Conversa com Trump é campo minado para líder do BC americano
Dias após Trump culpar Powell pelo tombo do mercado acionário e comentar que desejava demiti-lo, assessores de Trump tentam marcar encontro entre os dois
Letícia Naísa
Publicado em 29 de dezembro de 2018 às 08h00.
Última atualização em 29 de dezembro de 2018 às 08h00.
De todos os eventos de fim de ano para os quais o comandante do banco central americano é convidado, um encontro no Salão Oval da Casa Branca talvez seja o último ao qual ele gostaria de comparecer.
Dias após o presidente Donald Trump culpar Jerome Powell pelo tombo do mercado acionário em dezembro e comentar que desejava demiti-lo, assessores de Trump estão tentando marcar uma conversa entre os dois.
Há quem diga que isso poderia aliviar a tensão, mas muitos especialistas enxergam um campo minado para Powell — seja por dar a impressão de que o Federal Reserve vai ceder à pressão do presidente ou simplesmente causar confusão sobre o que for discutido.
“É um encontro muito perigoso”, disse Mark Spindel, responsável pelo fundo de investimento Potomac River Capital, com sede em Washington.
Uma reunião após enormes perdas nas bolsas e ataques de Trump a Powell poderia colocar o Fed em uma posição ainda mais delicada, na visão de Spindel. “Dá para imaginar uma reconciliação no jardim da Casa Branca? Sim”, disse ele. Mas depois do encontro, o presidente também pode “fazer sua própria leitura do que aconteceu”.
Donald Kohn, que foi vice de Ben Bernanke no Fed, também acha que um encontro pode ser perigoso para Powell. “O potencial negativo não está no encontro em si, mas no que acontece em seguida”, disse Kohn, que hoje atua na Instituição Brookings, em Washington. “O risco é o presidente interpretar o que escutou e depois repetir algo publicamente que não é totalmente consistente com o que [Powell] gostaria de transmitir.”
Após nove acréscimos na taxa básica de juros em três anos, o Fed tenta balancear o risco de agir muito rápido e atrapalhar a expansão da economia com o risco de agir devagar e permitir superaquecimento da economia ou dos mercados financeiros.
Trump vem reclamando dos aumentos de juros desde julho porque a inflação está comportada. O descontentamento dele se agravou após o quarto acréscimo de juros deste ano, em 19 de dezembro, que aprofundou a queda no mercado acionário.
Dois dias depois, a Bloomberg News noticiou que Trump discutiu com assessores a possibilidade de demitir Powell, o que causou novas perdas nas bolsas. Em 24 de dezembro, o S&P 500 atingiu a menor pontuação desde abril de 2017.
O índice se recuperou um pouco, mas acumula queda de quase 10 por cento neste ano e de 17 por cento desde 20 de setembro.
Trump, que havia sugerido que os americanos medissem o desempenho dele pela valorização de seus fundos de previdência privada, ficou furioso e escreveu no Twitter que “o único problema da nossa economia é o Fed”.
A pressão constante obrigou Powell a repetir para os mercados que o banco central opera independentemente da política. Isso significa que o Fed não vai parar de subir os juros porque Trump deseja nem continuará elevando a taxa para provar sua independência.
Trump está “mudando o debate sobre o que deve ser a política monetária”, afirmou a professora Sarah Binder, da Universidade George Washington. “Isso cria dúvidas sobre até que ponto o Fed está isolado desse tipo de pressão.”
Gente no alto escalão da Casa Branca parece compreender o risco de prejudicar a confiança no Fed e tenta esfriar a polêmica.
Mick Mulvaney, que está prestes a virar chefe de gabinete de Trump, afirmou em 23 de dezembro que o presidente “agora se deu conta de que não tem a opção” de demitir um comandante do Fed.
Em 26 de dezembro, Kevin Hassett, que encabeça o Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, afirmou a repórteres que Powell está “100 por cento” seguro no posto.