Como sinalizar uma acomodação monetária?
Opinião | Uma decisão de alongar o período de convergência para a taxa de juro, por mais razoável que possa ser, envolve riscos
Da Redação
Publicado em 9 de setembro de 2022 às 16h27.
Última atualização em 9 de setembro de 2022 às 16h47.
Desde meados de 2020, a economia brasileira vem sendo atingida por uma série de choques que têm pressionado a inflação para cima: disparada das commodities simultaneamente à forte depreciação cambial, crise hídrica, ruptura das cadeias globais de produção concomitante à forte demanda por bens, e mais recentemente o conflito na Ucrânia. Em resposta à consequente elevação da inflação, o BC promoveu forte ajuste da política monetária, elevando os juros a patamar muito mais elevado do que se imaginava, muito antes de seus pares internacionais.
Ainda assim, em sua última comunicação, o BC optou por chancelar uma trajetória de juros que implica projeções de inflação acima do centro da meta no horizonte relevante. Provavelmente isso ocorreu por receio de que a inflação ficasse muito abaixo da meta a partir de algum momento no futuro, o que demandaria cortes muito agressivos da Selic mais adiante. Caso, por hipótese, o BC avalie que essa volatilidade nos juros não seja ótima do ponto de vista de bem-estar da sociedade, como ele pode sinalizar isso ao mercado?
A primeira opção é o anúncio de uma “meta ajustada”, como foi feito em 2003 e 2004. Na prática, alonga-se o horizonte relevante, comprometendo-se a uma determinada trajetória até a convergência à meta original. Considerando que o atual horizonte relevante da política monetária já é mais dilatado do que o daquela época, essa estratégia poderia impactar negativamente a credibilidade do BC e dificultar o processo de ancoragem de expectativas.
A segunda é a “inconsistência intertemporal”, onde é sinalizado um plano de voo em que os juros são elevados (ou não reduzidos) de forma a inflação convergir à meta no horizonte relevante usual, implicando na inflação ficar abaixo da meta mais à frente.
Conforme o tempo passa, o horizonte de convergência a meta vai automaticamente sendo adiado. Mais à frente, o BC nota que não precisa seguir o plano inicial, podendo reduzir os juros antes do inicialmente sinalizado. Parte do mercado pode até achar que essa sinalização cumpre seu trabalho de forçar o BC fazer um plano de convergência no horizonte curto, o qual poderia, em tese, ser cumprido. Outra parte pensa que a comunicação é ilógica e absurda, e só resulta em confusão e perda de credibilidade.
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A terceira opção, que parece ter sido a escolhida pelo Copom, reside em considerar intervalo de confiança em torno da projeção central, sinalizando convergência “ao redor da meta”, tanto para o horizonte relevante como para o longo prazo. Os graus de liberdade adicionais evitam a necessidade de promessas inconsistentes ao longo do tempo. Mas, por outro lado, pode-se questionar sobre a real determinação de o BC buscar o centro da meta.
Dependendo do tamanho do intervalo escolhido, também pode haver custos adicionais de transparência. A comunicação recente mostra que o Copom considera que desvios de 0.30 p.p., para cima e para baixo, são considerados como “ao redor” da meta.
Dada a sensibilidade da inflação à Selic, estamos falando de um intervalo de confiança de juros de 100 pontos para cima ou para baixo. Então, neste exemplo, o “ao redor” para desvios de 0.3 p.p. de inflação implica que quaisquer juros num intervalo de 200 bps fariam adequadamente o trabalho. Com isso, a sinalização através da projeção de inflação pode passar a ser, na opinião do mercado, pouco relevante.
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Por fim, como última alternativa, o BC pode adotar um “julgamento na projeção”, divulgando projeções no centro da meta no horizonte relevante, a despeito da dinâmica do modelo. Isso eliminaria o problema da inconsistência temporal, mas colocaria em risco a consistências das projeções e do processo de comunicação.
Em resumo, não há opções fáceis a serem seguidas. A decisão de alongar o período de convergência, por mais razoável que possa ser, envolve riscos de desancoragem de expectativas, perda de transparência e credibilidade da política monetária.
*Fernando Genta é economista-chefe da XP Asset; Fabio Kanczuk é head de macroeconomia da ASA Investments.