Dilma deve se contentar com PIB de 4,5%, diz Giannetti
Economista considera um erro país partir para uma "marcha forçada de crescimento" com medidas que obrigariam a um ajuste severo no futuro
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2014 às 13h19.
São Paulo - O economista Eduardo Giannetti da Fonseca acredita que a melhor coisa que a presidente eleita Dilma Rousseff deve fazer no curto prazo é se conformar com o limite de 4,5% para o crescimento anual do PIB brasileiro. Para ele, Dilma deve evitar a tentação de tomar medidas que possam ampliar o limite de crescimento no curto prazo, mas que obrigarão o país a tomar medidas mais severas de ajuste lá na frente.
Entre os possíveis equívocos da nova equipe econômica, estão mudanças na forma de cálculo da inflação no Brasil, a teimosia em evitar cortes de gastos públicos, a recriação da CPMF e um aumento da ingerência do Planalto sobre o Banco Central.
Professor do Insper, autor de livros premiados e palestrante bastante escutado, Giannetti esteve nesta segunda-feira (29) na Editora Abril para falar aos funcionários sobre o futuro do Brasil. Leia abaixo um compilado dos melhores momentos de sua palestra e de uma entrevista a EXAME.com:
PIB
É praticamente certo que o crescimento do PIB de 7,5% que o Brasil vai ter neste ano seja um ponto fora da curva. Foi uma recuperação calcada na maior utilização da capacidade já instalada. Estamos num momento excepcional, mas não podemos perder a noção das nossas fragilidades. Um crescimento sustentado nessa faixa implicaria em uma ampliação da capacidade de produção.
O problema é que o Brasil tem uma enorme dificuldade em aumentar o capital físico. O investimento em máquinas, infraestrutura e construção soma 18% do PIB no Brasil. O número é muito baixo e não há perspectiva clara de que possa melhorar. Só para efeito de comparação, os investimentos na China alcançam 40% do PIB. É por isso que o crescimento no Brasil já dá sinais de esgotamento, com crescimento do déficit externo e inflação.
Todas as economias têm um limite da velocidade de crescimento sustentável. As melhores análises mostram que a do Brasil é de cerca de 4,5% ao ano, dado o nosso nível de poupança e investimento. Se crescermos mais do que isso, uma hora ou outra haverá desequilíbrios macroeconômicos graves.
Como a população cresce 1%, o crescimento do PIB per capita acaba sendo de só 3,5% ao ano. Dessa forma, não vamos nos tornar um país rico. Para crescermos mais, são necessárias uma boa reforma tributária, uma boa reforma trabalhista, redução dos encargos da folha salarial, regulamentação da aposentadoria do funcionalismo público e criação de um marco regulatório para o investimento privado em infraestrutura.
A agenda de reformas é ampla e o governo precisa ter clareza sobre a ordem de precedência. Eu começaria pela reforma do mercado de trabalho, com redução das incertezas jurídicas dos contratos entre empresas e colaboradores, diminuição dos encargos sobre a folha, flexibilização da legislação para que muitos contratos possam ser incorporados dentro da economia formal. Isso melhoraria as contas da previdência e atenuaria o impacto da variação cambial.
Governo Dilma
Enxergo dois cenários para o próximo governo. O Brasil pode cair na real e se contentar com esse limite de 4,5% para a expansão do PIB. Essa é a atitude responsável porque implica em permitir aumentos de juros se isso for necessário. O segundo caminho é que o país parta para uma marcha forçada do crescimento. O Brasil pode ter uma expansão mais elevada durante alguns trimestres, mas que levarão a medidas mais contundentes de estabilização num momento seguinte. Na média, isso faria com que o crescimento anual fosse ainda inferior a 4,5%. Ainda acho esse caminho menos provável.
A entrevista coletiva que a nova equipe econômica deu tentou tranquilizar o mercado, com a reafirmação do compromisso com a autonomia do Banco Central e a austeridade fiscal. Mas os sinais são ambíguos. A saída de Henrique Meirelles do BC gerou ruído porque foi justificada com sua exigência de autonomia. Depois o ministro Guido Mantega disse que os gastos públicos não pressionam a inflação e que é possível expurgar alimentos e transportes do IPCA. Isso gerou mais apreensão no mercado financeiro.
