu. Quando o chuchu fica escasso, o preço sobe e o comprador se quiser paga ou não compra o chuchu. A idéia do MAE funcionou assim. Quando a energia foi escassa subiu excessivamente o preço, ficou um valor absurdo, especulativo, de 680 reais megawat/hora durante o apagão. Enquanto o consumidor fazia sacrifícios, alguns ganhavam dinheiro no MAE. O que a gente economizava teve empresa que vendeu caro. Tem empresa que hoje tem contratos que dão prejuízos porque vendem energia abaixo do custo. Furnas é uma das melhores empresas do setor elétrico. Compra energia de uma empresa de Cuiabá a um preço alto. Da argentina também. O modelo que se colocou na empresa foi esse. A Petrobras fez usinas térmicas que estão dando prejuízo. A AES e EDF estão dando prejuízo. O governo anterior conseguiu o milagre de criar um modelo que prejudicou a todo mundo. Principalmente o consumidor que ficou sem energia. Nossa tarefa hoje é resolver isso.

EXAME: Qual a sua maior crítica ao modelo?

Rosa: Não tinha planejamento. Não se investiu durante muito tempo em geração porque havia água nos reservatórios das usinas. Só que eles foram sendo esvaziados progressivamente. De repente faltou luz e os investidores investiram às pressas em usinas que quando ficaram prontas já não eram mais necessárias porque o apagão induziu a uma redução do consumo.

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