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A cidade ficou pequena

Quantas praias -- ops, shopping centers -- cabem em São Paulo? Depende do tamanho e do conceito do negócio

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h27.

Imagine um centro de compras onde tudo tem proporções avantajadas: faturamento anual de 1,2 bilhão de reais, 500 lojas, 4 milhões de clientes por mês, 11 000 vagas gratuitas de estacionamento, o maior multiplex Cinemark do Brasil, com 14 salas de cinema, nove agências bancárias e até uma frota de 200 carrinhos de bebês para atender as famílias. Esse lugar existe: é o Centro Comercial Aricanduva, complexo varejista na zona leste de São Paulo que reúne em grandes prédios o Shopping Center Aricanduva, o Auto Shopping São Paulo (com 16 concessionárias de veículos), o Interlar (shopping de móveis e decoração), a Castorama (rede francesa de material de construção) e três hipermercados (Extra, Makro e Wal-Mart). Esse gigante se sustenta amparado em consumidores da classe C e se prepara para ficar maior ainda. Estruturas pré-moldadas avançam pelo terreno dando forma a uma nova área com 40 000 metros quadrados. A expansão abre espaço para 20 novas lojas, mais cinco salas de cinema e 20 pistas de boliche. O grupo Savoy, dono do empreendimento, está investindo 26 milhões de reais nas obras. Quando a nova ala for inaugurada, em maio de 2003, o Aricanduva vai se transformar no maior shopping center da América Latina, com 162 000 metros quadrados de área bruta locável (ABL) contínua. "Tamanho, para nós, é documento", diz o executivo José Nilo Delgado, superintendente da Intershopping, administradora dos empreendimentos da Savoy, que incluem também os shoppings Interlagos e Central Plaza.

O porte colossal e as vendas em grande quantidade a preços menores para camadas populares colocam os complexos do grupo Savoy acima da média do mercado paulistano -- onde a competição é cada vez mais acirrada. Os shoppings, chamados de praia do paulistano, ocuparam a cidade. Pelos critérios da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), que segue normas internacionais, a capital paulista tem 37 shoppings em operação. A Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) usa critérios mais flexíveis e contabiliza 72. Apesar de divergirem no conceito e na contagem dos estabelecimentos, as entidades concordam num ponto: gigantes com mix diversificado e sem concorrentes à vista, como o Aricanduva, o Center Norte, na zona norte, e o Interlagos, na zona sul, são representantes raros de um tempo que não volta mais. "Faltam espaço físico e poder de compra para sustentar projetos maiores", diz o consultor e economista Nelson Barrizzelli, professor da USP. "A cidade de São Paulo congestionou-se e pouquíssimas áreas nas zonas leste e norte ainda comportam novos shoppings regionais." Enquadram-se no conceito de shopping regional estabelecimentos como o Ibirapuera, na zona sul, de grandes dimensões, com produtos e público ecléticos.

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Endossando essa análise, os mais recentes lançamentos têm proporções menores (como o anunciado Shopping Boavista, em Santo Amaro, da Sonae Imobiliária, com 24 000 metros quadrados de área bruta locável), foco preciso (Shopping Moto & Aventura, no Centro, com diminutos 7 500 metros quadrados de ABL) ou são instalados em outras cidades da região metropolitana. O último a ser inaugurado, o Shopping Taboão, no município de Taboão da Serra, causou alvoroço entre os consumidores de baixa renda que ainda não tinham shopping perto de casa. O Carrefour, loja-âncora, teve de fechar um dia para repor o estoque, reduzido a zero no tempo recorde de dois dias de funcionamento. Diante disso, o empresário Renato Rique, presidente do grupo Nacional Iguatemi, que controla o Shopping Taboão, anunciou que quer ampliar a participação na capital sem construir novos empreendimentos, assumindo em vez disso a gestão de shoppings menores. "Os empreendedores priorizam alternativas ainda livres da concorrência", diz o arquiteto Paulo Carneiro, responsável pela formatação do perfil comercial do Shopping Moça Bonita -- que o grupo Ras planeja erguer em Diadema, um município ainda não desbravado.

"Não há espaço para todo mundo e você precisa ter muita cautela para investir em shopping, principalmente na capital", afirma Paulo Malzoni Filho, vice-presidente da Plaza Shopping, empreendedora de shoppings do grupo Victor Malzoni. Ele recebe mensalmente até três propostas de novos centros de compras, geralmente oferecidas por donos dos poucos terrenos vagos na capital. Tem rejeitado todas. O grupo Malzoni ainda aguarda a consolidação do Pátio Higienópolis, um shopping de vizinhança, inaugurado em 1999 já nos moldes das novas tendências.

