Economia

MP 927 alivia regras durante crise, mas estremece garantias trabalhistas

Possibilidades de acordos individuais podem ser positivos em momento de calamidade pública, mas será preciso fiscalizar cumprimento das medidas

Coronavírus: empresas já estão fechando portas (Pilar Olivares/Reuters)

Coronavírus: empresas já estão fechando portas (Pilar Olivares/Reuters)

CC

Clara Cerioni

Publicado em 23 de março de 2020 às 12h37.

Última atualização em 23 de março de 2020 às 15h04.

A MP 927, que flexibiliza relações de trabalho por conta do coronavírus, tem como objetivo tirar entraves formais das permissões previstas ao empregador pela CLT, enquanto durar o estado de calamidade pública.

No entanto, ela também estremece garantias trabalhistas e retira do governo responsabilidades sobre os trabalhadores, segundo advogados trabalhistas ouvidos pela EXAME. A medida mais preocupante, que permitia a suspensão de contratos de trabalho e pagamento de salários por 4 meses, foi revogada por enquanto, segundo informou o presidente Jair Bolsonaro.

Na semana passada, empresas e empregados já discutiam quais medidas poderiam ser tomadas para evitar demissões em massa e, ao mesmo tempo, garantir a sustentabilidade das empresas, principalmente as pequenas e médias.

Algumas saídas como o trabalho remoto, a permissão de férias coletivas e a contabilização de bancos de horas, que são previstas na CLT mas exigem processos longos, já estavam em debate. A análise geral é a de que os empregadores tomariam esse tipo de decisão, mesmo que não houvesse previsão legal, o que abriria margem para questionamentos judiciais no futuro.

Nesse sentido, há trechos da MP que cumprem um papel relevante, mas outros ainda devem ser analisados pelo Congresso Nacional, mesmo após revogação da suspensão do contrato de trabalho para qualificação. "A MP trouxe pontos que as empresas iam fazer, mesmo que corressem algum risco", diz Clarisse Rozales, advogada trabalhista e sócia do Andrade Maia advogados.

Na avaliação dos advogados, a MP aparentemente respeitou os limites da Constituição Federal, mas é preciso acompanhar como os pequenos e médios empresários conseguirão manter qualquer acordo estabelecido, em um momento de fragilidade da economia e de preocupação com a sustentabilidade dos negócios.

"O empregado não está em posição vantajosa, ele não tem poder de barganha para negociar, por isso foi importante a MP não permitir redução de salário, porque isso é só mediante acordo coletivo como consta na Constituição. Mas é preciso atenção para o cumprimento dos acordos", diz Flávio Sirangelo, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul e atualmente consultor da área trabalhista no escritório Souto Correa.

"Apesar de a MP ter simplificado pontos necessários, é importante que os sindicatos mantenham a sensibilidade social para que seus representados não percam o emprego. O valor maior que está em jogo é esse", completa.

Há ainda outros pontos de atenção, como o fato de os estabelecimentos de saúde poderem prorrogar jornada de trabalho e remunerar as horas excedentes no valor das normais, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres.

Proposta polêmica

Desde sua divulgação, na noite deste domingo, 22, já havia sinalizações de que a medida encontraria resistências para ser aprovada. Em teleconferência realizada pelo banco BTG Pactual nesta manhã, o presidente da Câmara dos Deputados (DEM-RJ), Rodrigo Maia, criticou a suspensão do contrato de trabalho. "É claro que, para tratar da suspensão do contrato de trabalho, tem que estar vinculado a uma solução, estar vinculado a uma solução para resolver a questão dos empregos", disse.

O líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), já havia enviado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, um pedido para que o Congresso Nacional devolvesse a MP por "inconstitucionalidade". O parlamentar afirmou que fez a solicitação "em razão de sua patente inconstitucionalidade, haja vista a violação de direitos fundamentais dos trabalhadores, cláusula pétrea da Constituição de 1988".

Já o líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP), disse que a medida “é um dos maiores ataques ao povo mais pobre que já ocorreu”. “No mundo inteiro, o Estado está se responsabilizando pelo pagamento dos trabalhadores para que passem pela crise do coronavírus. Aqui, Bolsonaro apresentou a MP 927 que permite reduzir salários e benefícios trabalhistas. É um criminoso! Uma covardia sem precedentes! O trabalhador está sendo massacrado! Vamos lutar contra!”, publicou em uma rede social.

Competências constitucionais

É possível que, se o Congresso Nacional não modificar pontos cruciais da MP, ela seja contestada no Supremo Tribunal Federal. No entanto, diante da gravidade da pandemia, as chances de ela ser considerada inconstitucional não estão no radar.

"Diante do atual contexto, a Medida Provisória se justifica constitucional e legalmente (de acordo com as previsões da Consolidação das Leis do Trabalho), muito embora surjam questionamentos acerca da sobrevivência do trabalhador durante o estado de calamidade pública para os próximos meses", diz Vera Chemim, advogada constitucional.

A MP tem validade de até 60 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 60. Se não for votada pelo Congresso Nacional, ela perderá a validade.

Acompanhe tudo sobre:CongressoCoronavírusDireitos trabalhistasRodrigo MaiaSupremo Tribunal Federal (STF)

Mais de Economia

Tesouro adia para 15 de janeiro resultado das contas de novembro

Câmara apresenta justificativa sobre emendas e reitera que Câmara seguiu pareceres do governo

Análise: Inflação preocupa e mercado já espera IPCA de 5% em 2025

Salário mínimo 2025: por que o valor será menor com a mudança de regra