Ciência

Vacinar crianças é seguro e ajuda a controlar a pandemia, dizem médicos

Médicos pediatras e infectologistas concordam com decisão da Anvisa em liberar imunizante da Pfizer contra a covid-19 para meninos e meninas de 5 a 11 anos

 (© Paul Hennessy / SOPA Images/Sipa USA/Agência Brasil)

(© Paul Hennessy / SOPA Images/Sipa USA/Agência Brasil)

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Agência O Globo

Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 17h01.

Última atualização em 16 de dezembro de 2021 às 17h35.

Com a aprovação da vacina da Pfizer contra a covid-19 para crianças de 5 a 11 anos, nesta quinta-feira, o Brasil aproxima-se de outros países como Estados Unidos, Israel, Austrália e Itália, cujas agências reguladoras já autorizaram a aplicação da vacina da Pfizer para crianças.

Especialistas médicos ouvidos pelo O Globo afirmam que a liberação — além de estar baseada em evidências científicas que determinam a eficiência do imunizante — também colabora no cenário de controle da pandemia: com a redução da transmissão do vírus, promovida por mais esse grupo imunizado, cai também a probabilidade de que surjam novas variantes do coronavírus.

O ponto mais sensível nessa decisão, contudo, é a segurança das crianças que serão submetidas ao fármaco. Especialistas na área de saúde, por sua vez, afastam a ideia de que aplicar vacinas em meninos e meninas seja uma prática arriscada. Pelo contrário, quem vacinou crianças até aqui, colheu bons resultados.

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"Os dados que existem são positivos e não sugerem nada diferente de outros grupos etários que já tomaram a vacina", diz Marco Aurélio Sáfadi, professor na Santa Casa de São Paulo e presidente do departamento de imunização da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Para além dos estudos clínicos, nos Estados Unidos, por exemplo, 5 milhões de crianças receberam pelo menos uma dose de vacina. Após a numerosa aplicação, não foram registrados no país casos de efeitos adversos graves relacionados à imunização. Israel, outra localidade em que também é largamente utilizada a vacina da Pfizer, também não há registros conhecidos de efeitos severos relacionados a esse imunizante

Em Israel, 60.000 crianças tomaram a primeira dose do esquema vacinal da Pfizer ao longo dos primeiros dez dias de campanha de vacinação. O Ministério da Saúde israelense afirmou à imprensa local que os pequenos relataram somente uma ligeira dor no braço e, alguns, febre.

"É uma necessidade vacinarmos. Não há contraindicação para aplicação em nenhuma criança, só para as que apresentarem [alta] reação com a primeira aplicação", diz Renato Kfouri, médico pediatra na Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e um dos especialistas consultados pela agência para autorizar o uso da vacina para os meninos e meninas.

Risco e benefício

A chave para compreender a liberação da vacina está na relação entre risco e benefício de uso do imunizante. As agências reguladoras só liberam um imunizante quando enxergam que eventuais riscos relacionados ao seu uso (como os efeitos adversos raros) são inferiores ao benefício de estar imunizado com a vacina. E, portanto, protegido contra a covid-19.

No caso das crianças, embora a participação no número geral de mortes por covid-19 seja baixa — até novembro, por volta de 0,5% das mortes que ocorreram no país são de crianças e adolescentes —, o número total de óbitos supera a letalidade por qualquer outra doença imunoprevenível. De acordo com o dado do Ministério da Saúde, são 2.500 brasileiros com idade inferior a 20 anos mortos por covid-19 desde o começo da pandemia. O que faz o coronavírus mais letal que males como o sarampo, rubéola e meningite juntos.

"Outro quadro importante é a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica. Que é uma forma de apresentação a covid-19 particular às crianças. No Brasil, tivemos 85 óbitos por essa chamada SIM-P e nossos dados são muito superiores quando comparados às taxas de outros países", explica Juarez Cunha, médico pediatra e presidente da SBIm.

A SIM-P é uma condição inflamatória associada à infecção pelo coronavírus. Crianças com essa condição apresentam febre persistente, além de diversos sintomas que podem ser conjuntivite, manchas no corpo, dor abdominal, náuseas, vômito, entre outros.

