Economia

Do campo para a periferia

Com alimentos mais baratos, o consumo do supérfluo se democratiza

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h27.

Produtos de "elite" -- como sabonetes de luxo e lenços umedecidos para bebês -- são agora encontrados com freqüência em residências de consumidores das classes C e D localizadas em bairros paulistanos como São Miguel Paulista, Capão Redondo e Jaçanã. Em muitas construções de fundo de quintal, a comida é aquecida em forno de microondas. Os telefones celulares também já são onipresentes na periferia. Esses são alguns dados obtidos pelo projeto Álbum de Família, do instituto de pesquisa Data Popular. O objetivo do estudo é documentar os padrões de consumo e comportamento de famílias das classes populares em São Paulo.

Muitos profissionais de marketing ainda se surpreendem com tais evidências. Segundo a visão de mundo que os orienta, alguns produtos simplesmente não poderiam estar nessas casas. De fato, o grosso do esforço de comunicação é dirigido para as classes A e B, que são também o foco da maioria das pesquisas de mercado. As classes populares são tratadas de forma opaca. Para muitos desses profissionais de marketing, essas classes não consomem -- sobrevivem. Daí talvez o susto com o inesperado crescimento de marcas populares, que passaram a ganhar fatias de mercado em segmentos como bebidas, produtos de beleza e bens duráveis. Surpreendem-se também com o resultado de pesquisas como a divulgada pelo Boston Consulting Group, que estima o potencial desse mercado em 390 bilhões de reais por ano.

Afinal, como é possível que os pobres consumam num país com uma distribuição de renda como o Brasil, onde a economia cresce lentamente há 20 anos? Em parte, isso deve ser creditado ao Plano Real. Ele transferiu renda para as classes populares ao eliminar o imposto inflacionário. Mas o verdadeiro segredo está na persistente queda no preço dos alimentos. Um recente estudo da Fipe -- liderado pelos professores José Roberto Mendonça de Barros e Juarez Rizzieri -- mostra que, desde 1975, o preço dos alimentos vem caindo 5% ao ano em valores reais, como fruto do aumento da produtividade agrícola. Hoje, esses produtos custam um quarto do valor de 1975. A queda no preço dos alimentos significa uma injeção adicional de 6 bilhões de reais por ano no poder de consumo das classes populares, ou 5% do mercado de alimentos, que atinge 120 bilhões de reais por ano, segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE. São recursos que, em vez de direcionados a produtos básicos, estão se deslocando para os "supérfluos". Com isso, o padrão de consumo das classes populares vai se aproximando do da classe média.

Não foram apenas a TV e a geladeira que se tornaram universais. Muitas famílias pobres consomem agora produtos de marca, têm máquina de lavar e carro usado na garagem. O consumidor popular é jovem e bem informado. Ele quer preço e qualidade. O resultado é que empresas e profissionais de marketing não podem mais ignorar esse mercado. Quem dormir no ponto perderá fatia de mercado. E, possivelmente, o emprego.

Haroldo da Gama Torres é demógrafo e doutor em ciências sociais, consultor da Popular Comunicação e do Data Popular e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole -- CEM (Cebrap/Seade)

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