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Ômicron: teste pelo nariz pode ser menos eficaz que o exame com saliva

Especialistas estão pedindo mudança para testes baseados em amostras coletadas na boca, que podem detectar infecções dias antes dos cotonetes nasais

Teste de covid-19. (Lisa Maree Williams/Getty Images)
AO

Agência O Globo

Publicado em 17 de janeiro de 2022 às 21h12.

Nos últimos dois anos, diagnosticar uma infecção por coronavírus muitas vezes exigiu dos profissionais de saúde explorar o nariz das pessoas com finos cotonetes. E mesmo no caso de países que adotaram amplamente os testes caseiros, como os Estados Unidos, esse tipo de exame exige que se colete material das duas narinas. Mas isso talvez precise mudar, afirmam especialistas.

— A abordagem tradicional para diagnosticar infecções respiratórias tem sido investigar o nariz — disse Donald Milton, especialista em vírus respiratórios da Universidade de Maryland.

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Mas a rápida disseminação da variante Ômicron e as dúvidas que surgiram sobre a sensibilidade dos testes caseiros reacenderam o debate sobre se a melhor maneira de detectar o vírus não seria coletar amostras de um local diferente: a boca.

— O vírus aparece primeiro na boca e na garganta — disse Milton. — Isso significa que a abordagem que estamos adotando tem problemas.

Coletar amostras de saliva ou esfregar o interior da boca pode ajudar a identificar pessoas infectadas com o vírus dias antes do que os cotonetes nasais são capazes, sugerem algumas pesquisas.

A ciência ainda está evoluindo e os dados pintam um quadro complexo, sugerindo que os testes baseados em saliva têm suas próprias limitações. Muitos laboratórios não estão atualmente configurados para processar esse tipo de material, nem a maioria dos testes de antígeno caseiros disponíveis estão autorizados para isso.

Mesmo os céticos dos testes baseados em saliva reconhecem que as amostras orais têm algumas vantagens únicas. E com a Ômicron em alta, alguns especialistas dizem que empresas de testagem, laboratórios e autoridades federais devem trabalhar com mais urgência para determinar os melhores locais e tipos de amostras para o vírus.

— Precisamos ser adaptáveis — disse Anne Wyllie, microbiologista da Escola de Saúde Pública de Yale, que é uma das desenvolvedoras do SalivaDirect, um protocolo de teste de PCR não comercial. — Vejo tantos laboratórios ou governos tão fixados em um determinado tipo de amostra ou em um determinado teste que, mesmo com a alteração de dados ou preferências, eles não fazem as adaptações necessárias em seus programas de testagem.

O caso da saliva

Os cientistas começaram a investigar os testes de saliva nos primeiros meses da pandemia. Eles estavam ansiosos para encontrar um método de teste que fosse mais confortável do que os cotonetes nasofaríngeos profundos que eram o padrão na época e que não exigissem profissionais de saúde treinados ou cotonetes nasais, ambos escassos. Com saliva, as pessoas poderiam simplesmente cuspir em um tubo e entregá-lo para processamento.

Alguns profissionais de laboratório estavam céticos de que o teste de saliva seria uma maneira confiável de detectar a infecção.

— Inicialmente, havia preocupações de que a saliva não fosse a amostra padrão ouro, que não fosse a amostra mais sensível — disse Glen Hansen, do laboratório de microbiologia clínica e diagnóstico molecular do Hennepin County Medical Center, em Minnesota.

Mas no outono de 2020, dezenas de estudos sugeriram que a saliva era uma amostra adequada para testes.

— Tem havido um crescente número de evidências de que, no mínimo, a saliva tem um bom desempenho tão bom quanto, se não melhor, quando é coletada e processada adequadamente — disse Wyllie.

Também surgiram evidências de que o vírus tendia a aparecer na saliva antes de se acumular no nariz, sugerindo que as amostras de saliva podem ser a melhor maneira de detectar infecções precocemente.

Milton e seus colegas descobriram recentemente que nos três dias anteriores ao aparecimento dos sintomas e nos dois dias seguintes, as amostras de saliva continham cerca de três vezes mais vírus do que as amostras nasais e tinham 12 vezes mais chances de produzir um resultado positivo de PCR. Depois disso, porém, mais vírus começaram a se acumular no nariz, segundo o estudo, que ainda não foi publicado em uma revista científica.

A Food and Drug Administration, órgão regulador dos EUA equivalente à Anvisa no Brasil, já autorizou vários testes de PCR baseados em saliva, que se mostraram populares para triagem de alunos nas escolas.

— A saliva realmente se tornou um tipo de espécime valioso, e que tem sido cada vez mais defendido como uma amostra de teste primária — disse Hansen.

As vantagens da saliva podem ser mais pronunciadas com a Ômicron, que parece se replicar mais rapidamente no trato respiratório superior e tem um período de incubação mais curto do que as variantes anteriores. Qualquer método de teste que possa detectar o vírus com segurança mais cedo é particularmente valioso, disseram especialistas.

