MONTADORA: a GM assumiu a liderança, e a Hyundai entrou para o top 4 em 2016 / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)
Letícia Toledo
Publicado em 3 de junho de 2016 às 21h08.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h48.
Em uma de suas frases mais célebres o ganhador do Prêmio Nobel de economia Frieddrich August von Hayek diz que “a curiosa tarefa da economia é demonstrar aos homens o quão pouco eles realmente sabem sobre o que imaginam que podem projetar”. A frase simboliza bem a semana que passou. A divulgação de números sobre a economia brasileira embaralhou as projeções de muitos analistas para o restante de 2016, e também para os próximos dois anos.
A principal surpresa foi o Produto Interno Bruto (PIB) do país no primeiro trimestre, que apresentou uma retração de apenas 0,3% na comparação com o trimestre anterior, enquanto a projeção de era de uma queda de 0,8%. A Produção Industrial também veio para confundir. Ela expandiu 0,1% em abril na comparação com o mês anterior, que já havia avançado 1,4%. Economistas esperavam uma queda de 0,9% na produção. Dois avanços consecutivos na produção industrial não aconteciam desde agosto de 2014. A queda menor do PIB e a alta da produção trouxe à tona a pergunta inevitável: quer dizer que o pior já passou?
A dependência do otimismo
“A gente já vê em alguns setores os estoques já voltando aos padrões normais. A qualquer momento do segundo trimestre podemos ter a estabilização da produção”, diz Mauricio Molan, economista-chefe banco Santander. Para ele, o ânimo de consumidores e da indústria com o novo governo pode trazer uma melhora na produção e consumo dos bens não duráveis e semi-duráveis, como alimentos e roupas já nos próximos resultados.
Em maio, o índice de confiança do consumidor subiu 5,4% e o da indústria teve alta de 2,1%, na comparação com o mês anterior, segundo a Fundação Getúlio Vargas. Mas, ressaltam analistas, o que fez os índices subirem em ambos os casos foram os as perspectivas de melhora nos próximos meses — e não uma sensação de que a vida já melhorou. O Índice de Expectativas da indústria subiu 2,6 pontos, enquanto o Índice da Situação Atual apresentou melhora de 0,7 ponto. No Índice de Expectativas do consumidor a alta foi de 5,3 pontos enquanto, o Índice de Situação Atual foi de apenas 0,8 ponto.
Expectativa, nesse caso, pode levar a uma profecia que se auto-realiza. Pesquisas apontam que pessoas pessimistas compram menos, o que faz o varejo faturar menos, a indústria produzir menos, e por aí vai. Como diz o estatístico americano Nate Silver, que ficou conhecido por suas projeções certeiras sobre resultados de eleições nos Estados Unidos, “a população é ainda mais pessimista sobre a economia do que até mesmo os economistas mais pessimistas”. Por isso, é complicado esperar que as coisas melhorem com um ânimo dos consumidores que pode facilmente mudar de direção.
Produção industrial
É importante ressaltar que nem tudo que acontecer de positivo ou de negativo daqui pra frente será responsabilidade de Temer. O cenário global pode ter um peso decisivo. Um dos fatores que tem contribuído para a melhora da produção industrial é o aumento das exportações. Uma combinação de dólar ainda alto e as fábricas nacionais com capacidade ociosas devido à fraca demanda interna, as exportações subiram 13% em maio na comparação anual, puxada por commodities, alimentos como carne, e até peças automobilísticas.
“O quadro geral anda muito ruim, mas podemos esperar uma melhora da produção porque alguns setores estão com os estoques baixos e devem produzir mais, principalmente aqueles que tem aumentado as exportações”, diz Francisco Pessoa analista da LCA Consultores. Até o fim do ano passado, o nível de produção da maioria dos setores industriais permanecia maior do que a demanda. Desde então, as fábricas reduziram turnos, cortaram funcionários e reduziram o volume de mercadorias.
A última pesquisa de Sondagem da Industria de Transformação da FGV mostrou que, no período de abril a maio, 9 dos 19 segmentos pesquisados conseguiram normalizar seus estoques. Os segmentos de limpeza e perfumaria, máquinas e equipamentos, farmacêutica e alimentos tiveram as maiores quedas nos estoques. A queda vem de uma combinação de diminuição na produção e aumento na venda de alguns segmentos.
