Cofre em formato de porco na praia (george tsartsianidis/)
João Pedro Caleiro
Publicado em 20 de fevereiro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 11 de abril de 2019 às 12h01.
São Paulo - Com o envio da reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, a sociedade brasileira se vê novamente em um debate espinhoso:
Quais devem ser os valores, regras e critérios para garantir uma aposentadoria digna aos idosos do país?
Uma coisa é certa: o caminho atual é insustentável. Veja 4 motivos para isso:
O brasileiro está tendo menos filhos e vivendo cada vez mais
O sistema de Previdência brasileiro é de repartição, que funciona pela chamada "solidariedade entre as gerações": quem está na ativa no mercado de trabalho banca os benefícios de quem está aposentado.
Esta conta só fecha se houver um certo equilíbrio na taxa de dependência, que é a proporção entre pessoas na ativa e idosos. Mas essa relação está se esgarçando pois as duas pontas torcem em direções opostas.
De um lado, há menos jovens para trabalhar, pois o brasileiro está tendo menos filhos: a taxa de fertilidade despencou de 6,07 filhos por mulher em 1960 para 1,73 em 2016, segundo o Banco Mundial.
É menos do que o necessário para repor a população atual e a taxa de imigrantes entrando no país é mínima.
Ao mesmo tempo, os idosos vivem (e recebem aposentadoria) por cada vez mais tempo: em 1991, um homem que chegasse aos 65 anos viveria, em média, por mais 12 anos (até os 77). Hoje, um homem que complete 65 anos pode esperar viver mais 17 anos (até os 82).
Os dados, tirados do IBGE, são de sobrevida. A expectativa de vida ao nascer, usado com frequência no debate, não tem tanta utilidade quando pensamos em aposentadoria, já que a média de todos que nascem e morrem é puxada para baixo por mortes precoces tanto na infância quanto por violência.
O governo brasileiro já não consegue fechar as contas
O Brasil registrou déficit primário em todos os anos desde 2014. Isso significa que o governo não consegue pagar suas despesas básicas, sem contar pagamentos de juros, com o dinheiro que arrecada via impostos. Em 2018, esse rombo foi de R$ 120 bilhões.
Uma parte do nó é que as receitas seguem decepcionando após uma forte recessão seguida de retomada econômica fraca, mas o espaço para resolver o problema via aumento de impostos é limitado: nossa carga tributária já é uma das mais altas entre os países emergentes.
E do lado do gasto, a Previdência é a questão central a ser atacada, já que responde por mais da metade da despesa primária da União (e ainda mais nos estados).
Como os benefícios previdenciários são obrigatórios por lei e estão vinculados ao salário mínimo, crescem de forma automática e comprimem cada vez mais o espaço de outras despesas.
O nosso gasto em Previdência está fora do padrão internacional
Dados de rombo são relevantes, mas em última análise, maleáveis: você pode eliminar o déficit no papel simplesmente definindo que tal gasto não é "Previdência", ou que tal imposto deve ser destinado para a "Previdência". Nada disso resolve a crise fiscal.
Outra forma de pensar a questão é comparar o quanto o Brasil gasta com essa rubrica comparado com outros países com a mesma proporção de idosos ou com o mesmo nível de desenvolvimento.
Em 2013, antes da crise, o Brasil gastava cerca de 10% do seu PIB em Previdência. A proporção é similar à de países com muito mais idosos, como Alemanha e Japão, e supera (e muito) países com perfil etário similar, como México e Turquia. Os números são do Insper usando dados da ONU e OCDE.
A Previdência piora a nossa desigualdade
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já repetiu em mais de uma ocasião que a Previdência brasileira é uma "fábrica de desigualdades", e ele tem sua parcela de razão.
A possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição favorece quem consegue comprovar um emprego formal por mais tempo, enquanto os mais pobres já costumam se aposentar por idade.
Apenas 3% dos hoje chamados aposentados precoces (mulheres entre 46 e 54 anos, e homens entre 50 e 59 anos) estão entre os 20% mais pobres da população. 82% estão na metade mais rica da população e muitos seguem trabalhando após se aposentar.
Outro mecanismo que faz a Previdência alimentar a desigualdade é a diferença entre os setores: a média de benefício no setor público (8.200 reais) é mais de 7 vezes superior à no setor privado (1.100 reais).
Alguns dos maiores benefícios são amplamente financiados pela União: o déficit per capita anual dos militares, por exemplo, ficou em R$ 99,4 mil em 2017, contra déficit per capita de R$ 6,25 mil no INSS.
E esse dinheiro que o governo destina para aposentadorias polpudas vem principalmente de impostos indiretos, que pesam mais sobre a renda das pessoas mais pobres.