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Da Redação
Publicado em 15 de setembro de 2009 às 09h34.
Os portos são um dos grandes gargalos para o crescimento da economia brasileira. O governo federal é responsável pela operação de 18 dos 35 portos marítimos existentes no país e, de forma geral, isso é feito de maneira cara e ineficiente. Os portos públicos não dispõem de tecnologia suficiente para carregar e descarregar grandes navios com rapidez. Devido à baixa profundidade da água nos acessos aos terminais, a maioria dos portos também impõe limites de carga para reduzir o peso das embarcações que atracam - o que eleva os custos logísticos. Além disso, apesar do extenso litoral, poucas empresas exploram a navegação de cabotagem, que tem potencial para reduzir o custo econômico e ambiental do transporte de cargas por meio de rodovias.
Ciente de que precisa aumentar a eficiência dos portos brasileiros, o governo federal colocou 16 portos públicos sob concessão da iniciativa privada nos últimos anos. Boa parte desses portos fez investimentos que trouxeram ganhos de eficiência para os armadores. No entanto, o governo também estabeleceu regras muito rígidas para que a iniciativa privada construísse seus próprios portos no país. Boa parte dessas regras virou lei por pressão das atuais concessionárias de portos públicos, que até hoje têm de conviver com custos herdados dos tempos de administração estatal. Ao invés de o governo reduzir esses custos tanto para os portos públicos quando para os portos privados que viessem a ser construídos, decidiu impor restrições aos dois tipos de terminais.
O resultado das amarras legais é que o Porto de Navegantes (Portonave), em Santa Catarina, é o único terminal marítimo do Brasil construído apenas com dinheiro da iniciativa privada e que serve para a movimentação de cargas próprias e de terceiros. Não que faltem empresas interessadas em investir nesse setor. Gigantes como a Odebrecht ou bilionários como Eike Batista possuem grandes projetos em logística portuária. O problema é que a atual legislação do setor impõe tantas restrições a essa atividade que fica difícil tirar do papel até mesmo projetos que gerariam excelentes margens de lucro. Até mesmo o Portonave, que está em operação desde 2007, enfrenta dificuldades para expandir a movimentação de contêineres por pressões trabalhistas, regulatórias e políticas.
Disputa em SC
O Portonave é controlado pela Triunfo Participações em sociedade com a italiana MSC. As duas empresas investiram 500 milhões de reais na construção do porto, por onde é exportada boa parte da produção de alguns dos maiores frigoríficos do Brasil, como Perdigão, Seara e Doux Frangosul. O porto tem capacidade para movimentar 55 mil TEUs (contêineres de 20 pés) por mês. Com a destruição de mais da metade do porto de Itajaí (SC) durante as enchentes em Santa Catarina no ano passado, os exportadores tiveram que buscar alternativas eficientes para o embarque das cargas na região. Por estar localizado bem em frente ao porto de Itajaí, o Portonave apareceu como a solução natural para essas empresas. Inicialmente a substituição não foi possível porque, além de destruir mais da metade das instalações do porto de Itajaí, a enchente reduziu o calado do rio Itajaí-Açu de 11,5 para 6,5 metros. Dessa forma, os navios foram impedidos de embarcar ou desembarcar uma grande quantidade de carga no Portonave e a maior parte das operações foi desviada para Paranaguá, no Paraná. No entanto, com as obras emergenciais de dragagem, o calado do rio já voltou a ser superior a 10 metros e, a partir do próximo ano, a expectativa é de que a profundidade seja ampliada para 14 metros.
