Coronavírus interrompe recuperação do mercado imobiliário e suspende IPOs
Indústria da construção civil desempenha papel crucial na economia brasileira, respondendo atualmente por cerca de 4% do PIB
Reuters
Publicado em 1 de abril de 2020 às 09h05.
Última atualização em 1 de abril de 2020 às 09h06.
Poucas semanas atrás, misturadores de cimento, guindastes, escavadeiras e trabalhadores em pelo menos quatro diferentes obras residenciais e comerciais tumultuavam uma estreita rua próxima à Faria Lima, a mais movimentada via empresarial de São Paulo.
Em um dos vários canteiros de obras de São Paulo , a atividade - juntamente com uma longa fila de empresas que queriam levantar cerca de 10 bilhões de reais em ofertas públicas iniciais de ações - sugeria que o mercado imobiliário brasileiro finalmente se recuperava de uma longa crise.
Embora as obras prossigam em muitas das ruas agora esvaziadas pela pandemia de coronavírus , ao menos uma dúzia de listagens de ações de construtoras foi cancelada ou adiada.
As ações da Mitre Realty Empreendimentos, que em fevereiro tornou-se a primeira incorporadora a listar ações na bolsa paulista em mais de 10 anos, despencaram cerca de 39%, superando a queda de 35% do Ibovespa.
"Quando se olha para a bolsa de valores vemos movimentos de venda por investidores que querem se proteger das incertezas, então não é um bom momento para IPOs", afirmou Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc).
A indústria da construção civil desempenha papel crucial na economia brasileira, respondendo atualmente por cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) e mais de 5% dos empregos com carteira assinada. Mas o setor foi um dos que mais sofreu com a recessão que atingiu o país a partir de 2014.
Marcada por inadimplência recorde, distratos e custos de financiamento altíssimos, a mais recente crise vivida pela construção civil levou duas incorporadoras a pedir recuperação judicial e outras a reestruturar suas dívidas.
Agora, mesmo com a taxa de juros em um nível historicamente baixo de 3,75%, o que normalmente encorajaria financiamentos imobiliários, brasileiros devem adiar a compra de imóveis em meio a alertas de aumento do desemprego, à medida que empresas são forçadas a suspender atividades, segundo agentes do mercado.
"O mercado imobiliário costuma ser um refúgio em tempos de crise, mas cancelamentos ou adiamento das vendas podem ocorrer se o desemprego subir", disse Basilio Jafet, presidente do Sindicato da Habitação (Secovi) de São Paulo, centro financeiro do Brasil.
Há pouco mais de um mês, o Secovi-SP projetava alta de 10% nas vendas de novos imóveis residenciais na cidade de São Paulo em 2020 em meio a expectativas de avanço em importantes reformas econômicas.
Mas esses números devem ser revisados para baixo após o surto de coronavírus, apesar dos esforços de construtoras para prosseguir com as vendas por meio de canais digitais enquanto os stands e showrooms seguem fechados por determinação de autoridades para conter a epidemia.
Conforme dados do Ministério da Saúde, o Brasil tinha 5.571 casos confirmados da doença Covid-19 e 201 mortes até terça-feira, dia 31.
"Parecia um cenário perfeito para o setor imobiliário, com baixas taxas de juro, atividade econômica se recuperando e vendas começando a crescer", disse Guilherme B. Netto, sócio na RBR Asset Management, especializada em ativos imobiliários. "Agora está tudo incerto."
Canteiro de obras
Apesar das regras de isolamento social adotadas por decretos municipais e estaduais e de algumas interrupções no transporte coletivo, as obras não foram paralisadas, dado que os trabalhos ocorrem a céu aberto.
Um esquema de rodízio para refeições também vem sendo adotado para reduzir o risco de contaminação pelo coronavírus, acrescentou Jafet.
"Somos a locomotiva, então se nós pararmos os vagões também param", disse José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), lembrando que outros 62 setores, incluindo o varejo, são impactados pela construção civil.
Embora as obras em andamento continuem, incertezas sobre a duração da crise colocam em risco os lançamentos de novos projetos.
"Não vamos lançar nada do jeito que as coisas estão", disse Raphael Horn, co-presidente da Cyrela, em teleconferência recente com analistas sobre os resultados do quarto trimestre.
O desemprego, que deve disparar com a epidemia do coronavírus, é a principal preocupação, afirmou o gestor de ativos da Ace Capital, Gabriel Trebilcock. "As taxas de juros baixas são importantes para o setor, mas não são tudo. O desemprego precisa cair para impulsionar as vendas."
Ainda assim, participantes do setor seguem cautelosamente otimistas, destacando sinais de esperança na China, epicentro inicial do coronavírus.
"A China conseguiu controlar o coronavírus, então só podemos esperar que o resto do mundo também o fará e não tenho dúvidas de que o mercado imobiliário se recuperará na mesma velocidade com a qual caiu", disse França.
Outros se esforçam para manter o cronograma de lançamentos enquanto for possível.
"Por enquanto, nossa decisão foi lançar os novos projetos planejados para março e abril também", contou Eduardo Fischer, co-presidente da MRV, a maior construtora de imóveis econômicos da América Latina. "Mas em momentos como esse a decisão de segunda-feira pode não ser a mesma da terça", alertou o executivo.