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No Brasil, o consumo é chinês. Já o fôlego...

A economia brasileira vive um ritmo anualizado de crescimento superior a 8%. Dá para sustentar?

Movimento no centro de São Paulo: manter o consumo sem gerar inflação é a questão (Ricardo Corrêa/EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

Há muito tempo se discute por que o Brasil não consegue crescer de forma acelerada como fez no passado, até a década de 70, e como têm conseguido a China e outros emergentes. Pois desde o último trimestre de 2009 experimentamos o sabor de uma aceleração digna dos asiáticos. Os cálculos variam, mas nenhuma das estimativas feitas pelos especialistas aponta menos de 8% para a velocidade de crescimento que a economia alcançou em março - há quem estime que o ritmo anualizado do produto interno bruto já seria de 12%. Depois de décadas perdendo espaço, a economia brasileira agora avança emparelhada com a dos indianos ou a dos chineses. Essa exibição de vigor entusiasma, obviamente, quando se pensa nos benefícios que um crescimento econômico robusto é capaz de gerar. Crescer é mais do que desejável - é necessário. Vivemos o melhor período econômico em décadas. Mas é temeroso ignorar o desafio que temos pela frente: sustentar essa expansão, zelando pela saúde da economia.

Recentemente, o Fundo Monetário Internacional, ao apresentar suas novas projeções para a economia mundial, manifestou essa preocupação com o Brasil. O país é elogiado pela saída rápida da crise, mas advertido de que agora existem riscos de superaquecimento. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, discordou da conclusão, dizendo que "há aquecimento e não superaquecimento da economia". Porém, boa parte dos analistas concorda com o FMI. "Não há como sustentar o ritmo atual. Carecemos de poupança doméstica para investimento e acumulamos gargalos logísticos, de educação e de formação de mão de obra especializada", afirma Illan Goldfajn, economista-chefe do banco Itaú. "O crescimento acelerado pressiona a inflação e estoura nossa conta corrente." A previsão mais recente para a inflação neste ano é de 5,4%. Para a conta corrente, resultado das transações comerciais e do fluxo de capitais entre o país e o exterior, a projeção é de déficit de 2,7% do PIB. Não são números tão ruins. Porém, a tendência de alta preocupa - o que, considerando o histórico do Brasil, não é nenhum exagero. Esses indicadores, combinados aos dados de produção que mostram a economia a todo vapor, são a base da análise que levaria o Banco Central a promover no final de abril a primeira elevação da Selic, a taxa de juro básica, que permaneceu em 8,75% anuais durante dez meses. (No fechamento desta edição, em 26 de abril, os prognósticos para a nova taxa variavam de 9,25% a 9,75%.)

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É no consumo que se observa o maior ímpeto da economia brasileira. "Faltam dez dias para terminar abril e já fechei minha cota do mês", foi a frase ouvida de uma vendedora por Frederico Trajano, diretor de marketing e vendas do Magazine Luiza, numa recente visita feita à loja da rede varejista em Sertãozinho, cidade do interior paulista. A economia de Sertãozinho, cuja base é industrial, havia sido muito afetada pela turbulência do início do ano passado. Durante meses, predominou o medo, com cortes de investimento e de empregos. Passado um ano, a depressão cedeu lugar à euforia. "É incrível como as coisas mudaram rapidamente", diz Trajano. "No primeiro trimestre de 2009, o clima era de catástrofe. Hoje, nossa equipe está animada e vivemos um boom histórico no varejo." Num período em que normalmente seria de dispensa de temporários admitidos antes do Natal, o Magazine Luiza fez 800 contratações. Até o fim do ano, a rede de lojas deve ser ampliada em 30 unidades, para 480, distribuídas em sete estados do Sudeste e do Sul. A previsão de faturamento foi revista de 4,5 bilhões para 5 bilhões de reais, ante 3,8 bilhões em 2009. Esse plano, segundo Trajano, apoia-se no visível otimismo dos consumidores. No Magazine Luiza, os alvos mais cobiçados por eles são as TVs de tela fina, com aumento de 46% das vendas no primeiro trimestre, os computadores, cujo crescimento foi de 44%, e os móveis, 30%. De acordo com a consultoria Tendências, o comércio no país deve obter 6,8% de aumento das vendas neste ano.