— Acho que a Ômicron realmente mudou o jogo dos testes por causa da rapidez com que o vírus se replica e se espalha — disse Robby Sikka, que preside o grupo de estudos Covid-19 Sports and Society e que ajudou a trazer os testes de saliva para a NBA, a principal liga de basquete profissional dos EUA, em 2020.

Alguns especialistas também teorizaram que a Ômicron pode ser melhor na replicação nas células da boca e da garganta do que outras variantes.

Uma equipe de pesquisadores sul-africanos descobriu recentemente que, embora os cotonetes nasais tenham um desempenho melhor do que os cotonetes de saliva ao detectar a variante Delta, o oposto foi verdadeiro para a Ômicron. (O estudo, que utilizou testes de PCR, ainda não foi revisado por especialistas.)

Mais pesquisas são necessárias, e outro pequeno novo estudo, realizado em um local de testes em São Francisco, na Califórnia, durante um surto de Ômicron, foi menos encorajador. Das 22 pessoas que deram positivo em um teste rápido de antígeno usando cotonetes nasais padrão, apenas duas deram positivo quando suas bochechas internas foram esfregadas. Os cientistas estão atualmente estudando se os cotonetes da garganta têm melhor desempenho.

As complicações

A saliva também tem seus pontos fracos. Embora o vírus pareça se acumular nela precocemente, o nariz pode ser um lugar melhor para detectá-lo mais tarde no curso da infecção.

Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia descobriram que, embora o vírus muitas vezes fosse identificado primeiro na saliva, ele apresentou níveis mais altos no nariz. Seus resultados sugerem que testes altamente sensíveis, como testes de PCR, podem detectar infecções na saliva dias antes do que em cotonetes nasais, mas testes menos sensíveis, como testes de antígeno, não.

Os dados sobre a saliva ainda são mistos, observaram alguns especialistas.

— Existem esses poucos estudos que eu achei realmente muito interessantes — disse Mary Hayden, médica de doenças infecciosas e microbiologista clínica do Centro Médico da Universidade Rush, em Chicago.

Mas Hayden disse que estava interpretando os novos estudos com cautela porque “durante anos e anos e anos”, pesquisas sugeriram que amostras de nasofaringe são melhores para detectar vírus respiratórios.

Alguns cientistas também têm preocupações práticas. A boca é “um ambiente um pouco mais descontrolado em comparação com as passagens nasais”, disse Joseph DeRisi, bioquímico da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que é presidente do Chan Zuckerberg Biohub e autor do artigo de esfregaço de bochechas.

— Você bebeu uma Coca-Cola logo antes de fazer o teste? O pH será diferente. E essas coisas importam — explica.

A saliva também pode ser “viscosa e difícil de trabalhar”, especialmente quando os pacientes estão doentes e desidratados, disse Marie-Louise Landry, diretora do laboratório de virologia clínica do Hospital Yale New Haven, por e-mail.

Em última análise, diferentes abordagens podem ser necessárias em diferentes circunstâncias. Para pessoas que tiveram sintomas por vários dias, cotonetes nasais podem ser uma boa escolha, enquanto a saliva pode ser mais adequada para a triagem de vigilância em larga escala de pessoas assintomáticas, sugeriu o Dr. Hansen.

— Precisamos colocar o teste certo nos lugares certos — disse ele.

Mas se os fabricantes de testes quiserem adicionar amostras de saliva ou cotonetes da garganta, eles precisarão validar seus testes com essas amostras e enviar os dados aos reguladores. Em uma audiência no Senado na terça-feira passada, Janet Woodcock, comissária interina da FDA, observou que os fabricantes também podem ter que reconfigurar seus testes para acomodar os cotonetes maiores que são projetados para a garganta.

Ainda não está claro se alguma das principais empresas de testes domésticos tem planos de fazê-lo.

— Continuamos monitorando e avaliando — disse John Koval, porta-voz da Abbott Laboratories, que faz testes rápidos de antígenos. — Nosso teste atualmente é indicado apenas para uso nasal.

Mesmo os cientistas que estavam convencidos do potencial da saliva relutavam em recomendar que as pessoas limpassem suas bocas ou gargantas com testes não autorizados para esse fim. (A FDA também alertou contra isso.) A bioquímica da boca é diferente da do nariz e pode afetar os resultados do teste, potencialmente gerando falsos positivos, disseram os cientistas.

— Não é tão fácil como dizer: "Ei, use um antígeno rápido para saliva — disse Hansen.

Mas especialistas disseram esperar que laboratórios, fabricantes de testes e reguladores se movam rapidamente para avaliar se algum teste atualmente disponível pode ter um desempenho melhor em outros tipos de amostras.

Em última análise, o país será bem servido por ter uma ampla variedade de opções de teste e a capacidade de alternar entre elas conforme as circunstâncias o justificarem, disseram os cientistas.

— Para futuras pandemias, e talvez até mesmo com a evolução da Ômicron — disse Hayden. — Precisamos de flexibilidade em nossos sistemas de testagem.

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