O Pátio Higienópolis trouxe para o mercado paulistano uma inovação em matéria de engenharia financeira. Foi o primeiro do Brasil bancado por um fundo imobiliário, uma alternativa aos tradicionais financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e às parcerias com os fundos de pensão. Cerca de 25% do investimento foi sustentado com a venda de cotas de participação. As cotas podem ser negociadas no mercado secundário e têm hoje ágio de 15% sobre o valor de face de 10 000 reais.

O Higienópolis também tem o perfil comercial da nova safra. A arquitetura e o mix das 220 lojas foram moldados à imagem e semelhança de seu consumidor -- o morador do bairro de mesmo nome, na região central, que concentra políticos, artistas e formadores de opinião com médio e alto poder aquisitivo. Três pesquisas mostraram o sucesso do modelo, mas o shopping sofreu forte oposição dos moradores do bairro. Foi preciso ajustar o projeto às reivindicações da comunidade. Malzoni comemora o fato de o Higienópolis ter conquistado a confiança dos vizinhos no sentido psicológico e comercial. As vendas crescem 70% ao ano desde sua abertura, e o número de visitantes chega a 1,3 milhão de pessoas por mês. Mas, para alguns lojistas, os potenciais clientes mais passeiam do que compram. "O Higienópolis é uma excelente promessa de vendas, mas ainda é só uma promessa", diz um lojista que prefere não ser identificado.

Receitas em baixa preocupam administradoras de shoppings em todo o país. O setor sofre com a conjuntura econômica. Em 2001, as vendas caíram 0,2% em relação a 2000. No acumulado de janeiro a setembro deste ano, houve uma reação: 1,5% de alta deflacionada. Como a região metropolitana responde por 30% do faturamento nacional, estimado em 25 bilhões de reais por ano, os ganhos e as perdas locais pesam no balanço geral. "Os shoppings da Grande São Paulo são o máximo em sofisticação e em diversidade", diz Paulo Stewart, presidente da Abrasce. "Mas também constituem o ambiente mais competitivo da América Latina." Não por acaso os lances mais fortes da disputa comercial do setor ocorrem aqui. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, julga atualmente dois casos de concorrência envolvendo shoppings. Ambos questionam judicialmente shoppings paulistanos que incluem em seus contratos com os lojistas cláusulas de exclusividade. O Shopping D briga com o Center Norte, da família Baumgart, enquanto o Jardim Sul, da Camargo Corrêa, questiona o Iguatemi, do grupo Jereissati.

A pesquisa My Shopping, da Toledo & Associados, publicada por EXAME SP nesta edição (veja os resultados na pág. 16), explica em parte as razões dos embates. O levantamento apura os hábitos dos consumidores de todas a regiões da cidade e traça o mapa da concorrência levando em conta um dos critérios mais estratégicos desse setor: a localização. Cerca de 70% dos entrevistados disseram que escolhem o shopping mais perto de casa para fazer compras. A pesquisa aponta que o aumento no número de shoppings está sobrepondo áreas de influência e forçando a divisão da clientela. Na zona oeste, por exemplo, há um empate técnico entre os shoppings Butantã, Continental, Raposo Tavares e Eldorado na preferência pelas compras -- sinal de que os empreendimentos brigam entre si para atrair o mesmo público. "Os shoppings de São Paulo agora vivem a competição do marketing puro", diz Francisco José de Toledo, diretor-geral da Toledo & Associados. Ganha dianteira quem oferece um mix de lojas cada vez mais exclusivas. O empresário Paulo Veríssimo, diretor de operações do Eldorado, reforça a tese: "Nunca foi tão importante ficar antenado com as novas tendências para manter os clientes". O Eldorado, assim como 40% dos empreendimentos da capital, de acordo com a Alshop, está modernizando as instalações e o mix.

Até meados dos anos 90, os shoppings permaneceram como templos de consumo para clientes de alto poder aquisitivo. O elevado custo de luvas, aluguel e condomínio se justificava. O aumento no número de lojas e a queda no poder aquisitivo do paulistano (cerca de 18% na década de 90, segundo o Dieese), porém, passaram a exigir mais rigor por parte do lojista. Manter uma operação em um shopping custa em média 30% mais que abrir as portas na rua. Num shopping popular, por exemplo, as margens de retorno são apertadas, pois o preço baixo cativa o cliente e permite a saída de quantidades maiores. Num empreendimento voltado para a classe A, o lucro é maior, mas as despesas também.

