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Um debate que não ajuda - e que atrapalha

É falsa a mensagem de que estamos vivendo uma situação de calamidade igual à de 1946 ou à de 1929. Por uma simples razão: aquele mundo não existe mais

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Da Redação

Publicado em 18 de março de 2010 às 11h29.

O Fundo Monetário Internacional anunciou na semana passada, com o ar de seriedade científica que costuma usar quando nos comunica suas grandes descobertas, que a economia do mundo terá, em 2009, seu pior desempenho desde o fim da última guerra mundial, em 1945. Tudo isso? Nenhuma dúvida, garante o FMI. O PIB global, neste ano, não cresce mais do que 1% ou, no máximo, 1,5%. Mas atenção: os números podem ser piores ainda, pois estamos só no comecinho do ano. Esperem pela nossa próxima previsão, recomendam os técnicos do Fundo, pois nos últimos quatro meses as estimativas já foram revistas três vezes, todas elas para baixo. Admitindo-se que essas contas não tenham nenhum erro, a questão que interessa é a seguinte: e daí? Para levar ao pé da letra o anúncio do FMI é preciso acreditar que o mundo de 2009, com o Brasil junto, estará numa situação pior que o mundo de 1946. É fácil dizer esse tipo de coisa, pois muito pouca gente que já tinha chegado à idade adulta em 1946 continua viva em 2009 para se lembrar de como era mesmo aquela época e fazer a comparação; seu número, além disso, fica a cada dia menor, e os que sobraram provavelmente têm preocupações mais urgentes do que julgar os méritos relativos da economia atual e da economia de 64 anos atrás. O que já não é tão fácil assim, pois não tem graça nenhuma e não rende espaço no noticiário, é pensar nesses números com um pouco mais de calma - vai se ver, aí, que o fato de o PIB mundial crescer hoje no mesmo ritmo de 1945 pode servir para testes do tipo "você sabia?", mas não quer dizer rigorosamente coisa alguma.

O que há de comum entre a economia daquela época e a economia de hoje? O mundo vivia na idade da pedra. China, Índia e dezenas de outros países não tinham existência econômica. O PIB global, hoje na casa de 60 trilhões de dólares, era de 3 trilhões - e metade disso estava nos Estados Unidos. O Brasil era a terra do Jeca Tatu. Em 1950, cinco anos após o fim da guerra, havia em circulação pouco mais de 400 000 veículos, ou menos da metade da frota atual de Curitiba. Cerca de 50% da população era analfabeta, e mais de 60% viviam na área rural. Só em 1946 o país começaria a produzir aço, só em 1951 o Rio de Janeiro e São Paulo seriam ligados por uma rodovia asfaltada e só em 1957 sairia da linha de montagem o primeiro carro fabricado no Brasil. De que adianta, para avaliar a situação de hoje, ficar tomando como referência um mundo que não existe mais? Do ponto de vista prático, não adianta nada: saber que em 1945 a economia mundial cresceu o mesmo 1% que deverá crescer em 2009 é uma informação que não pode ser utilizada para resolver nenhum problema real que as pessoas têm à sua frente neste momento. Trata-se, apenas, de mais um desses casos em que a discussão não ajuda e, ao mesmo tempo, atrapalha.

Atrapalha porque o sujeito oculto da frase é a mensagem de que estamos vivendo uma situação de calamidade equivalente à do fim da guerra, ou à de 1929 (outra data de grande popularidade no gênero), ou à de qualquer época de horror econômico. É falso, mas funciona muito bem para assustar quem toma decisões, para induzir ao erro e para criar um ambiente de fim do mundo. No noticiário econômico destes últimos dias, por exemplo, o fenômeno aparece com todas as suas turbinas ligadas na potência máxima. Era possível ler, no espaço de 72 horas, que as multinacionais já demitiram 170 000 pessoas em janeiro, que o suco de laranja é um produto em via de extinção e que a inadimplência promete chegar a níveis jamais atingidos. Não menos de 20 milhões de empregos vão desaparecer da face da Terra em 2009. O governo inventa uma exigência de licença prévia para a importação de 3 000 produtos - e volta atrás logo em seguida quando descobre que dezenas de fábricas teriam de parar, pois precisam de componentes importados para manter-se em atividade. Ninguém é demitido; também ficam no cargo os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Meio Ambiente, Carlos Minc, que brigam abertamente entre si. A Ford mundial teve o maior prejuízo de sua história (no caso, desde 1903), as exportações encolhem e em Minas Gerais nem o Rei Momo consegue emprego para o próximo Carnaval. As vendas não caem; "despencam". A produção não diminui; "desaba". As demissões não aumentam; "explodem". É o baile dos desesperados.

