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Ele já perdeu

Qualquer que seja o desfecho de seu caso, José Sarney vai deixar uma biografia com manobras para empregar parentes, conduzir dinheiro público a organizações privadas e receber privilégios

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Da Redação

Publicado em 18 de março de 2010 às 13h50.

A um certo momento, no decorrer do ano passado, o senador José Sarney teve uma das piores ideias da sua vida. Numa situação em que poderia caminhar para um discreto fechamento de seus 50 anos de atividade política, decidiu concorrer à presidência do Senado Federal, num ambiente de conflito e de rancores, e no início deste ano o desastre aconteceu: ganhou a disputa. Desde então, entrou numa máquina de moer carne que hoje, seis meses depois, acabou por transformá-lo numa espécie de picadinho -- ou numa construção demolida que nada mais, a esta altura, parece capaz de colocar outra vez de pé. Pouco após assumir a presidência da casa, em fevereiro, Sarney viu-se no centro de uma fuzilaria permanente de denúncias que vêm causando espanto até para os padrões de conduta do Senado brasileiro -- e que, ao contrário do que em geral acontece por ali, teve a perversa particularidade de ir ficando cada vez mais feia com o passar do tempo. O resultado é que ele está metido, agora, naquilo que se costuma descrever como uma "no win situation". Ou seja: acaba perdendo seja lá qual for o desfecho dessa triste, paupérrima batalha final de sua longa trajetória como homem público. Será uma derrota, obviamente, se tiver de deixar a presidência ou o Senado. Será uma derrota, talvez maior ainda, se ficar. Nesse caso, terá de continuar se arrastando sob uma nuvem de descrédito, reprovação e humilhações até o final do seu mandato -- apoiado apenas pela banda identificada com aquilo que existe de pior na política brasileira.

É bem possível que não precisasse ser assim. José Sarney, é verdade, não foi um presidente da República particularmente benquisto. Quando assumiu o cargo, em 1985, o homem que a população queria ver ali era Tancredo Neves, e não o seu vice. Quando deixou a Presidência, cinco anos depois, a situação não estava notavelmente diferente. Entre um momento e outro, chefiou um governo de tolerância política e desordem econômica, imortalizado por índices de inflação que hoje parecem incompreensíveis. De lá para cá, entretanto, o tempo foi diluindo as más lembranças, e o esquecimento, como frequentemente acontece, exerceu as suas propriedades de cicatrização. Nesse período, Sarney exerceu por duas outras vezes a presidência do Senado; não fez nada muito diferente do que vinha fazendo neste seu terceiro mandato, mas não provocou maiores reações. Chegou, até mesmo, a atrair um razoável reconhecimento como homem de diálogo, capaz de fazer política nacional sem transformar adversários em inimigos, habilidoso, realista e prudente no período de transição entre o regime militar e a democracia. Ajudou-o, também, o fato de ser, do ponto de vista cultural, um personagem muito acima do nível em que está a vasta maioria dos políticos brasileiros. Sarney conhece literatura. Conhece história. Conhece museus. Escreve artigos que se podem ler com interesse na Folha de S.Paulo. Está perfeitamente à vontade em qualquer conversa com gente civilizada e inteligente. Entre débitos e créditos, em suma, iria encerrar sua carreira em relativo sossego.

Desde que sentou pela terceira vez na cadeira de presidente do Senado, tudo foi para o espaço. A biografia que vai deixar, aos olhos do público, é a de um personagem cujo horizonte se limita a manobras para empregar parentes, conduzir dinheiro público rumo a organizações privadas e beneficiar-se de privilégios miúdos. A imagem que fica é a que foi exibida nos últimos seis meses: familiares indiciados por crime de quadrilha, bens não declarados, atos secretos, dívidas com empresas estatais, contas reprovadas, uma dúzia de acusações no Conselho de Ética do Senado. Nada do que foi tentado em seu favor funcionou: nem o extravagante apoio do presidente da República, nem a "tropa de choque", nem o recesso, nem as ameaças aos adversários, nem os discursos para jogar a culpa na "mídia". Tudo o que se conseguiu foi tornar as coisas ainda piores.

