Ciência

Pela primeira vez, cientistas detectam "partícula fantasma" de uma estrela destruída

Detectado na Antártica, o neutrino pode ajudar cientistas a entenderem mais sobre buracos negros

Buraco negro: o estudo teoriza que eles jogam partículas fantasmas pelo Universo (MARK GARLICK/SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)

Buraco negro: o estudo teoriza que eles jogam partículas fantasmas pelo Universo (MARK GARLICK/SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)

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Laura Pancini

Publicado em 23 de fevereiro de 2021 às 13h16.

Última atualização em 23 de fevereiro de 2021 às 17h20.

Em outubro de 2019, uma partícula cósmica invisível de alta energia moveu em direção à Terra quase na velocidade da luz. O fenômeno é mais comum do que se possa imaginar: trilhões delas passam pelo corpo humano a cada segundo, mas este projétil era diferente dos outros.

A tal "partícula fantasma" colidiu com uma molécula de gelo no fundo do oceano e, por sorte, teve seu fim ao lado de um detector sensível embutido sob o Pólo Sul, no Observatório de Neutrinos IceCube, na Antártica. Quando foi detectada, pesquisadores imediatamente começaram a se perguntar: o que a disparou?

A resposta chegou nesta última segunda-feira (22), com a publicação de uma pesquisa na revista Nature Astronomy. Os cientistas identificaram o neutrino, uma "partícula fantasma" que não possui carga elétrica e tem pouca massa. Eles rastrearam as origens da partícula até um evento que ocorreu cerca de 700 milhões de anos atrás: a destruição de uma estrela ao ser estilhaçada por um buraco negro.

Por conta da sua falta de carga elétrica, o neutrino se diferencia das outras partículas carregadas. Enquanto as outras são influenciadas pelo campo magnético, os neutrinos avançam sem restrições, em linha reta desde seu destino. Na Terra, ele pode ser criado em reatores nucleares ou aceleradores de partículas, e eles também costumam sair em grandes quantidades do núcleo do Sol.

Em abril de 2019, o projeto de observação astronômica, Zwicky Transient Facility, detectou um brilho intenso ao redor de um buraco negro cerca de 700 milhões de anos-luz de distância. O clarão se deu por conta de um "evento de interrupção de maré" (ou TDE, na sua sigla em inglês), fenômeno no qual uma estrela é destruída por um buraco negro ao chegar muito perto dele.

Os autores do estudo conseguiram conectar o TDE ao neutrino identificado na Antártica. A teoria é que metade da estrela quebrada foi para o espaço, enquanto o resto continuou no buraco negro em um "disco de acreção" com poeira quente, gás e detritos. As energias produzidas acabaram criando enormes jatos de matéria que são disparados para fora do sistema, trajeto que pode demorar centenas de dias para chegar até aqui o que explicaria o lapso de tempo entre observar o TDE e a detecção do neutrino.

Esta é a primeira vez que descobrem uma correlação entre a destruição de uma estrela e um neutrino. A única outra descoberta de um neutrino que partiu de um TDE foi em 2017, quando alguns telescópios rastrearam a origem da "partícula fantasma" até uma galáxia distante que abrigava um buraco negro.

Estas duas detecções fortalecem a teoria de que buracos negros são como "pistoleiros intergalácticos", jogando partículas fantasmas como o neutrino pelo Universo. Para os astrofísicos do estudo, o acontecimento também pode provar a existência de um "motor central" que funciona como um acelerador de partículas natural, criando neutrinos de alta energia.

"As observações combinadas demonstram o poder da astronomia de multimensageiros", diz o coautor do estudo, Marek Kowalski. “Sem a detecção do evento de interrupção da maré, o neutrino seria apenas um de muitos. E sem o neutrino, a observação do evento de interrupção da maré seria apenas um de muitos. Somente através da combinação poderíamos encontrar o acelerador e aprender algo novo sobre os processos internos."

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