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O Fundo Monetário Internacional anunciou na semana passada, com o ar de seriedade científica que costuma usar quando nos comunica suas grandes descobertas, que a economia do mundo terá, em 2009, seu pior desempenho desde o fim da última guerra mundial, em 1945. Tudo isso? Nenhuma dúvida, garante o FMI. O PIB global, neste ano, não cresce mais do que 1% ou, no máximo, 1,5%. Mas atenção: os números podem ser piores ainda, pois estamos só no comecinho do ano. Esperem pela nossa próxima previsão, recomendam os técnicos do Fundo, pois nos últimos quatro meses as estimativas já foram revistas três vezes, todas elas para baixo. Admitindo-se que essas contas não tenham nenhum erro, a questão que interessa é a seguinte: e daí? Para levar ao pé da letra o anúncio do FMI é preciso acreditar que o mundo de 2009, com o Brasil junto, estará numa situação pior que o mundo de 1946. É fácil dizer esse tipo de coisa, pois muito pouca gente que já tinha chegado à idade adulta em 1946 continua viva em 2009 para se lembrar de como era mesmo aquela época e fazer a comparação; seu número, além disso, fica a cada dia menor, e os que sobraram provavelmente têm preocupações mais urgentes do que julgar os méritos relativos da economia atual e da economia de 64 anos atrás. O que já não é tão fácil assim, pois não tem graça nenhuma e não rende espaço no noticiário, é pensar nesses números com um pouco mais de calma - vai se ver, aí, que o fato de o PIB mundial crescer hoje no mesmo ritmo de 1945 pode servir para testes do tipo "você sabia?", mas não quer dizer rigorosamente coisa alguma.

O que há de comum entre a economia daquela época e a economia de hoje? O mundo vivia na idade da pedra. China, Índia e dezenas de outros países não tinham existência econômica. O PIB global, hoje na casa de 60 trilhões de dólares, era de 3 trilhões - e metade disso estava nos Estados Unidos. O Brasil era a terra do Jeca Tatu. Em 1950, cinco anos após o fim da guerra, havia em circulação pouco mais de 400 000 veículos, ou menos da metade da frota atual de Curitiba. Cerca de 50% da população era analfabeta, e mais de 60% viviam na área rural. Só em 1946 o país começaria a produzir aço, só em 1951 o Rio de Janeiro e São Paulo seriam ligados por uma rodovia asfaltada e só em 1957 sairia da linha de montagem o primeiro carro fabricado no Brasil. De que adianta, para avaliar a situação de hoje, ficar tomando como referência um mundo que não existe mais? Do ponto de vista prático, não adianta nada: saber que em 1945 a economia mundial cresceu o mesmo 1% que deverá crescer em 2009 é uma informação que não pode ser utilizada para resolver nenhum problema real que as pessoas têm à sua frente neste momento. Trata-se, apenas, de mais um desses casos em que a discussão não ajuda e, ao mesmo tempo, atrapalha.

Atrapalha porque o sujeito oculto da frase é a mensagem de que estamos vivendo uma situação de calamidade equivalente à do fim da guerra, ou à de 1929 (outra data de grande popularidade no gênero), ou à de qualquer época de horror econômico. É falso, mas funciona muito bem para assustar quem toma decisões, para induzir ao erro e para criar um ambiente de fim do mundo. No noticiário econômico destes últimos dias, por exemplo, o fenômeno aparece com todas as suas turbinas ligadas na potência máxima. Era possível ler, no espaço de 72 horas, que as multinacionais já demitiram 170 000 pessoas em janeiro, que o suco de laranja é um produto em via de extinção e que a inadimplência promete chegar a níveis jamais atingidos. Não menos de 20 milhões de empregos vão desaparecer da face da Terra em 2009. O governo inventa uma exigência de licença prévia para a importação de 3 000 produtos - e volta atrás logo em seguida quando descobre que dezenas de fábricas teriam de parar, pois precisam de componentes importados para manter-se em atividade. Ninguém é demitido; também ficam no cargo os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Meio Ambiente, Carlos Minc, que brigam abertamente entre si. A Ford mundial teve o maior prejuízo de sua história (no caso, desde 1903), as exportações encolhem e em Minas Gerais nem o Rei Momo consegue emprego para o próximo Carnaval. As vendas não caem; "despencam". A produção não diminui; "desaba". As demissões não aumentam; "explodem". É o baile dos desesperados.

Nenhum desses fatos foi inventado. Mas é certo que vai acabar errando quem ficar olhando só para eles - e, principalmente, quem passar tempo demais pensando em 1903, 1929 ou 1945.

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