Ciência

Qual é a idade certa para dar celular aos filhos? Especialistas respondem

Estudo liga uso precoce de smartphones a 40% mais obesidade, 31% mais depressão e 62% mais problemas de sono em crianças; veja o que profissionais recomendam

Crianças com celulares: quais são os riscos e como os pais devem agir?  (alashi/Getty Images)

Crianças com celulares: quais são os riscos e como os pais devem agir? (alashi/Getty Images)

Maria Eduarda Lameza
Maria Eduarda Lameza

Estagiária de jornalismo

Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 06h00.

Última atualização em 9 de dezembro de 2025 às 06h27.

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Um estudo publicado na última semana pela revista da Academia Americana de Pediatria associou obesidade, depressão e insônia ao uso de celulares por crianças. A pesquisa acompanhou mais de 10.500 participantes nos Estados Unidos e identificou 31% mais risco de depressão, 40% mais risco de obesidade e 62% mais chance de sono insuficiente entre crianças com aparelho aos 12 anos. 

No Brasil, a realidade não fica muito distante.

"Temos um aumento de procura por ajuda psicológica e psiquiátrica por pais com queixas de crianças irritadas, desatentas, depressivas, ansiosas e colocando-se em risco", afirma Adélia Miranda, médica psiquiatra da Universidade de São Paulo, em entrevista à EXAME. "Percebemos também muita dificuldade em seguir as nossas orientações quando estas são reduzir e, em alguns casos, retirar temporariamente o acesso a telas", diz.

Como as telas roubam o sono?

Para Miranda, um dos problemas mais graves identificado pelo estudo foi justamente o sono insuficiente. A doutora explica que é durante o sono que as memórias são consolidadas. "Uma criança que não dorme o número adequado de horas de sono desperta com aumento de irritabilidade, sugestionabilidade afetiva, tendendo a desatenção e não consolidação de memórias. Tudo isso dificulta o aprendizado", afirma.

Segundo a psiquiatra, "o feixe de luz azul, que é a luz emitida pela tela, causa um hiperestímulo nas células oculares (especificamente os bastonetes)", o que dificulta o relaxamento adequado e causa uma demora para dormir — fenômeno chamado de atraso de fase de sono. Esse atraso, de acordo com Miranda, pode levar a ansiedade de depressão e impacta também no desenvolvimento da criança.

"Já que precisamos de um número adequado de horas de sono para que seja liberado hormônio de crescimento em doses adequadas", diz.

Miranda ainda afirmou que o cérebro infantil passa por estágios específicos de maturação que determinam sua capacidade de processar estímulos digitais. Antes dos 10 ou 11 anos, quando a criança passa, as telas representam um perigo particular.

"A criança tem dificuldade em separar e ter adequada crítica do que é irreal ou real, seguro ou arriscado, certo e errado, por mais que seja orientada", diz a psiquiatra. Como resultado, é difícil entender que no mundo real existem outros sentimentos, como dor e frustração.

A armadilha da validação digital

Para Alex Pessoa, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, o debate precisa ser reformulado. "Hoje, a presença das telas é praticamente inevitável. Por isso, o foco não deve ser apenas 'se a criança usa', mas como, quanto e quando usa", afirma. "Não se trata de demonizar as tecnologias, mas de equilibrá-las."

O pesquisador destaca a redução da diversidade de experiências essenciais ao desenvolvimento. "A criança precisa experimentar diferentes formas de brincar, se movimentar, imaginar, lidar com frustrações, comunicar-se e construir relações presenciais. Quando a maior parte das atividades da criança é mediada por telas, há uma redução significativa da diversidade de estímulos, um dos pilares do desenvolvimento psicológico e social saudável", diz.

Pessoa, entretanto, reconhece que ainda não existem estudos o suficiente sobre os efeitos a longo prazo. Do ponto de vista da psicologia, ele explica que crianças conectadas por muitas horas reportam "menor percepção de suporte social, menos tempo de convivência presencial com pares e vínculos sociais mais fragilizados."

Outro risco alertado pelo professor é a validação digital, que consiste na criação de ambientes em que a comparação é constante, por meio de curtidas e comentários em redes sociais. "A sensação de pertencimento pode ficar condicionada ao desempenho nas redes. Isso pode fragilizar processos internos de autoestima, autonomia e percepção realista de si", afirma.

Afinal, qual é a idade recomendada?

A EXAME também ouviu Eliane dos Santos, médica da Divisão de Pediatra do Hospital das Clínicas de Bauru. Ela traz o conceito de "tecnoestresse" alertado pela Sociedade Brasileira de Pediatria. "O uso da Internet e as gratificações significativas, por pontos ou 'likes', nos jogos ou redes, passam pelos mecanismos de recompensa e produção de dopamina, relacionada ao 'querer mais", diz.

A doutora explica que isso leva ao alívio rápido de episódios de tédio ou estresse em alguns minutos de uso, seguidos de queda abrupta após a interrupção. A consequência é a dependência do uso do smartphone, levando a um ciclo vicioso de ansiedade e depressão.

Ainda não há um consenso definitivo sobre a idade ideal para os pais darem celulares aos filhos mas, para Santos, "quanto mais tarde melhor." Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda, no mínimo, 10 anos.

Confira as recomendações da especialista:

  • Menos de 2 anos: evitar a exposição, nem de forma passiva;
  • Entre 2 e 5 anos: limitar o tempo de telas ao máximo de 1 hora por dia, sempre com supervisão;
  • Entre 6 e 10 anos: limitar o tempo de telas ao máximo de 1 a 2 horas por dia, sempre com supervisão;
  • Entre 11 e 18 anos: limitar o tempo de telas e jogos de videogames a 2 a 3 horas por dia, e nunca deixar “virar a noite” nas telas.

No entanto, para redes sociais, a médica afirma que não devem ser acessadas por crianças menores de 12 anos.

Santos sugere que a criança e o adolescente devem ter uma rotina que priorize hábitos adequados para preservação da saúde física e mental, como dormir em horários fixos, sem TV ou celular no quarto, realizar refeições à mesa com a família em horários regulares sem acesso a telas e a prática de atividade física (ao ar livre se possível) diariamente.

A médica reconhece que implementar essas regras exige esforço. "Isso não é fácil, mas tudo na vida é hábito. Os pais precisam primeiro convencer-se de que estão tomando as decisões corretas e dar o exemplo. Muitas vezes o cansaço e o cotidiano corrido acabam vencendo. Se um hábito foi criado, ele será seguido na maioria dos dias e isso já ajuda muito."

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