Quando a obra for concluída, a Portonave espera aumentar sua capacidade de movimentação mensal de contêineres de 55 mil para 80 mil, o que exigiria a ampliação do quadro de funcionários de 600 para 900. A empresa até já deu início a um processo para a contratação de cem novos empregados. Mas foi aí que o porto descobriu que, além de ser difícil de construir um porto privado no Brasil, também não é fácil expandi-lo. A ideia inicial era contratar os estivadores que devem permanecer parados em Itajaí enquanto não forem concluídas as obras de restauração do porto. (Continua)
Para evitar um conflito com os sindicatos ou com o Ministério Público, a Portonave solicitou ao órgão gestor de mão-de-obra (Ogmo) do porto de Itajaí a indicação de uma lista de 160 candidatos às novas vagas - ao invés de contratá-los diretamente. Em vez disso, o Ogmo só apontou oito candidatos - e nenhum deles teve interesse em ir até o final do processo de seleção. Por trás das desistências não está a perspectiva de rápido conserto do porto de Itajaí ou o nascimento de uma fonte de renda mais abundante para os estivadores da região. Os trabalhadores portuários, na verdade, responsabilizam a Portonave pela queda dos salários no porto de Itajaí - e decidiram boicotar sua ampliação.
O diretor-executivo do Ogmo, Luciano Angel Rodriguez, diz que o salário médio de um estivador no porto de Itajaí já chegou a ser 4.646 reais em 2006, mas caiu para 1.371 reais em 2009 devido aos estragos da enchente e a concorrência do Portonave. Ele acusa a Portonave de não contratar mão de obra avulsa e de incluir os funcionários portuários em categorias diferentes das estabelecidas em lei federal - para achatar seus salários. O presidente da Triunfo Participações, Carlo Alberto Bottarelli, porém, conta uma história bem diferente. O Ogmo teria feito uma campanha contrária à Portonave porque diz que os salários de 1.400 reais oferecidos são muito baixos. O sindicato defende o pagamento de 4.500 reais aos estivadores - bem superior aos salários médios pagos no porto pernambucano de Suape (830 reais) ou em Santos (1.200 reais), por exemplo. Bottarelli também diz que, até a enchente, os salários em Itajaí estavam inflados devido às regras de concessão do porto, que previam aumento da remuneração aos empregados se a movimentação de carga também crescesse. Como o transporte disparou em Itajaí nos últimos anos, houve a distorção. O presidente da Triunfo diz que todos os funcionários contratados pela Portonave têm carteira assinada e recebem uma série de benefícios, como 1,5 salário de gratificação por ano e cursos de inglês gratuitos. Se o Ogmo não ceder e indicar candidatos, o executivo diz que deverá contratar os trabalhadores diretamente.
Pressão política
A campanha contrária à Portonave conta com o apoio da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que deve ser candidata ao governo de Santa Catarina em 2010. A senadora constantemente se posiciona contrariamente aos interesses da Portonave em questões trabalhistas ou tributárias. Procurada, a senadora negou que tenha adotado um discurso favorável aos trabalhadores para conquistar a simpatia do eleitor de Itajaí. Segundo ela, o problema é que as regras não são as mesmas para os portos públicos e privados, o que gera vantagens indevidas. "A Portonave usa esse apelido de terminal privativo para descumprir regras", diz.
O presidente da Triunfo Participações lembra que, apesar de a Portonave ter alguns custos menores do que as concessionárias de portos públicos, as despesas financeiras da sua operação são bem maiores. Para a construção do porto, os sócios do empreendimento tomaram um empréstimos de 180 milhões de dólares junto à americana GE Capital. O porto desembolsa cerca de 6 milhões de reais por mês para pagar os juros e o principal dessa dívida. Como a dívida tem um prazo de pagamento de oito anos, boa parte da geração de caixa do porto continuará comprometida com esses desembolsos financeiros por muito tempo.
Apesar das dificuldades, Bottarelli vê com o setor com otimismo. Ele diz que se a China aumentar as importações de frango do Brasil - e muitos analistas acreditam que o país pode se tornar o maior fornecedor dos asiáticos no longo prazo - a Portonave será uma das empresas mais beneficiadas. Como boa parte do frango poderia ser embarcada para a China por Navegantes, haveria a possibilidade de o porto ganhar uma nova ampliação. A Triunfo também estuda construir um terminal portuário em Santos. A empresa já possui um terreno na cidade paulista e sondou possíveis parceiros que transportariam carga própria a partir desse porto - entre eles, uma exportadora de etanol, uma trading e um frigorífico."Consultamos o mercado e as respostas foram bastante positivas", diz Bottarelli. É bem difícil operar um porto privado no Brasil. Mas quem já conseguiu construir um só pensa em investir mais no setor.