"É preciso avaliar a localização, o custo e o benefício", diz Mauro Mota, diretor comercial da Fotoptica. A rede tem 40 lojas na Grande São Paulo, 90% delas em shoppings. Para se adaptar às diversidades regionais, apresenta marcas com preços diferenciados. No Aricanduva, oferece óculos escuros Giordano a 69 reais. No Iguatemi, expõe Armani a 600 reais. Quando as vendas não correspondem às expectativas, a equipe comercial negocia a isenção do aluguel. Se nem assim a operação reagir, deixa o shopping.

A Fotoptica encerrou suas atividades no Shopping D por não atingir o retorno mínimo esperado. O D, na zona norte, nasceu como um outlet (shopping de fábrica), mas teve de se transformar num empreendimento convencional por força do mercado. "As fábricas no Brasil não produzem estoque suficiente para atender o consumidor", diz José Roberto Voso, superintendente da BRX, responsável pela administração de shoppings que têm participação do grupo Cyrela. Apesar de existir há oito anos, o D busca se estabelecer, e seu maior desafio ainda é compor o mix.

Nesse ambiente de negociações decisivas e margens estreitas, as lojas de shopping se transformaram nos pontos mais profissionais do varejo. Um dos maiores símbolos é a Le Lis Blanc, que entendeu como poucas o dinamismo comercial dos shoppings e soube fazer nome entre os clientes. A marca é especializada em moda feminina ousada para mulheres de todas as idades. Para atender uma consumidora ávida por lançamentos, expõe novidades nas vitrines quase diariamente.

A criatividade, no entanto, nem sempre garante retorno. Há dez anos, a margem líquida média das lojas em shoppings chegava a 30%. Segundo Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, agora oscilam entre 5% e 6%. "Os shoppings da Grande São Paulo só podem garantir resultado se fidelizarem o cliente e roubarem o consumidor do bairro vizinho", diz Sahyoun.

Para realizar a proeza, os centros de compras estão se transformando em locais de convivência e prestação dos mais variados serviços -- o importante é manter os corredores cheios. Nos shoppings paulistanos, é possível hoje tirar passaporte, comprar automóvel, utilizar ônibus e vans gratuitos, fazer exames laboratoriais, pagar contas em agências bancárias, promover palestras e convenções, emplacar carro, ter aulas de culinária, pintura, canto coral e até de teatro. Estabelecer vínculos com a comunidade virou a palavra de ordem. Os pontos de lazer e cultura passaram a ser superdimensionados. "Muitos shoppings podem viver sem exibir filmes, mas cinema virou uma âncora respeitável", diz Valmir Fernandes, presidente da Cinemark no Brasil. Das 264 salas da rede, 120 estão nos shoppings da Grande São Paulo. A região responde por 60% do faturamento de 200 milhões de reais. "Mas o mercado está chegando ao limite." Na avaliação de Fernandes, as possíveis áreas para a instalação de novas telas são Osasco, Taboão da Serra e o bairro de Itaquera, na zona leste -- não por coincidência, os locais potenciais para novos shoppings.

Na ebulição criativa do setor, algumas administradoras incorporaram a idéia de que os shoppings podem posicionar-se como prestadores de serviço até para sóbrios executivos. "Shopping é um lugar para resolver a vida, e nós estamos ao lado das sedes de grandes empresas", diz Jacqueline Lopes, diretora de marketing da Renasce, administradora dos shoppings Morumbi e Anália Franco, do grupo Multiplan. Por causa da localização geográfica, o público masculino responde por 67% do movimento do Morumbi. Em sua maioria são homens de negócio que fazem compras rápidas e eventualmente utilizam a praça de alimentação para reuniões. Ciente do valor desse consumidor, Jacqueline aposta no shopping como um promissor "centro de negócios" para seus freqüentadores.

Perceber o potencial de um segmento específico não é tarefa fácil. Colocar todas as fichas nele é um risco que poucos assumiram. O ícone do setor, o Iguatemi, fez dessa manobra uma ferramenta para a inovação. "O grupo percebeu no fim dos anos 80 que não seria o maior na capital e decidiu ser o melhor", diz Carlos Jereissati Filho, superintendente da Iguatemi Empresa de Shopping Center, que responde pelas atividades do grupo Jereissati no mercado de shoppings. A empresa está entre as maiores da América Latina. Controla e administra sete dos shoppings mais rentáveis do Brasil. Em São Paulo, o Iguatemi fez a opção pela classe A e quebrou paradigmas para atender seu consumidor. Uma de suas vitórias foi convencer grifes internacionais que preferiam a rua ao shopping. Operações sofisticadas, como Empório Armani, Louis Vuitton, La Perla e Baccarat, levaram glamour e puxaram uma onda de reformas. Nenhum lojista queria ficar devendo às marcas estrangeiras. Foi a loja da Tiffanys, por exemplo, inaugurada no ano passado, que inspirou o setor joalheiro a caprichar nas vitrines e a ampliar a exposição das jóias, antes confinadas em cofres.

