Um debate que não ajuda - e que atrapalha
É falsa a mensagem de que estamos vivendo uma situação de calamidade igual à de 1946 ou à de 1929. Por uma simples razão: aquele mundo não existe mais
Da Redação
Publicado em 18 de março de 2010 às 11h29.
O que há de comum entre a economia daquela época e a economia de hoje? O mundo vivia na idade da pedra. China, Índia e dezenas de outros países não tinham existência econômica. O PIB global, hoje na casa de 60 trilhões de dólares, era de 3 trilhões - e metade disso estava nos Estados Unidos. O Brasil era a terra do Jeca Tatu. Em 1950, cinco anos após o fim da guerra, havia em circulação pouco mais de 400 000 veículos, ou menos da metade da frota atual de Curitiba. Cerca de 50% da população era analfabeta, e mais de 60% viviam na área rural. Só em 1946 o país começaria a produzir aço, só em 1951 o Rio de Janeiro e São Paulo seriam ligados por uma rodovia asfaltada e só em 1957 sairia da linha de montagem o primeiro carro fabricado no Brasil. De que adianta, para avaliar a situação de hoje, ficar tomando como referência um mundo que não existe mais? Do ponto de vista prático, não adianta nada: saber que em 1945 a economia mundial cresceu o mesmo 1% que deverá crescer em 2009 é uma informação que não pode ser utilizada para resolver nenhum problema real que as pessoas têm à sua frente neste momento. Trata-se, apenas, de mais um desses casos em que a discussão não ajuda e, ao mesmo tempo, atrapalha.
Atrapalha porque o sujeito oculto da frase é a mensagem de que estamos vivendo uma situação de calamidade equivalente à do fim da guerra, ou à de 1929 (outra data de grande popularidade no gênero), ou à de qualquer época de horror econômico. É falso, mas funciona muito bem para assustar quem toma decisões, para induzir ao erro e para criar um ambiente de fim do mundo. No noticiário econômico destes últimos dias, por exemplo, o fenômeno aparece com todas as suas turbinas ligadas na potência máxima. Era possível ler, no espaço de 72 horas, que as multinacionais já demitiram 170 000 pessoas em janeiro, que o suco de laranja é um produto em via de extinção e que a inadimplência promete chegar a níveis jamais atingidos. Não menos de 20 milhões de empregos vão desaparecer da face da Terra em 2009. O governo inventa uma exigência de licença prévia para a importação de 3 000 produtos - e volta atrás logo em seguida quando descobre que dezenas de fábricas teriam de parar, pois precisam de componentes importados para manter-se em atividade. Ninguém é demitido; também ficam no cargo os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Meio Ambiente, Carlos Minc, que brigam abertamente entre si. A Ford mundial teve o maior prejuízo de sua história (no caso, desde 1903), as exportações encolhem e em Minas Gerais nem o Rei Momo consegue emprego para o próximo Carnaval. As vendas não caem; "despencam". A produção não diminui; "desaba". As demissões não aumentam; "explodem". É o baile dos desesperados.
O que há de comum entre a economia daquela época e a economia de hoje? O mundo vivia na idade da pedra. China, Índia e dezenas de outros países não tinham existência econômica. O PIB global, hoje na casa de 60 trilhões de dólares, era de 3 trilhões - e metade disso estava nos Estados Unidos. O Brasil era a terra do Jeca Tatu. Em 1950, cinco anos após o fim da guerra, havia em circulação pouco mais de 400 000 veículos, ou menos da metade da frota atual de Curitiba. Cerca de 50% da população era analfabeta, e mais de 60% viviam na área rural. Só em 1946 o país começaria a produzir aço, só em 1951 o Rio de Janeiro e São Paulo seriam ligados por uma rodovia asfaltada e só em 1957 sairia da linha de montagem o primeiro carro fabricado no Brasil. De que adianta, para avaliar a situação de hoje, ficar tomando como referência um mundo que não existe mais? Do ponto de vista prático, não adianta nada: saber que em 1945 a economia mundial cresceu o mesmo 1% que deverá crescer em 2009 é uma informação que não pode ser utilizada para resolver nenhum problema real que as pessoas têm à sua frente neste momento. Trata-se, apenas, de mais um desses casos em que a discussão não ajuda e, ao mesmo tempo, atrapalha.
Atrapalha porque o sujeito oculto da frase é a mensagem de que estamos vivendo uma situação de calamidade equivalente à do fim da guerra, ou à de 1929 (outra data de grande popularidade no gênero), ou à de qualquer época de horror econômico. É falso, mas funciona muito bem para assustar quem toma decisões, para induzir ao erro e para criar um ambiente de fim do mundo. No noticiário econômico destes últimos dias, por exemplo, o fenômeno aparece com todas as suas turbinas ligadas na potência máxima. Era possível ler, no espaço de 72 horas, que as multinacionais já demitiram 170 000 pessoas em janeiro, que o suco de laranja é um produto em via de extinção e que a inadimplência promete chegar a níveis jamais atingidos. Não menos de 20 milhões de empregos vão desaparecer da face da Terra em 2009. O governo inventa uma exigência de licença prévia para a importação de 3 000 produtos - e volta atrás logo em seguida quando descobre que dezenas de fábricas teriam de parar, pois precisam de componentes importados para manter-se em atividade. Ninguém é demitido; também ficam no cargo os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Meio Ambiente, Carlos Minc, que brigam abertamente entre si. A Ford mundial teve o maior prejuízo de sua história (no caso, desde 1903), as exportações encolhem e em Minas Gerais nem o Rei Momo consegue emprego para o próximo Carnaval. As vendas não caem; "despencam". A produção não diminui; "desaba". As demissões não aumentam; "explodem". É o baile dos desesperados.
Nenhum desses fatos foi inventado. Mas é certo que vai acabar errando quem ficar olhando só para eles - e, principalmente, quem passar tempo demais pensando em 1903, 1929 ou 1945.