Exame logo 55 anos
Remy Sharp
Acompanhe:

O papel dos gases na evolução das galáxias

Descobrir qual a taxa da queda do gás interestelar no tempo e no espaço é fundamental para saber a razão de formação de estrelas

Modo escuro

Via láctea: para tentar entender como eram as galáxias quando jovens, os pesquisadores usaram o cluster computacional Alphacrucis (AFP)

Via láctea: para tentar entender como eram as galáxias quando jovens, os pesquisadores usaram o cluster computacional Alphacrucis (AFP)

P
Peter Moon, da Agência FAPESP

Publicado em 4 de janeiro de 2017 às, 15h18.

Um dos temas mais fascinantes da cosmologia trata do estudo da evolução das galáxias. O objetivo é compreender como as nuvens primordiais de gás, no Universo recém-nascido, condensaram-se até formar estrelas e galáxias – e como estas evoluíram até se tornar espirais magníficas como a Via Láctea.

Um trabalho de astrofísicos brasileiros e espanhóis, publicado no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, procurou estimar como, ao longo de bilhões de anos, processou-se a queda do gás interestelar das regiões externas do disco em espiral em direção ao núcleo galáctico, atraído por sua tremenda força gravitacional.

Descobrir qual a taxa da queda do gás interestelar no tempo e no espaço é fundamental para saber a razão de formação de estrelas – pois é daquele gás que elas são feitas. Ou seja, quanto mais gás cai através do disco, mais estrelas se formam e mais brilhante se torna a galáxia.

Mas há um problema. Os instrumentos básicos dos astrônomos para estudar a evolução galáctica são os observatórios. Só que, salvo raras exceções, a tecnologia atual não permite a observação de galáxias quando o Universo era jovem, ou seja, quando tinha metade da idade atual, que é de aproximadamente 13,8 bilhões de anos.

“A imagem é muito tênue, difusa, de baixa resolução. Isso é problemático, principalmente quando se sabe que a primeira metade da vida do Universo foi o período mais dinâmico na evolução das galáxias”, disse Oscar Cavichia, professor do Instituto de Física e Química da Universidade Federal de Itajubá, um dos autores do estudo.

Para tentar entender como eram as galáxias quando jovens, os pesquisadores usaram o cluster computacional Alphacrucis, instalado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP).

Trata-se de um dos maiores aglomerados de processadores (são 192 servidores que agregam 2.304 processadores) unicamente dedicados ao estudo da Astronomia. Inaugurado em 2012, o Alphacrucis é um dos maiores supercomputadores do Brasil e foi adquirido com apoio da FAPESP.

“Fizemos simulações de 144 modelos diferentes de queda de gás. Eles variavam, por exemplo, de acordo com a massa e o tamanho da galáxias. A potência computacional do Alphacrucis permitiu que realizássemos todas as simulações ao mesmo tempo, em vez de separadamente, o que economizou muito tempo e acelerou o trabalho”, disse Cavichia.

Foram feitas simulações com galáxias espirais hipotéticas de três tamanhos. Médias, como a vizinha Triângulo (M33), que tem 40 bilhões de estrelas. Grandes, como a Via Láctea, com 400 bilhões de estrelas. E gigantes, como a vizinha mais próxima, Andrômeda (M31), com 1 trilhão de estrelas.

As simulações envolveram a queda do gás naqueles três tipos de galáxias a partir da sua formação inicial, quando o Universo contava apenas 1 bilhão de anos (redshift 6), e prosseguiram ao longo do tempo para estimar o que acontecia quando o Universo tinha 1,5 bilhão de anos (redshift 4), 3 bilhões (redshift 2), 6 bilhões (redshift 1) e 9 bilhões de anos (redshift 0,5). Redshift, ou “desvio para o vermelho”, é a alteração na forma como a frequência das ondas de luz é observada em função da velocidade relativa entre a fonte emissora e o receptor.

Também se procurou analisar a variação da queda do gás a partir da distância que ele se encontrava do núcleo galáctico, sob argumento de que quanto mais perto do núcleo maior é a gravidade e mais rápida a queda. Por outro lado, quanto mais longe do núcleo, menor é a gravidade e mais lenta a queda.

“A hipótese do trabalho era de que as galáxias de maior massa se formariam mais rapidamente do que as de menor massa, pois quanto maior a massa da galáxia, maior é a sua força gravitacional”, disse Cavichia.

“Da mesma forma, nossa hipótese sugeria que o gás deveria cair mais rapidamente nas partes internas da galáxia do que nas externas”, disse o pesquisador que teve bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado da FAPESP.

Gases em queda

O resultado das simulações foi na direção do que os astrofísicos esperavam, mas trouxe uma surpresa. “A queda do gás é mais ou menos constante, com exceção das regiões centrais”, contou Cavichia.

De fato, quanto mais próximo do núcleo da galáxia está o gás, mais acelerada é a sua queda. E, conforme teorizado, o gás cai de forma mais lenta nas galáxias de menor massa.

Mas isso não quer dizer que as galáxias pequenas se formaram mais lentamente do que as grandes – e as grandes, por sua vez, mais devagar do que as gigantes.

“O que a simulação revelou foi que todas as galáxias, tanto gigantes quanto grandes e pequenas, capturam gás a uma taxa muito similiar à medida que o tempo passa”, explicou Cavichia.

A maior parte do gás interestelar disponível para a formação de novas estrelas já teria caído quando o Universo completou 9 bilhões de anos, o que está de acordo com as observações astronômicas.

O passo atual dessa pesquisa é estudar a abundância química de elementos, como por exemplo o oxigênio, nos discos das galáxias simuladas. O objetivo é determinar a quantidade correspondente de cada elemento químico no gás presente nos discos formados e avaliar se a similaridade observada na taxa de queda de gás para galáxias de diferentes massas tem algum reflexo na distribuição dos elementos químicos ao longo do tempo nestas galáxias.

O artigo The role of gas infall in the evolution of disc galaxies (doi: 10.1093/mnras/stw1723), de Mercedes Mollá, Ángeles I. Díaz, Brad K. Gibson, Oscar Cavichia e Ángel-R. López-Sánchez, pode ser lido por assinantes aqui.

Últimas Notícias

ver mais
Cientistas japoneses encontram microplásticos nas nuvens e temem impactos no clima
Ciência

Cientistas japoneses encontram microplásticos nas nuvens e temem impactos no clima

Há 17 horas
Cientistas testam tecnologia que pode restaurar movimento dos braços com o pensamento
Ciência

Cientistas testam tecnologia que pode restaurar movimento dos braços com o pensamento

Há 17 horas
Conheça a espécie de tarântula azul elétrica descoberta na Tailândia
Ciência

Conheça a espécie de tarântula azul elétrica descoberta na Tailândia

Há 21 horas
4 formas de ajudar o mundo a respirar um ar mais puro
Ciência

4 formas de ajudar o mundo a respirar um ar mais puro

Há 2 dias
icon

Branded contents

ver mais

Conteúdos de marca produzidos pelo time de EXAME Solutions

Exame.com

Acompanhe as últimas notícias e atualizações, aqui na Exame.

leia mais