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Crescimento, estabilidade e reforma: China não pode ter tudo

De três objetivos, China terá que escolher dois: e como já se comprometeu com uma meta de crescimento alta, tudo indica que reformas serão as sacrificadas

"Pode colocar no crédito": ao adiar reformas e priorizar crescimento, China está acentuando desequiíbrios (Thinckstock)

João Pedro Caleiro

Publicado em 9 de março de 2016 às 14h31.

São Paulo - A China anunciou no final da semana passada sua meta de crescimento do PIB para 2016: algo entre 6,5% e 7%.

"A China com certeza não terá um pouso forçado", disse Xu Shaoshi, líder da Comissão para Reforma e Desenvolvimento Nacional.

No ano passado, a meta era 7% e o resultado ficou em 6,9%, o menor dos últimos 25 anos. Mas o que muitos defendem é que é hora da China aceitar crescer ainda menos.

"A meta é ambiciosa e pode distrair as autoridades de reformas dolorosas, como o fechamento de empresas estatais não lucrativas", diz o economista Louis Kuijs, diretor de pesquisa da consultoria Oxford Economics para a Ásia.

A agência de rating Moody's, que mudou recentemente a perspectiva da nota chinesa de estável para negativa, diz que a China está tentando três objetivos incompatíveis: crescimento alto, estabilidade financeira e uma agenda de reformas.

"Acreditamos que alcançar mesmo o patamar mais baixo dessa meta para 2016 vai exigir mais estímulos monetários e fiscais (...) Este nível de suporte provavelmente vai frustrar a habilidade do governo de alcançar pelo menos um dos outros objetivos", diz Michael Taylor, chefe de crédito para Ásia-Pacífico da agência.

Ou seja: continuar estimulando a economia para crescer nestes níveis significa acentuar os desequilíbrios que a trouxeram até aqui - como o excesso de capacidade, de alavancagem e de envididamento.

Priorizar as reformas, além de difícil politicamente, é deixar o velho sucumbir sem que o novo ainda tenha emergido - e a atividade certamente sentiria o baque.

Também haveria uma depreciação grande do iuane e volatilidade dos mercados, que o governo poderia combater usando suas reservas. O problema é que elas já estão no seu menor nível desde 2011 em meio a uma intensa fuga de capitais.

Diga-se de passagem que a China está tendo que equilibrar não só três objetivos políticos, mas também uma "trindade impossível" conhecida da teoria econômica: a impossibilidade de manter para sempre uma conta de capitais aberta, uma taxa de câmbio fixa e uma política monetária independente.

Diante disso tudo, a Moody's acredita que o problema será empurrado com a barriga e as reformas serão as sacrificadas, por enquanto. Não seria a primeira vez - nem aqui, nem na China.

São Paulo - A China revelou hoje os seus aguardados números de crescimento em 2015. A taxa final ficou em 6,9%: a menor em 25 anos, mas dentro do que esperavam os analistas - e de forma um tanto suspeita, exatamente na meta do governo. Como os chineses só andavam dando más notícias desde que o ano começou, o mercado reagiu com modesto otimismo, até porque há uma perspectiva de que o governo responda com mais estímulos econômicos. A China ganhou uma importância gigantesca nas últimas décadas. É a maior economia do mundo em paridade de poder de compra e a segunda em valores nominais, além do maior ator comercial e consumidor de commodities do planeta.  Veja o que está acontecendo com a economia chinesa e porque isso importa para o mundo:
  • 2. Crescimento do investimento em ativos fixos

    2 /5(Escritório Nacional de Estatísticas da China)

  • Veja também

    Os dados de investimento tem duas facetas. Por um lado, é clara a queda do patamar de crescimento (de 15% em 2014 para 10% em 2015) e isso empurra toda a economia para baixo. Na China, o investimento tem um peso forte e totalmente fora do padrão mundial: mais de 40% do PIB, quando na maioria dos emergentes é de cerca da metade disso. Por outro lado, todo mundo concorda que a China não quer e nem poderia continuar dependente de investimento pesado para crescer, até porque os retornos tendem a ser decrescentes.
  • 3. Produção de cimento

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  • De acordo com um relatório recente do banco Credit Suisse, "há uma popularidade crescente da 'economia de oferta' entre os fazedores de decisão em Beijing. Apesar disso ser positivo no longo prazo, é negativo para o crescimento no curto prazo". As consequências do foco em eliminar o excesso de capacidade industrial são "redução do inventário imobiliário e desalavancagem financeira. Isso está acontecendo e plantas de aço, fábricas de cimento e minas de carvão estão sendo fechadas". É o que ilustra a imagem.
  • 4. Produção industrial de grandes empresas

    4 /5(Escritório Nacional de Estatísticas da China)

    O crescimento anualizado da produção industrial chinesa caiu dois pontos percentuais em dezembro de 2015 em relação ao balanço de 2014, uma desaceleração. Isso já vinha sendo apontado pelos Índices de Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês) e é uma das preocupações dos mercados globais, já que a China responde por um terço da produção industrial do mundo (contra 5% em 1990). A esperança é que outros setores ocupem o espaço que a indústria está deixando: o chamado "rebalanceamento", que emite sinais contraditórios. A renda per capita disponível dos chineses cresceu 7,4% no ano e o setor terciário cresceu mais de dois pontos percentuais e passou dos 50% do PIB. Já as vendas do varejo cresceram 10,7% - um numero respeitável, porém menor do que os 12% de 2014.
  • 5. Produção de aço

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    Um estudo da OCDE de fevereiro de 2015 já notava que a indústria do aço estava produzindo em um nível de apenas 77% da sua capacidade. Com os números de hoje, tudo indica que a questão deve ter piorado ainda mais. De acordo com o Credit Suisse, 2016 pode marcar o início de fechamentos e demissões no setor: "praticamente todas as plantas de aço estão operando com perdas com os preços atuais, e um corte voluntário da produção para segurar as exportações parece improvável".
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