Um dos pontos sensíveis para a vacinação de crianças, que gera preocupação dos pais, foram relatos de quadros de miocardite — que é uma inflamação do músculo cardíaco. Na fala do gerente geral de medicamentos da agência, Gustavo Mendes, somente 0,007% dos imunizados apresentaram quadro semelhante. Luiz Almeida, microbiologista e membro do Instituto Questão de Ciência explicou que, segundo os dados disponíveis, nenhum dos quadros dessa condição de saúde evoluiu para óbito e que tudo foi normalizado dias após o aparecimento dos sintomas.

"A taxa conhecida é de 50 casos a cada milhão de [pessoas que receberam] aplicação de vacina e não houve mortes. Essas informações deveriam chegar com mais afinco, divulgadas pelo governo federal", diz ele, sobre a necessidade de uma campanha nacional que ressalte a segurança do imunizante para os mais jovens,

Crianças por último

Últimas na fila da imunização, as crianças serão vacinadas em um momento da pandemia no qual já se sabe muito mais sobre as vacinas contra a covid-19 no mundo real, explicam especialistas. Trata-se de um cenário normalmente comum ao desenvolvimento de imunizantes. Por zelo e critérios éticos, os estudos para o desenvolvimento de novos fármacos e vacinas não se debruçam tradicionalmente, em primeiro lugar, nos grupos mais vulneráveis como as crianças, os idosos e os imunossuprimidos.

Essa liberação, apesar de ocorrer praticamente um ano após a aplicação de vacina em adultos, não se configura como algo secundário. Os médicos pontuam que as crianças são ponto crítico também na transmissão da doença. O que lembra o infectologista Marcos Boulos, professor da faculdade de medicina da USP, está diretamente relacionado ao surgimento de novas variantes. O cálculo é simples: quanto mais o vírus passa de uma pessoa para outra, mais variações ele sofre. E há, ainda, um ponto crítico relacionado ao organismo das crianças.

"Com seu sistema imune ainda em formação, aprendendo com novas infecções, a criança tende a apresentar uma carga viral maior, o que se traduz em maior eficiência de transmissão. Com essa vacinação e com a insistência de aplicação de doses nos adolescentes, vamos controlar a pandemia de maneira mais definitiva", afirma Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury.

Em nota enviada ao O Globo, Julia Spinardi, líder médica da área de vacinas da Pfizer Brasil, afirmou que a disponibilização de vacinas vem somente após minuciosa avaliação. "Para esta faixa etária pediátrica, o imunizante demonstrou eficácia de 90,7% em estudo clínico. Os ensaios de Fase 2/3 foram realizados em 2,268 crianças, nos Estados Unidos, Finlândia, Polônia e Espanha, e apresentaram respostas robustas na produção de anticorpos além de perfil de segurança favorável, o que nos permitiu ter a vacina para este público".

Coronavac

Em paralelo, uma segunda vacina se coloca como candidata à vacinação das crianças. A Coronavac — desenvolvida pelo laboratório Sinovac Biontech e operacionalizada no Brasil pelo Instituto Butantan — é alvo de um segundo pedido de autorização de uso em menores de idade. O primeiro foi rejeitado pela mesma Anvisa em agosto por falta de documentos.

Com essa vacina, a liberação se daria em uma faixa etária diferente: de 3 a 17 anos — por enquanto, o imunizante tem uso emergencial liberado para todos os adultos com 18 anos em diante.

Diferentemente da Pfizer, a Coronavac utilizará a mesma quantidade de vacina em crianças e adultos. Além disso, o Instituto Butantan diz que reservará 12 milhões das doses paradas na instituição para a vacinação desta faixa-etária.

Apesar dos entraves regulatórios, os pediatras enxergam nesse imunizante, um bom candidato para vacinar os mais jovens.

"O principal trunfo da Coronavac é seu perfil de segurança, não houve registro de efeitos adversos muito diferentes. A principal limitação é a menor eficácia, o que pode se mostrar um problema menor, já que as crianças respondem muito bem à aplicação de imunizantes", diz Marco Aurélio Sáfadi, da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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