Economia

Alta do dólar pode limitar ciclo de corte de juros do BC

O real já é uma das moedas de mercados emergentes com pior desempenho, e uma contínua alta do dólar pode acabar acelerando a inflação

BC: Nesta semana, o Comitê de Política Monetária reduziu a Selic para um recorde de baixa e sinalizou que mais cortes estão a caminho (Gustavo Gomes/Bloomberg)

BC: Nesta semana, o Comitê de Política Monetária reduziu a Selic para um recorde de baixa e sinalizou que mais cortes estão a caminho (Gustavo Gomes/Bloomberg)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 22 de setembro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 22 de setembro de 2019 às 08h00.

Com o dólar valorizado diante da perspectiva de mais cortes de juros, investidores se perguntam quanto mais a moeda pode subir antes de começar a interferir no ciclo de afrouxamento monetário.

Nesta semana, o Comitê de Política Monetária reduziu a Selic para um recorde de baixa e sinalizou que mais cortes estão a caminho, alimentando a especulação de que o ciclo agressivo de afrouxamento monetário pode sair pela culatra. O real já é uma das moedas de mercados emergentes com pior desempenho, e uma contínua alta do dólar pode acabar acelerando a inflação.

“Se o câmbio deixar, o juro vai abaixo de 5%”, disse o diretor executivo da Truxt Investimentos, José Tovar, acrescentando que o dólar acima de R$ 4,30 pode ser um obstáculo. “Tem que ver a rapidez do movimento e como se comportam os outros emergentes.”

O real acumula queda de 8,5% desde 31 de julho até o fechamento de quinta-feira, mais do que todas as 24 moedas de mercados emergentes rastreadas pela Bloomberg, exceto o peso argentino, abalado pela expectativa de retorno de um governo de esquerda no país.

Em agosto, quando o dólar se aproximou de R$ 4,20, o Banco Central esfriou as apostas de mais alta da moeda, surpreendendo o mercado com intervenções cambiais durante o horário de negociação. O BC também começou a vender dólares das reservas internacionais pela primeira vez em uma década.

Cenário benigno

Economistas e a autoridade monetária ainda veem a inflação anual abaixo da meta de 2020, mesmo com o avanço do dólar. O IPCA mostrou alta de 3,43% nos 12 meses encerrados em agosto, enquanto a pesquisa Focus divulgada na segunda-feira mostrou que o mercado projeta inflação de 3,8% em dezembro de 2020, abaixo da meta de 4% para o ano.

No comunicado após a decisão de política monetária na quarta-feira, o Copom disse que “a consolidação do cenário benigno da inflação em perspectiva” deve permitir mais cortes de juros. A alta de preços permanecerá abaixo da meta, mesmo que os juros caiam ainda mais e o dólar se estabilize em R$ 4,05, segundo o comunicado.

“Acredito que o dólar só comece a incomodar se estiver acima de R$ 4,40, já que dá para aferir que entre R$ 4,20 e R$ 4,30 de câmbio médio de 2020, a inflação ainda está na meta”, disse Carlos Menezes, gestor da Gauss Capital. “Se o mercado global perder o viés de dólar forte -- por conta de fatores como melhora de guerra comercial -- ou os dados de crescimento começarem a despontar, o mercado deve voltar a comprar a moeda brasileira.”

O BC não quis comentar o impacto do mercado de câmbio para a política monetária quando contatado pela Bloomberg.

No longo prazo, não há sinal de que o debate acabe. Por um lado, juros mais baixos podem tornar a moeda ainda menos atraente para investidores, reduzindo seu potencial de carry trade.

Ainda assim, o BC continuará sob pressão para continuar reduzindo a taxa básica e, assim, impulsionar o PIB, que deve crescer apenas 1% pelo terceiro ano consecutivo, segundo projeções.

Dado o mau estado das contas fiscais, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, terá que arcar com o ônus de injetar estímulos na economia, segundo André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton.

“Campos Neto foi colocado numa sinuca de bico, já que o corte dos juros vai enfraquecer ainda mais o real”, disse Perfeito. “Parece que ele está sozinho na tarefa de estimular a economia, pois o lado fiscal não pode fazer muita coisa.”

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