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A crise das teorias econômicas

Richard Bookstaber ataca todo o arcabouço teórico das modelagens matemáticas usadas em economia

OPERADORES DA BOLSA DE NOVA YORK DURANTE A CRISE DE 2008: segundo novo livro, as modelagens matemáticas usadas para prever o mercado não fazem sentido (Spencer Platt/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2017 às 06h27.

Última atualização em 19 de agosto de 2017 às 15h13.

The End of Theory: Financial Crises, the Failure of Economics, and the Sweep of Human Interaction (“O fim da teoria: crise financeira, a falência da economia e a virada na interação humana ”, numa tradução livre)

Autor: Richard Bookstaber

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Editora: Princeton University Press

240 páginas

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Para entender o mundo financeiro, especialmente em épocas de crise , faz mais sentido ler Borges e Milan Kundera do que se enfronhar nas teorias dos economistas tradicionais. Esta é uma das premissas que originaram o livro The End of Theory (“O fim da teoria”, numa tradução livre), do ex-analista de riscos Richard Bookstaber.

Um dos poucos economistas que anteviram a crise de 2008, Bookstaber ajudou o governo americano a reestruturar as normas regulatórias e hoje administra os investimentos da Universidade da Califórnia. Em seu livro anterior, Mercado Financeiro – A Crise Anunciada, ele já expunha a fragilidade do mundo financeiro, derivada da excessiva interconexão entre instituições e de uma realidade complexa, impossível de prever.

Desta vez, Bookstaber faz uma crítica mais abrangente: ataca todo o arcabouço teórico das modelagens matemáticas usadas em economia. Elas não fazem sentido, segundo ele, por quatro motivos básicos. O primeiro é que os fenômenos humanos são emergentes, quer dizer, a realidade coletiva resulta não da soma das intenções individuais, mas da interação imprevisível entre elas.

O segundo motivo é que o mundo é não-ergódico. Ou seja, a realidade não se repete. “Para saber se estamos num mundo ergódico, podemos fazer uma simples pergunta: a história importa? Faz diferença o modo como chegamos onde estamos?”, escreve. “Para a maioria dos processos físicos, não.” A água ferve a 100 graus Celsius no nível do mar, quer você a esquente hoje, amanhã ou daqui a dez anos. Para fenômenos humanos, porém, a trajetória interessa. O modo como você conseguiu o seu dinheiro faz diferença na maneira como vai aplicá-lo.

O terceiro motivo é a incerteza radical. É aí que entra o escritor tcheco (naturalizado francês) Milan Kundera, autor do best-seller A Insustentável Leveza do Ser. Nós vivemos num mundo, diz ele, com “o estranho prazer que vem da certeza de que não existem certezas”.

O quarto motivo é a irredutibilidade computacional. “Nosso comportamento econômico é tão complexo, nossas interações são tão profundas que não existe um atalho matemático para determinar como elas vão se desenvolver”, diz Bookstaber.

É na descrição poética desses quatro elementos que brilha o gênio do escritor argentino Jorge Luis Borges. Bookstaber não se cansa de citá-lo. Fala de sua história sobre um império em que a cartografia era tão evoluída que os sábios construíram um mapa do tamanho do território que ele representava; fala do conto sobre Funes, o memorioso, um personagem que lembrava de tudo e, justamente por isso, não tinha poder de síntese nenhum; fala sobre o reino de Tlön, uma terra em que a teoria era tão exuberante que relegava a realidade à insignificância; e fala sobre a biblioteca de Babel, uma biblioteca imaginária em que existem todos os livros possíveis, mas em vez de facilitar, isso impossibilita o conhecimento.

A economia do absurdo

Para Bookstaber, os personagens de Borges retratam o estado da economia hoje. Na tentativa de criar modelos que representam a realidade, a realidade é jogada fora.

Sobra crítica até para alguns críticos do pensamento econômico, como Daniel Kahneman, premiado com o Nobel por ter ajudado a criar a área da economia comportamental. As pesquisas de Kahneman e Amos Tversky mostram como os seres humanos se desviam do modelo de racionalidade típico da teoria econômica ortodoxa.

Mas as pessoas não se desviam do pensamento racional porque cometem erros, argumenta Bookstaber. Na linha do psicólogo alemão Gerd Gigerenzer, ele diz que nós não raciocinamos por matemática, e sim por regras práticas.

Ao atravessar uma rua, ninguém calcula a velocidade dos carros, a distância a percorrer, o tamanho do passo. Usamos um atalho, que consiste em avaliar apenas o ângulo que a trajetória do carro faz com a nossa. “O ponto é que nossas ações são específicas para cada contexto; não são guiadas pela lógica”, afirma. “A lógica nos faria agir consistentemente, mas o que nós fazemos depende do mundo que vemos e da situação em que nos encontramos.”

Bookstaber não é o primeiro a criticar o conceito do Homo economicus, esse ser racional (e fictício) que nos representa coletivamente, que avalia suas opções e toma decisões sempre com o intuito de maximizar sua felicidade.

Que esse ser não existe já se sabe há muito tempo. Desde Herbert Simon, outro prêmio Nobel, que deu um golpe poderoso na noção da racionalidade com seu conceito de limites à cognição – não temos condição de ter todas as informações relevantes, nem de processá-las no tempo requerido, e por isso temos de tomar decisões com uma racionalidade constrangida.

Mas aí entra Borges, de novo. Como ilustra sua biblioteca de Babel e seu Funes, não é a falta de informações que nos impede de usar a racionalidade. É que para pensar é preciso forçosamente escolher – e isso inclui necessariamente escolher o que ignorar.

Como parar a tempestade

Os limites da teoria econômica são mais claros durante as crises. Como observou a rainha Elizabeth II, a grande maioria dos economistas fracassou em prever a crise de 2008. Isso ocorre, segundo Bookstaber, porque os modelos são por natureza montados para tempos de estabilidade. E uma crise é o oposto disso.

O mecanismo da crise tem mais a ver com um pisoteamento, como aqueles que eclodem às vezes em grandes multidões. Eles podem começar de fatores banais, como um grupo de gente saindo de um ônibus e forçando sua entrada na multidão, ou algumas pessoas parando o ritmo da turba para esperar membros de sua turma.

O que ele favorece é uma ciência indutiva, em vez de dedutiva. Não um grande modelo que explique todos os fenômenos particulares, mas o estudo de vários fenômenos particulares para extrair alguns insights.

Algo como fazem os bombeiros para prevenir a possibilidade de pânico em multidões: averiguar a largura das portas de saída, o tamanho da multidão, sua propensão a se assustar…

A proposta de Bookstaber é uma teoria ainda principiante, a modelagem baseada em agentes. Trata-se de reconhecer que cada agente tem suas peculiaridades (as diversas instituições financeiras, por exemplo) e suas propensões.

Bookstaber faz no livro uma detalhada descrição de como a crise de 2008 eclodiu, com base nessa teoria. É claro que ele tem o benefício do espelho retrovisor – a crise já aconteceu. Mesmo assim, tira algumas conclusões interessantes, como a de que o maior problema é incentivar a liquidez ante os primeiros sinais de crise, não tanto a alavancagem das instituições.

A ideia é fazer análises com a ajuda de computadores. Mais ou menos como a previsão do tempo. Hoje, conseguimos fazer previsões de tempestades com semanas de antecedência, e uma acurácia bastante razoável. No caso do clima, não há como intervir no fenômeno, apenas fugir, se for o caso. Mas as interações humanas são mutáveis.

Será que algum dia seremos capazes de nos precaver das tempestades financeiras?

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