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Alca corre o risco de não gerar comércio, diz especialista

Por mais que a diplomacia hesite em admitir, a negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) torna-se uma empreitada cada vez mais difícil de chegar a um fim bem-sucedido. Muitos analistas ponderam que a inflexibilidade do Brasil e dos Estados Unidos - e o esforço insuficiente de mudar as exigências - lançaram a […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h53.

Por mais que a diplomacia hesite em admitir, a negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) torna-se uma empreitada cada vez mais difícil de chegar a um fim bem-sucedido. Muitos analistas ponderam que a inflexibilidade do Brasil e dos Estados Unidos - e o esforço insuficiente de mudar as exigências - lançaram a Alca na realidade de um futuro distante. No mínimo, dois anos a mais do que se esperava. Especialista no assunto, o presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Marcos Jank, receia que, no ritmo que as discussões andam, a futura Alca se transforme em uma área de pouco comércio. Para ele, se ficarem de fora do programa produtos sensíveis com os agrícolas e os têxteis, a "Alca não cumprirá o seu principal propósito, que é criar comércio".

Como muitos economistas, Jank defende que os negociadores e empresários brasileiros precisam ser mais pragmáticos. E adverte: a negociação com os Estados Unidos na Alca deve tornar-se proveitosa porque "todas as demais frentes atuais e potenciais dependem desse avanço". Leia a seguir entrevista concedida ao Portal EXAME:

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Portal EXAME - Na sua opinião, o Brasil já ficou para trás em termos de negociação com os Estados Unidos?

Marcos Jank - O Mercosul ficou relativamente isolado, pois até mesmo os três países andinos - Equador, Peru e Colômbia -, que participam do acordo de livre comércio com o bloco do Cone Sul, se alinharam aos Estados Unidos. O principal impasse ocorre em torno do nível de ambição do futuro bloco, que envolve uma barganha entre acesso a mercados e regras para compras governamentais, serviços e investimentos. O Brasil resiste a fazer ofertas de liberalização nessas áreas, que o G-14 (EUA, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru e República Dominicana) considera fundamentais. Empresários do agronegócio e da Coalizão Empresarial Brasileira estão pedindo para que o governo adote uma postura menos defensiva. Por outro lado, os EUA têm mostrado um maior apetite por acordos bilaterais de comércio, como os que assinou com a Austrália, em fevereiro, com os países da América Central e com o Chile. Outras tratativas estão em andamento. Essa é uma rota que até aqui não inclui o Brasil, que está mais interessado em abrir novas opções com os países em desenvolvimento, por exemplo, o Peru, a África do Sul e a Índia.

Portal EXAME - O senhor considera positiva a tendência de acordos bilaterais?

Jank - Particularmente, penso que os acordos bilaterais não são uma boa opção para potências médias como o Brasil, além de comprometer o futuro do sistema multilateral de comércio. O melhor fórum de negociação para o Brasil ainda é a Organização Mundial do Comércio, seguida de acordos abrangentes e equilibrados com países grandes do Norte e do Sul, a exemplo da Alca e do acordo Mercosul-União Européia.

Portal EXAME - Na sua avaliação, a postura do governo brasileiro está correta?

Jank - O Brasil é um parceiro fundamental na Alca pelo tamanho de seu mercado e seu peso geopolítico. Mas, dada a relutância do Brasil e dos Estados Unidos em demonstrar maior ambição no acordo hemisférico, o que temos hoje é um projeto de Alca fatiada no formato "à la carte", um acordo com um núcleo comum e a opção de grupos de países avançarem isoladamente em cada tema. O impasse da última reunião da Alca, em Puebla, indica que o núcleo central provavelmente será muito reduzido, mais próximo ao formato de uma "margarida" do que de um "girassol", com várias pétalas em volta no formato de acordos voluntários de menor abrangência geográfica. Infelizmente, o mundo caminha cada vez mais no sentido da bilateralização tipo "centro e raios", com países como EUA, UE ( União Européia ) e China ocupando o centro e, à sua volta, centenas de acordos de pequena envergadura como "raios".

Portal EXAME - Qual a sua avaliação sobre o andamento das negociações da Alca?

Jank - A Alca perdeu ímpeto no momento em que os EUA e o Brasil propuseram a Alca "à la carte" na reunião de Miami, no final do ano passado. A última reunião de Puebla sacramentou essa decisão, mas terminou com um impasse em torno do tamanho do núcleo comum da Alca esfacelada. A minha impressão é que a Alca vai, no fim das contas, criar muito pouco comércio.

