Economia

'Amazônia não é só um monte de madeira'

Secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente aponta para o potencial econômico de frutas, essências e raízes. "São produtos que podem ser extraídos sem que seja necessário derrubar nada", diz João Paulo Capobianco

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h48.

Leia os principais trechos da entrevista com João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente:

EXAME - É possível conciliar o desenvolvimento econômico da Amazônia com a conservação da floresta?

João Paulo Capobianco - Sim, se a perspectiva for o longo prazo. A longo prazo, não há dúvidas de que a economia florestal é a melhor alternativa para a Amazônia. O problema é que a perspectiva atual é o curto prazo -- e, a curto prazo, nada se compara ao plantio da soja ou à criação de gado. Mas nem é possível manter essas atividades na Amazônia por muito tempo. A região tem características ambientais -- de solo, relevo e clima -- que são inadequadas para a agropecuária intensiva. O desafio é mudar a perspectiva e encontrar uma forma de gerar benefício econômico mantendo a floresta em pé. Existem técnicas, modelos e alternativas para isso.

EXAME - Qual modelo de desenvolvimento deveria prevalecer na Amazônia?

Capobianco - Um modelo em que a economia fosse baseada principalmente no uso da floresta. Existem áreas da Amazônia que precisam ser preservadas em sua integridade, por seus aspectos naturais. Existe também espaço para a agricultura e a pecuária, desde que observados certos critérios. Mas a grande parte da economia regional deveria estar baseada no uso da floresta. Existem 20 milhões de pessoas na Amazônia, que precisam de trabalho e renda. E há áreas onde é possível fazer uso sustentável da floresta, gerando renda. É esse uso que vai viabilizar política e socialmente a conservação da floresta a longo prazo.

EXAME - Existe consenso em relação a essa visão?

Capobianco - Outra resposta.

Existe um consenso entre todos os que atuam nesta área de que o uso sustentável é parte da solução para o problema da conservação. O que se discute são os limites e os critérios para isso. É um debate importante em andamento na sociedade e na academia. Também existe um consenso de que a exploração sustentável passa pelo uso múltiplo da floresta. Não podemos ter uma visão restrita de uma ou outra atividade, porque é o conjunto delas que vai permitir colocar a floresta num novo patamar de importância e de geração de recursos. A Amazônia definitivamente não é só um monte de madeira. Existem diversos produtos não-madeireiros -- frutas, essências e raízes -- que podem ser extraídos sem que seja necessário derrubar nada. A indústria de cosméticos, por exemplo, valoriza esses recursos. Para que eles sejam mais utilizados, é necessário uma política de ciência e tecnologia mais agressiva voltada para a floresta. Existe também um campo enorme para chamados serviços ambientais. A valoração desses serviços é uma tendência e há países, como a Costa Rica, que já se beneficiam disso.

EXAME - É possível aliar a conservação e a exploração sustentável a outras atividades -- como, por exemplo, o agronegócio ou a mineração?

Capobianco - Não há incompatibilidade. É evidente que precisa haver um entendimento de que o agronegócio não pode se expandir para a floresta. Mas isso não significa que ele esteja fadado a desaparecer da Amazônia. Há áreas nas quais a produção pode ser intensificada e há áreas subutilizadas ou abandonadas que podem ser incorporadas. Os dados mais recentes, que precisam ser atualizados, falavam em cerca de 160 000 quilômetros quadrados em áreas subutilizadas ou abandonadas. Se o dado atual for semelhante, estamos falando de uma área superior à do estado de Santa Catarina. Aliando essas atividades ao manejo sustentável da floresta é possível criar um modelo imbatível na região.

EXAME - As políticas públicas no Brasil ajudam ou atrapalham a criação desse novo modelo de desenvolvimento?

Capobianco - As políticas públicas já foram empecilhos, mas aos poucos as dificuldades estão sendo removidas. O que dificulta a mudança? Uma série de coisas. Primeiro há a questão da presença do Estado na Amazônia. A Amazônia é uma região de fronteira. É importante que o Estado esteja presente ali, com capacidade de planejamento, de organização das atividades produtivas. Outro problema grave é a impunidade, a falta de uma ação de comando e controle que efetivamente faça valer a legislação.

Do ponto de vista da conservação, a legislação ambiental brasileira é bastante avançada. Mas ela precisa ser implementada. Sem uma ação de comando e controle bem desenvolvida numa região com essas dimensões, o resultado é a impunidade total. Sem fiscalização, as atividades que destróem a floresta operam livremente e acabam inviabilizando as outras alternativas.

Considere, por exemplo, a exploração da madeira feita de forma predatória. Ela implica uma produção muito maior, mais rápida, sem considerar a fragilidade ambiental e sem o pagamento dos direitos sociais dos trabalhadores. Quem opera desse jeito trabalha com custos muito menores do que aqueles que exploram a madeira de uma forma sustentável, respeitando a floresta, garantindo os direitos sociais dos trabalhadores, pagando impostos. É uma situação de concorrência desleal. Por isso as ações de comando e controle são essenciais. Elas permitem viabilizar a operação daqueles que fazem a exploração de forma sustentável.

EXAME - Quais são os outros empecilhos?

Capobianco - O crédito e o financiamento, por exemplo. Por muito tempo eles foram incompatíveis com a produção florestal. Exigia-se um período de carência e garantias que inviabilizavam a atividade. Outro desafio que permanece é a formação de recursos humanos. Existe uma lacuna de mão-de-obra especializada na Amazônia. Se você é proprietário de uma área e quer fazer manejo sustentável, pode não encontrar pessoas especializadas na região. Outro ponto que ainda precisa ser melhorado, no caso da atividade madeireira, é a agregação de valor. Hoje o foco é a produção de matéria-prima, com baixo processamento. A parte mais importante e de maior retorno econômico -- o processamento -- acaba sendo feita em outros estados ou mesmo no exterior.

EXAME - O que falta para dar escala às experiências pontuais de exploração sustentável que existem hoje na Amazônia?

Capobianco - Falta uma ação mais agressiva que permita reunir o conhecimento, os recursos e a capacidade do poder público. O caminho do uso sustentável da Amazônia não será aberto por pioneiros, por pessoas ou por projetos. Eles existem e servem como importantes referências, mas respondem a demandas específicas e não vão dar conta do recado sozinhos. O poder público tem a obrigação de construir esse novo caminho. Falta uma ação intensa -- que considere a necessidade de crédito, de apoio tecnológico e de mão-de-obra, entre outros -- para que seja possível dar um salto e ganhar escala. Precisamos de uma estratégia agressiva que permita transformar projetos pilotos num grande projeto regional, transformando aquilo que é experimental em algo que seja viável economicamente.

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Economia

Amazon consegue liminar para manter venda de celular irregular. Anatel diz que vai recorrer

Salário mínimo 2025: quanto será? Veja previsão

Reforma tributária: compra de imóveis e serviços de construção terão redução de 40% na alíquota

Ministro da Previdência vai fazer 'pente-fino' em mais de 800 benefícios temporários

Mais na Exame