Economia

Demanda de emergentes não compensa desaquecimento nos EUA

Moisés Naim, ex-diretor do Banco Mundial, destrói tese de que crise trará o fim do capitalismo e da influência americana no planeta

Moisés Naím (--- [])

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Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2009 às 14h14.

Moisés Naim, ex-diretor do Banco Mundial, destrói a tese de alguns de que a crise trará o fim da globalização, do capitalismo ou uma menor influência americana no planeta. Para ele, a "debilidade" se espalhou para o mundo todo e os países emergentes, com grandes mercados internos, ainda não substituem a demanda agregada que vem dos EUA.

O pior da crise já passou?
- Honestamente, quem disser que sabe com precisão o desfecho dessa crise, pensa que os seus leitores são idiotas (risos)! Existe, de fato, uma possibilidade, maior do que 50%, de que os EUA venham a obter algum crescimento no último trimestre do ano. Mas isso não significa que tal crescimento vá estimular o emprego, o nível do índice Dow Jones, ou que venha até a impulsionar o crescimento em outros países. Creio que os EUA começarão sua recuperação econômica, com o crescimento do PIB, antes que a Europa. Seja lá o crescimento que houver, a Europa estará atrás dos EUA. Mas isso é muito diferente de dizer que o pior já passou. E tudo o que vier acontecer com os países desenvolvidos terá um efeito profundo sobre os países emergentes.

E que lições deveríamos tirar dessa crise? E como a crise vai afetar o sistema capitalista no século 21?
- O senso comum diz que a crise vai brecar ou desacelerar a globalização. E que também o capitalismo será drasticamente afetado pela crise e que ele seria substituído por alguma forma de socialismo. Essas visões estão erradas. A globalização vai prosseguir e até mesmo florescer - isso só não vai acontecer para quem pensa que a globalização é um fenômeno restrito ao comércio e a investimentos internacionais. Não há dúvida de que o capitalismo financeiro - na forma em que ele é regulado - vai mudar. De agora em diante, os bancos e as instituições financeiras terão de operar com controles muito maiores. Mas experimente dizer a milhões de indianos ou chineses, que mal começaram a produzir, a vender e a comprar, que o capitalismo é ruim.

O que vai acontecer com os países emergentes?
- Creio que a Rússia, em função da sua enorme dependência do petróleo será o país emergente mais negativamente afetado pela crise. E nesse mesmo pacote eu colocaria também o Irã e a Venezuela. Todos eles já exibem sinais evidentes de pressão em sua conta corrente, entre outros indicadores. Mas acontece que os países emergentes apresentam uma imensa diversidade. Como Tolstói escreveu no romance Ana Kareninna, todas as famílias felizes são iguais, mas toda família infeliz, o é de uma maneira diversa. Cada um dos grandes países emergentes, como os Brics, se integram ao mundo através de diferentes vetores e canais. Muitos são grandes exportadores de matérias-primas, como é o caso do Brasil. Outros são dependentes da exportação de serviços de outsourcing, como é o caso da Índia. Um importante usuário dos serviços de outsourcing é o setor financeiro, que hoje está se encolhendo. E a China se integra ao mundo através da exportação de manufaturados, com altos volumes de vendas e baixas margens de lucros. Cada um desses três setores irá reagir de modo diverso. E o mesmo se aplica ao México, que é mais dependente das remessas de dinheiro feitas por imigrantes nos EUA que o Brasil, que também depende delas, mas de uma forma muito mais reduzida.

O crédito obtido pelo México junto ao FMI será suficiente para evitar que ele quebre?
- Certamente é melhor ter o crédito do que não tê-lo. E o melhor é tê-lo o quanto antes, e ser o primeiro da fila, não tendo que competir por recursos junto ao Fundo com outros países. Entretanto, o México também tem sofrido muito em função de uma crise de segurança, causada pelo tráfico de drogas. E essa crise certamente desestimula o investimento estrangeiro no país.

Quando a recuperação global começar, quais devem ser os seus primeiro sinais?
- O primeiro será o próprio crescimento econômico dos EUA, o segundo, a recuperação das bolsas de valores, e o terceiro sinal será o restabelecimento dos mercados de crédito, quando os bancos e demais instituições financeiras voltarem a operar normalmente, concedendo empréstimos. E o quarto sinal será o nível de emprego, e por fim, o último e quinto sinal será o crescimento global. Cada um desses fatores está relacionado aos demais, mas eles apresentam algum avanço ou atraso em termos de tempo. Logo eles nunca aconteceriam todos ao mesmo tempo. E eles interagem de maneira muito complicada.

E a China, que poder a economia chinesa tem hoje de estimular o crescimento mundial?
- Essa questão também poderia ser aplicada, de certa forma, ao Brasil. Será que países emergentes, com grandes mercados internos, começaram a substituir a demanda agregada que vinha dos EUA? A resposta é não. Porque esses são países ainda muito pobres — e aí eu incluo também a Índia, o México. E o crescimento deles em termos de demanda agregada para torná-los capazes de substituir os EUA como o motor de crescimento mundial exige a existência de uma classe média muito maior do que a que eles têm hoje.

Durante a última reunião do G20, os líderes mundiais resolveram começar a apertar o cerco em torno dos paraísos fiscais. O senhor acredita que esse esforço será bem-sucedido?
- Fiquei surpreso com a importância que o G20 conferiu aos paraísos fiscais. Certamente eles são um problema que precisa ser enfrentado. Mas essa crise não foi criada por nenhum paraíso fiscal. Ela foi gerada em Wall Street, na City londrina, em Zurique e Tóquio. Logo, não é preciso ir a uma pequena ilha no Caribe. Todas as irregularidades que aconteceram com a crise subprime aconteceram nas principais praças financeiras do mundo, em instituições como o Citibank, UBS e Deustche Bank. É claro que os paraísos fiscais merecem atenção, por terem um papel central em evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Mas em função da enormidade dos problemas que temos de enfrentar agora, isso é uma distração. Mesmo que nós consigamos enquadrar os paraísos fiscais, você acha que isso vai destravar os mercados de crédito? É claro que não.

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