Do tripé que sustentou o crescimento brasileiro nos últimos anos, a perna fiscal já está capenga devido à contabilização de alguns gastos do governo como superávit primário. Outra perna da estabilidade, que é o regime de metas de inflação, pode parar de andar direito com ideias como essa de mudarmos a forma de cálculo do IPCA. Então o que os agentes econômicos querem ver não são palavras. São ações.
Uma sinalização muito clara será dada na primeira reunião do Copom no governo Dilma. Se o Banco Central não começar a elevar os juros, podemos perder o arcabouço que permitiu ao país avançar nos últimos anos.
Outras bobagens aventadas recentemente preveem a recriação da CPMF, novas capitalização do BNDES com o endividamento do Tesouro e perdão a dívidas de estados e municípios. O que me faz acreditar que o mais provável é que ela não siga esse caminho é que os políticos já perceberam que a perda de controle do processo inflacionário pode afetar a legitimidade de um governante no Brasil.
Equipe econômica
É difícil dizer se a escolha de Antonio Palocci para o Ministério da Casa Civil poderá ser um contraponto às ideias mais preocupantes recentemente aventadas pela Fazenda. Tendo a crer que Palocci será uma voz construtiva e de ponderação em relação a excessos eventualmente contemplados.
Mas não vejo como o cargo funcional dele possa ser relevante na elaboração da política econômica ou então na hora de uma decisão do BC sobre juros. O que já dá para dizer é que ao escolher sua equipe econômica, Dilma não privilegiou formuladores de políticas com voo próprio. Ela escolheu técnicos com perfil de maior subordinação a determinações vindas do Palácio do Planalto, que é o centro do poder.
Gastos do Estado
O Brasil não acumula capital porque o Estado drena os recursos. A carga tributária alcança 36% do PIB. Como o déficit nominal varia entre 2% e 3% ao ano, os recursos gastos pelo Estado somam, na verdade, entre 38% e 39% do PIB. Tudo isso para entregar de volta à sociedade investimentos que somam 2,1% do PIB. Então PAC deveria ser a sigla para Plano de Abuso da Credulidade.
O país não investe em educação, saúde ou saneamento e sacrifica seu futuro. Ao mesmo tempo, gasta-se demais com previdência. Em 1980, havia 9,2 trabalhadores ativos no Brasil para cada aposentado. Hoje esse índice já caiu para 6,5. Se nada mudar, em 2050 será apenas 1,9 trabalhador ativo para cada inativo, de acordo com cálculos do economista Fabio Giambiagi.
Educação
O capital humano é outro problema no Brasil. Os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, na sigla em inglês) divulgados pela OCDE mostram que o Brasil é apenas o 54º em um ranking de educação com 57 países. Isso é preocupante porque o capital humano é importante fonte de riqueza nos países desenvolvidos.
Um trabalhador canadense produz 5 vezes mais riqueza que um brasileiro e 12 vezes mais que um da Índia. O potencial de criação de riqueza de um país é medido pelo capital físico, pelo capital humano e pela utilização eficiente dos recursos. O Brasil não se destaca em nenhum desses fatores.
Ambiente de negócios
A ineficiência do Estado é um problema grave, mas o ambiente de negócios também é muito ruim. Em um ranking do Banco Mundial, o Brasil aparece apenas como 129 º melhor país do mundo para se fazer negócios. Quando contrata um funcionário, uma empresa tem despesas com contribuições e outros penduricalhos que em muitos casos superam o próprio salário do funcionário. O custo da folha de pagamento é hoje um problema maior que o câmbio.
Crédito e benefícios sociais
Os setores de construção e infraestrutura deverão apresentar melhorias nos próximos anos. Já quem depende de crédito para vender produtos não deve ter a mesma sorte. As empresas que foram beneficiadas com o crescimento da renda gerada pelo Bolsa Família também estão na mesma situação.
O setor público brasileiro já emite 40 milhões de contracheques por mês entre salários e benefícios sociais. Como em cada domicílio há em média três pessoas, já são 120 milhões de brasileiros financiados pelos impostos. Querer um Estado ainda maior que esse é nos condenar à mediocridade.