O mais recente lance do Iguatemi é um pacote de serviços para reforçar sua exclusividade. O primeiro deles se espelha nos programas de milhagem das companhias aéreas: os clientes recebem cartões de fidelidade personalizados com tarjas magnéticas. As compras rendem pontuações e o cartão passa a ser o passaporte de entrada franca no estacionamento. Na seqüência, o Iguatemi lançará um sistema de reserva nos cinemas. Mais do que fama, o Iguatemi apresenta os melhores resultados do setor. As vendas por metro quadrado atingem 4 000 reais por mês e as luvas variam de 15 000 a 20 000 reais. No SP Market, o outro shopping do grupo na capital, os números estão dentro da média do mercado. As vendas por metro quadrado oscilam em 1 500 reais e as luvas ficam entre 1 500 e 2 500 reais.

Diante do cenário apresentado, fica a pergunta: os investidores podem engavetar projetos de shopping centers grandiosos no mais cobiçado mercado do país e voltar à prancheta para criar apenas shoppings dirigidos? "Depende do modelo de shopping de que estamos falando", diz o consultor Alberto Serrentino, sócio da Gouvêa de Souza & MD. "Não dá mais para fazer o repeteco do que está aí. Chegou a hora de rever conceitos." Serrentino cita como exemplo o Bluewater, shopping na Grã-Bretanha em forma de triângulo, com 165 000 metros quadrados de área bruta locável e faturamento anual de 2 bilhões de dólares. Embora o empreendimento tenha administração centralizada, cada um dos três lados dá acesso a um shopping diferente, formatado da arquitetura ao tempero do fast food para atender à mais sutil das características humanas: o estilo de vida. "São Paulo ainda não tem nada parecido com isso e poderá ter no futuro", diz Serrentino.

Na onda do popular

Os shoppings têm espaço para jovens lojistas sem experiência e dinheiro, mas com muita garra? Para o empresário Fábio Gliosci, proprietário da Central Surf, a resposta é sim. Gliosci prepara-se para montar no Aricanduva uma das maiores lojas multimarca de artigos sportware de São Paulo, com 2 000 metros quadrados. Para concretizar o empreendimento, a oitava unidade de sua rede, buscou empréstimo de 400 000 reais no BNDES e contratou o arquiteto Marco Donini, que projeta academias Competition. A loja terá pista de skate, paredão para escalada, internet grátis e outros serviços oferecidos nas surf shops americanas -- tudo isso para o consumidor de baixa renda. A Central Surf atende descolados das classes B e C que circulam nos shoppings Aricanduva, Tatuapé, Silvio Romero, Penha, Center Norte e Interlagos. Sua única loja de rua fica na 7 de Abril, no Centro. Os moradores das zonas oeste e sul ligados a esportes radicais só ouvem falar na rede quando acompanham torneios de surfe ou de skate que têm o co-patrocínio da Central Surf.

O empresário optou pelo consumidor de baixa renda e fez do atendimento o seu diferencial. Os vendedores recebem o cliente com descontração, sorriem para dar o preço e têm paciência infinita. "Há uma grande diferença entre ter dinheiro e ter disposição para gastar", diz Gliosci. "Muitos lojistas de shopping ignoram isso e ainda tratam o consumidor de baixa renda como cliente de segunda categoria." Seu público responde bem ao tratamento vip. Nos melhores meses, o faturamento da rede chega a 1 milhão de reais.

Gliosci contrariou o pai, a mãe e amigos para montar a primeira loja. Tinha então 23 anos, um diploma de economia e, no currículo, apenas um estágio na Linhas Correntes. Precisou assinar 50 notas promissórias para abrir o ponto de 44 metros quadrados no recém-lançado Aricanduva. Nas prateleiras improvisadas, ajeitou mercadorias que conseguiu por empréstimo. "Eram tempos românticos", diz Gliosci. "Se a administração do shopping não tivesse acreditado em mim, eu não teria vencido os primeiros anos."

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