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A um certo momento, no decorrer do ano passado, o senador José Sarney teve uma das piores ideias da sua vida. Numa situação em que poderia caminhar para um discreto fechamento de seus 50 anos de atividade política, decidiu concorrer à presidência do Senado Federal, num ambiente de conflito e de rancores, e no início deste ano o desastre aconteceu: ganhou a disputa. Desde então, entrou numa máquina de moer carne que hoje, seis meses depois, acabou por transformá-lo numa espécie de picadinho -- ou numa construção demolida que nada mais, a esta altura, parece capaz de colocar outra vez de pé. Pouco após assumir a presidência da casa, em fevereiro, Sarney viu-se no centro de uma fuzilaria permanente de denúncias que vêm causando espanto até para os padrões de conduta do Senado brasileiro -- e que, ao contrário do que em geral acontece por ali, teve a perversa particularidade de ir ficando cada vez mais feia com o passar do tempo. O resultado é que ele está metido, agora, naquilo que se costuma descrever como uma "no win situation". Ou seja: acaba perdendo seja lá qual for o desfecho dessa triste, paupérrima batalha final de sua longa trajetória como homem público. Será uma derrota, obviamente, se tiver de deixar a presidência ou o Senado. Será uma derrota, talvez maior ainda, se ficar. Nesse caso, terá de continuar se arrastando sob uma nuvem de descrédito, reprovação e humilhações até o final do seu mandato -- apoiado apenas pela banda identificada com aquilo que existe de pior na política brasileira.

É bem possível que não precisasse ser assim. José Sarney, é verdade, não foi um presidente da República particularmente benquisto. Quando assumiu o cargo, em 1985, o homem que a população queria ver ali era Tancredo Neves, e não o seu vice. Quando deixou a Presidência, cinco anos depois, a situação não estava notavelmente diferente. Entre um momento e outro, chefiou um governo de tolerância política e desordem econômica, imortalizado por índices de inflação que hoje parecem incompreensíveis. De lá para cá, entretanto, o tempo foi diluindo as más lembranças, e o esquecimento, como frequentemente acontece, exerceu as suas propriedades de cicatrização. Nesse período, Sarney exerceu por duas outras vezes a presidência do Senado; não fez nada muito diferente do que vinha fazendo neste seu terceiro mandato, mas não provocou maiores reações. Chegou, até mesmo, a atrair um razoável reconhecimento como homem de diálogo, capaz de fazer política nacional sem transformar adversários em inimigos, habilidoso, realista e prudente no período de transição entre o regime militar e a democracia. Ajudou-o, também, o fato de ser, do ponto de vista cultural, um personagem muito acima do nível em que está a vasta maioria dos políticos brasileiros. Sarney conhece literatura. Conhece história. Conhece museus. Escreve artigos que se podem ler com interesse na Folha de S.Paulo. Está perfeitamente à vontade em qualquer conversa com gente civilizada e inteligente. Entre débitos e créditos, em suma, iria encerrar sua carreira em relativo sossego.

Desde que sentou pela terceira vez na cadeira de presidente do Senado, tudo foi para o espaço. A biografia que vai deixar, aos olhos do público, é a de um personagem cujo horizonte se limita a manobras para empregar parentes, conduzir dinheiro público rumo a organizações privadas e beneficiar-se de privilégios miúdos. A imagem que fica é a que foi exibida nos últimos seis meses: familiares indiciados por crime de quadrilha, bens não declarados, atos secretos, dívidas com empresas estatais, contas reprovadas, uma dúzia de acusações no Conselho de Ética do Senado. Nada do que foi tentado em seu favor funcionou: nem o extravagante apoio do presidente da República, nem a "tropa de choque", nem o recesso, nem as ameaças aos adversários, nem os discursos para jogar a culpa na "mídia". Tudo o que se conseguiu foi tornar as coisas ainda piores.

Ficar ou sair, nessas condições, dá na mesma. É mal que não tem mais conserto.

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