Com esse ritmo de expansão, os sinais são de que a economia brasileira neste ano vá superar com folga o baque sofrido em 2009, quando houve recuo de 0,2% no PIB. Um levantamento ainda parcial do retrato que será apresentado na edição especial MELHORES E MAIORES 2010, de EXAME, feito com 255 empresas que figuram entre as 500 maiores do país, mostra que a recessão foi sentida de modo mais acentuado no pelotão corporativo de elite. Essas companhias, com faturamento anual acima de 487 milhões de dólares em 2009, tiveram em conjunto uma queda de 8,5% nas vendas comparadas às de 2008. Dos 21 setores analisados, 13 apresentaram diminuição de faturamento e oito obtiveram aumento. Os setores de siderurgia e metalurgia e de mineração registraram os piores desempenhos, ambos com queda superior a 20% (veja quadro acima). Na ponta positiva, a indústria farmacêutica (47%) e a da construção (15%) contabilizaram os maiores crescimentos de vendas.


Embora o ano como um todo tenha sido de retração para a maioria dos setores, principalmente os que obtêm parcela importante das receitas com a exportação, a partir do meio do ano começaram a surgir os sinais de reação. Ela veio primeiramente, e com mais força, para as áreas ligadas ao mercado doméstico. Aí é que se fizeram sentir os efeitos das reduções de impostos - para estimular o consumo de produtos como carros, eletrodomésticos, móveis e material de construção - e de outros estímulos, como a ampliação da oferta de crédito imobiliário, criados pelo governo para combater os efeitos da crise mundial. O resultado foi que, no fim do ano, o clima sombrio do primeiro semestre já havia sido superado. Um levantamento feito a pedido de EXAME pela consultoria Economática, que acompanha empresas de capital aberto, mostra que houve aumento médio de 3,2% nas receitas do quarto trimestre do ano passado em comparação ao mesmo período de 2008. Dois setores, pelos estímulos recebidos, destacamse como os de crescimento mais expressivo: a construção, com 49% de expansão das vendas, e o comércio, com 21%. A construtora Brookfield, que constrói e vende tanto imóveis residenciais quanto comerciais, foi uma das que mais cresceram no quarto trimestre de 2009: 89,5%, segundo a Economática. "Muita gente achava que o mundo fosse acabar e cortou os lançamentos. Nós mantivemos os nossos e colhemos os frutos", diz Nick Reade, presidente da Brookfield. No ano todo, a empresa praticamente dobrou de tamanho. Depois dessa arrancada, a previsão é mais modesta, mas ainda forte: 20% de crescimento neste ano e outros 20% em 2011.

Até agora, foi possível crescer assim porque, devido à queda das exportações, diversos setores, em especial da indústria, passaram a ter ociosidade. "A questão é que, à medida que o tempo passa, os recursos ociosos vão sendo ocupados e começam as pressões de preços", diz Juan Jensen, economista da Tendências Consultoria. "Por isso, precisamos voltar a nosso patamar de crescimento saudável, da ordem de 4,5% a 5% ao ano." Ir além disso sem gerar estresse inflacionário é algo que depende de fatores como investimentos e aumento da produtividade por meio de novas tecnologias e qualificação da mão de obra. Isso requer tempo. "Uma nova estrada leva de quatro a cinco anos para ser construída e, na educação, para uma mudança influir no crescimento econômico, o ciclo é de 15 a 20 anos", afirma Jensen. China e Índia, entre outros países, estão em cadência forte há muito tempo. O modelo econômico varia de país para país, mas um traço comum a todos que crescem rápido é a alta taxa de investimento que mantêm: a da China foi de 43% do PIB em 2009, e a da Índia, 33%. A taxa de investimento brasileira no ano passado foi metade da indiana.

Com cenário de geração recorde de 2 milhões de empregos em 2010 e aumento projetado de 6,2% na massa de rendimento produzida pelo trabalho, é natural que o Brasil viva um oba-oba. O crescimento previsto para o PIB está em torno de 6% neste ano. Mas convém não esquecer que há muita lição de casa - de melhoria da infraestrutura a reformas modernizadoras em campos como o trabalhista e o tributário - a ser feita, sob pena de, nos próximos anos, o país ter de enfrentar uma ressaca - e pagar uma conta alta.

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