Um dos fatores que deverá contribuir para a recuperação da produção, segundo os analistas, é uma esperada queda da taxa de juros ainda este ano. Economistas ouvidos pelo Boletim Focus estimam que a taxa Selic termine o ano próxima dos 12,88%, ante os 14,25%. A queda reduziria o custo financeiro das empresas e estimula o investimento em novas fábricas e a retomada produção. Mas, para que aconteça, é preciso que a inflação que relutantemente se mantém acima dos 9,6% no acumulado dos últimos 12 meses, dê sinais de queda.
Para setores como o da construção civil e automobilístico, a história é ainda mais complicada. Uma pesquisa da FGV, por exemplo, mostra que 36% das indústrias de veículos e autopeçasinformaram ter estoques excessivos de produtos, segundo pesquisa da FGV em maio. Para estes, estimam analistas, as coisas só devem começar a melhorar a partir do fim do ano que vem. Isso, claro, se os brasileiros voltarem a comprar carros – segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores no acumulado dos quatro primeiros meses do ano o setor teve uma queda de quase 28% nas vendas, o volume mais baixo para o período em uma década.
Produto Interno Bruto
Qual vai ser o peso da política? Em uma pesquisa do Instituto FSB, 55,4% dos entrevistados declararam esperar que o governo Temer seja igual, pior ou muito pior do que o governo Dilma e 22,6% apostam que ele fará uma gestão ótima ou boa.
Por enquanto, o cenário político continua turbulento. Vazamentos de conversas levaram à queda dos ministros do Planejamento e da Transparência. Nesta sexta-feira, o presidente Temer nomeou a ex-deputada Fátima Pelaes, acusada pelo Ministério Público de integrar uma articulação criminosa, para a Secretaria de Políticas para Mulheres.
Além disso, em meio a um corte de gastos para promover o ajuste fiscal, a Câmara aprovou a criação de 14.419 cargos federais – quatro vezes os 4.000 postos que Temer prometeu cortar. Os deputados também aprovaram um reajuste do funcionalismo público que devem trazer um impacto de pelo menos 56 bilhões de reais aos cofres públicos até 2019.
Economistas consultados por EXAME Hoje estimam que o PIB do país pode variar entre 0% a 2% em 2017 dependendo das reformas que o governo conseguir aprovar. Para este ano, a projeção é de uma queda entre 3,2% e 4%. Isso tudo depende, claro, de o governo dar sinais concretos de estar de fato comprometido com o ajuste fiscal, e de resolver a crise política para poder aprovar reformas importantes no Congresso.
“Essa melhora que projetamos é totalmente dependente de iniciativas do governo. A crise teve origem com o desequilíbrio fiscal que afetou a confiança de mercado financeiro, empresários e consumidores. Essa confiança foi restaurada com a perspectiva de reajuste fiscal”, diz Molan, que projeta um crescimento de 1% do PIB já em 2017.
O fator desemprego
O desemprego continua em alta e, para especialistas, este deve continuar sendo o principal tormento da economia nos próximos anos. “A taxa de desemprego é um dos últimos indicadores a refletir uma crise e costuma ser um dos últimos a apresentar sinais de melhora”, diz o economista Rafael Bacciotti, da consultoria Tendências.
Enquanto a situação não melhora, o consumo das famílias deve continuar em queda, os créditos restritos e a inadimplência alta. No trimestre encerrado em abril, o desemprego atingiu 11,2% da População Economicamente Ativa do país. Para Fabio Romão, da LCA Consultores, mesmo com a melhora da economia, a força de trabalho deve pressionar a taxa de desemprego. “Hoje, uma parte da população parou de procurar emprego porque não encontra, quando a economia melhorar, essas pessoas voltarão a procurar. Assim, a força de trabalho aumenta e não deixar a taxa de desemprego diminuir”, diz Romão.
“Se o governo apresentar um bom programa de concessões pode estimular as contratações no setor de infraestrutura e na indústria. Se isso acontecer, já poderemos ver uma melhora no desemprego a partir do fim do ano que vem”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator. A expectativa é de que o desemprego chegue próximo aos 13% em meados de 2018 para só então começar a cair. Voltar aos níveis de 2014, na casa dos 4%, só de 2020 pra frente. Isso, claro, se o governo jogar a favor. Paciência até lá, e muito sangue frio no caminho.
(Letícia Toledo)