Portal EXAME - Quais pontos têm condições de evoluir mais rapidamente?

Jank - Houve uma pressão do setor privado - Coalizão Empresarial e os empresários do agronegócio - no sentido de que o governo avance posições menos defensivas para tentar tirar a Alca do impasse em termos do trade-off entre acesso a mercados e regras. O G-14, com os EUA à frente, propõe que os ganhos de acesso a mercados de bens sejam proporcionais ao que for negociado em outras áreas. Entendemos que é muito importante uma maior flexibilidade do Brasil nas negociações de serviços, investimentos e compras governamentais. Acho que temos de ser mais pragmáticos na negociação da Alca. Os EUA são o nosso principal cliente nas exportações, e a negociação com eles na Alca deveria continuar, até porque todas as demais frentes atuais e potenciais dependem desse avanço.

Portal EXAME - Quanto se estima que o Brasil perderia se o país aderisse à proposta dos Estados Unidos quanto à Alca?

Jank - O governo deveria avaliar melhor o que já conseguimos em termos de ganhos de competitividade nos setores que somos demandados, como o de serviços. O país tem experiência consolidada no exterior em serviços de software, engenharia, construção civil, televisão, propaganda e mídia. Em telecomunicações e serviços bancários estamos anos-luz à frente da maioria dos países em desenvolvimento. Portanto, acredito que estamos tecnicamente habilitados a fazer concessões além do acordo básico do Gats ( Acordo Geral sobre Serviços da OMC ). Em investimentos, o Brasil também é um país bastante liberal, sendo que é possível dar passos adicionais a favor de uma maior integração comercial, que inclusive sinalizariam positivamente para o investidor estrangeiro. Agora, se isso não for feito e se aceitarmos que certos produtos sensíveis, como agricultura e têxteis, fiquem de fora do programa de desagravo, a Alca não cumprirá o seu principal propósito, que é criar comércio.

Portal EXAME - O acordo Mercosul-União Européia tem mais chance de ser concluído com êxito para o Brasil do que a Alca?

Jank - A negociação com a União Européia é mais dura que a da Alca, embora isso não transpareça na mídia. As propostas americanas na Alca são bem mais vantajosas e abrangentes em termos de produtos do que as da União Européia. De fato, os europeus aparentemente não são tão exigentes em novas regras como os americanos, mas serão muito rígidos em exigir amplo acesso ao mercado brasileiro em compras governamentais, serviços e investimentos. Por outro lado, ao contrário dos americanos, os europeus até aqui não oferecem qualquer acesso efetivo para o Mercosul nos produtos sensíveis da agricultura. Nessa área, a prioridade deles é completar a integração dos 15 países do Leste Europeu, que vai ocorrer até 2013, e não uma abertura para o Mercosul.

Portal EXAME - O que os acordos bilaterais de comércio que os Estados Unidos vêm negociando com vários países revelam para o Brasil?

<

p align="left"> Jank - Os acordos são diferentes uns dos outros e dependem do tamanho e das especificidades econômicas dos parceiros dos EUA. No acordo EUA-Austrália, por exemplo, o açúcar ficou de fora, enquanto no acordo com o Cafta (países da América Central), os EUA ofereceram acesso restrito a esse produto por meio de quotas de importação. No acordo com a Austrália, não houve a inclusão da cláusula sobre disputa entre investidor estrangeiro e Estado. Essa cláusula, entretanto, entrou no acordo EUA-Chile. Para o Brasil, uma análise sobre os acordos bilaterais de comércio com os EUA leva à conclusão fundamental de que os países são movidos por interesses e objetivos totalmente diversos. É falsa a noção de que os países que negociam com os americanos são sempre "perdedores". Muitos itens que hoje rejeitamos na negociação da Alca são demandas explícitas desses países. Por isso, deveríamos parar de ficar comparando a nossa trajetória com a de países como México, Chile e Austrália e investir nosso tempo em saber o que queremos ser como nação daqui a duas ou três décadas. Em vez de ficarmos repetindo exaustivamente o que não queremos na área de livre comércio, deveríamos avaliar mais claramente o que queremos ser no futuro e quais os custos e benefícios para chegarmos lá. Tenho certeza de que as opções de isolamento, de aumento do protecionismo comercial como fizemos no passado ou de buscar apenas acordos comerciais com países muito menores que o Brasil são decisões que não nos levarão a lugar algum.

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