Chile: pedestre passa na frente do Palacio La Moneda, Santiago, Chile. 26 de maio de 2020. | Foto: Cristobal Olivares/Bloomberg (Cristobal Olivares/Bloomberg)
Ligia Tuon
Publicado em 28 de maio de 2020 às 17h20.
Última atualização em 28 de maio de 2020 às 20h26.
A ideia de um imposto sobre grandes fortunas nunca saiu de cena e já vinha ganhando força em meio ao aumento da desigualdade no mundo, mas, durante a pandemia, o tema esquentou mais.
Nesta semana, a Câmara dos Deputados do Chile aprovou um projeto solicitando ao presidente Sebastián Piñera - empresário e dono de uma das maiores fortunas do país - a criação de um imposto com taxação de 2,5% sobre o patrimônio de super-ricos. Os recursos seriam destinados a um programa de renda básica temporário para a população mais vulnerável aos efeitos do novo coronavírus.
O texto foi aprovado por 85 votos a favor, 19 contra e 40 abstenções e teve, inclusive o apoio de deputados governistas, o que pressiona ainda mais o governo. Apesar de ter resgatado parte da sua popularidade, Piñera vem de um longo desgate diante dos protestos que se espalharam pelo país desde o final do ano passado e que tem a desigualdade como um dos alvos.
Sua atuação foi criticada pela violência policial e a convulsão social impactou também a economia. As manifestações voltaram a eclodir recentemente diante dos impactos trazidos pela pandemia.
Um terço da população de cerca de 19 milhões está em quarentena no Chile depois que o governo colocou Santiago e várias outras cidades em isolamento total. O número de infecções confirmadas por coronavírus já fica ao redor de 77.000. Enquanto isso, o sistema de saúde está perto do limite.
Apesar da tributação sobre fortunas parecer justa do ponto de vista social, economistas lembram que os cidadãos-alvo desse tipo de tributação, de forma geral, têm facilidade para fugir da cobrança.
"O risco de um único país adotar é que as pessoas mais ricas transfiram seu domicílio fiscal para outros países. Mesmo se adotado uma única vez, como parece ser o caso do Chile, só não terá o efeito de provocar uma saída das pessoas mais ricas se essas tiverem segurança de que esse procedimento não será novamente adotado, o que é muito difícil de fazer", diz o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCIF) e mentor da proposta de reforma tributária que tramita na Câmara.
Um caso emblemático é o da França, onde esse tipo de tarifação ganhou o apelido de “imposto inglês”, já que provocou a migração de muitos ricos para a Inglaterra. Um caso famoso foi do ator francês Gérard Dépardieu, que se tornou cidadão belga e, posteriormente, russo, em reação à decisão do ex-presidente da França, François Hollande, de taxar em 75% as grandes fortunas.
Outra critica dos economistas a esse tipo de imposto é em relação à baixa capacidade de arrecadação:
"O retorno para os cofres públicos não é relevante. Melhor tributar a renda decorrente da fortuna, como é o usual, do que o patrimônio", defende Marcos Lisboa, presidente do Insper. O economista alerta ainda para as distorções que podem ser geradas com a taxação e a dificuldade de mapear o patrimônio: "Como fazer se há patrimônio e em algum momento não há renda?", diz.
Monica de Bolle, da Universidade Johns Hopkins, discorda: "Patrimônio não é só dinheiro ou ações, são também imóveis e outros bens físicos", diz. Mapear as fontes tributáveis, segundo a economista, também não é tão difícil.
"As pessoas têm seus patrimônios registrados no imposto de renda. Quanto à arrecadação, dá para reunir um valor razoável. Lembrando que o Chile é menor, mas a proporção dos mais ricos em relação à população total é muito representativa em termos da renda", diz.
Para a deputada autora do projeto chileno, Karol Cariola, um pequeno grupo poderia contribuir com 6 bilhões de dólares, o que representa 2,4% de sua riqueza total, para sustentar um programa para cerca de 4 milhões de pessoas, sem distinção entre trabalhadores formais e informais.
No Brasil, o Congresso acumula 37 proposições sobre o tema desde 1989. O imposto sobre grandes fortunas é previsto pela Constituição Federal de 1998, mas nunca foi regulamentado no país. Só após o início da pandemia,13 projetos já foram apresentados por congressistas neste sentido.